Wikipedia

Resultados da pesquisa

04 janeiro 2016

LAMPIÃO E OS ESCOTEIROS VENEZUELANOS – VERDADE OU FANTASIA? 26/12/2015

Autor Rostand Medeiros

Teria realmente acontecido um encontro entre o cangaceiro Lampião e um grupo de escoteiros venezuelanos na caatinga nordestina?



Principalmente por ser um movimento que tem como objetivo apoiar os jovens em seu desenvolvimento mental, físico e espiritual, para que possam desempenhar um papel construtivo na sociedade, com um forte foco em atividades ao ar livre e habilidades de sobrevivência, foi que nas primeiras décadas do século passado o escotismo se tornou uma atividade extremamente popular em todo o mundo[1].

E tudo começou com o major-general do exército britânico Robert Stephenson Smyth Baden-Powell. Este possuía uma excelente carreira no serviço militar e tinha adquirido muito prestígio na Inglaterra pela sua atuação na Segunda Guerra dos Bôeres[2].

Robert Stephenson Smyth Baden-Powell – Fonte – wpsess.octhium.com.br

Sua ascensão à fama alimentou as vendas de um pequeno manual militar denominado Aids to Scouting. Neste trabalho lançado em 1899, Baden-Powell tratou principalmente do treinamento de soldados na função de observadores, batedores e trouxe explicações sobre orientação no campo, além de métodos de como sobreviver com a alimentação encontrada na natureza.

Em seu retorno à Inglaterra o general soube que Aids to Scouting era utilizado por professores e organizações de juventude como um primeiro manual escoteiro. Ele também percebeu que muitos garotos mostraram considerável interesse no seu trabalho e aquilo lhe apontou que deveria escrever um manual para o público mais jovem.

Baden-Powell publicou no início de 1908, em seis edições quinzenas, uma “revista” chamada Scouting for boys (Escotismo para Rapazes). Este trabalho estabeleceu as atividades e programas que as organizações de juventude poderiam utilizar em saídas no campo. 

A reação a este material foi fenomenal, além de bastante inesperada. Em um tempo muito curto patrulhas escoteiras foram criadas em toda Inglaterra, todos seguindo os princípios de Baden-Powell. No mesmo ano Scouting for boys foi lançado no formato de um livro[3].

O sucesso foi tanto que em 1909 era fundada no Chile a primeira associação de escoteiros da América do Sul. Logo jovens de outros países da região adotavam a ideia.

Escotismo na Venezuela

Foi Ramón Ocando Pérez que organizou em 1913 as primeiras patrulhas escoteiras na cidade de Maracaibo, Venezuela, sendo ele considerado o percursor do escotismo neste país. Tal como noutras partes do mundo, na Venezuela o movimento escoteiro logo conseguiu grande aceitação na sociedade e uma forte participação dos jovens.

Escoteiros venezuelanos – Fonte –http://museovirtualscoutvzla.com

Ao longo dos anos foram criados novos grupos de escoteiros no país, com intensa movimentação. Logo as patrulhas seguiam para locais cada vez mais distantes, realizando o que era conhecido na época como “Raid pedestre.

Em 12 de dezembro de 1934 um grupo de vinte escoteiros venezuelanos iniciou uma destas aventuras, cujo objetivo era sair de Caracas e chegar caminhando ao Rio de Janeiro[4]. A liderança destes escoteiros estava a cargo do “Capitán Scouts” Andrés Zambrano, um jovem oriundo de Maracaibo, então com 21 anos e filho do general Alejandro Rondón Zambrano[5].

O grupo teria então entrado pelo Brasil através da fronteira amazônica, mas infelizmente são mínimas as informações sobre o trajeto destes escoteiros, as cidades em que estiveram e o que fizeram. Mas, segundo entrevistas do próprio Andrés Zambrano, ele e seus colegas tiveram um terrível encontro nas caatingas nordestinas com ninguém menos que o cangaceiro Lampião.

A Primeira Notícia e o Desconhecimento dos Diplomatas Venezuelanos Sobre os Escoteiros.

Esse episódio da história do cangaço de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, ocorreu no último mês de 1935 e foram correspondentes na Bahia que primeiro transmitiram noticias deste encontro para o periódico carioca “A Noite”. Este era um jornal que sempre publicava notícias relacionadas a Lampião e ao cangaço que existia no distante Nordeste.


Tudo indica que o grupo de escoteiros chegou a Salvador no dia 14, ou 15 de dezembro. O certo é que já no dia 16 daquele mês a notícia era publicada na primeira página de “A Noite”. Mas, de maneira geral, as primeiras notícias divulgadas sobre estes escoteiros foram limitadas.
Informou-se basicamente que Zambrano e seus amigos haviam adentrado o território baiano em outubro de 1935. Ao seguirem a pé pela caatinga os venezuelanos ouviram várias histórias dos sertanejos sobre o temível Lampião, até que em certo momento foram surpreendidos por cangaceiros armados em um lugar chamado “Água Bella”[6].

Nesta primeira reportagem publicada o venezuelano Zambrano informou que no início houve certa confusão pela incompreensão dos cangaceiros diante dos jovens que falavam espanhol, mas ele e seus amigos passaram a noite toda presos, esperando serem trucidados. Foram duas mulheres, entre elas Maria Bonita, que pediram pelas vidas dos estrangeiros e eles foram libertados.

Notoriedade – Lampião e Maria Bonita com um exemplar do jornal carioca “A Noite Ilustrada”

O mais interessante (e estranho) nas primeiras notícias divulgadas por Zambrano, é que os venezuelanos estavam “armados” e foram despojados pelos homens de Lampião do armamento e de suas munições[7].

O texto do jornal finalizava comentando que o grupo estava Salvador e, como era praxe nesta época quando um grupo de escoteiros estrangeiros chegava a uma cidade que estava no itinerário de um “Raid pedestre”, normalmente eles foram recebidos pelas autoridades locais e tencionavam seguir o mais rapidamente possível para o Rio de Janeiro.

Enquanto os venezuelanos se preparavam para partir de Salvador, na então Capital Federal, após receberem as notícias do correspondente na Bahia, os jornalistas de “A Noite” não perderam tempo e partiram céleres para buscar informações oficiais sobre aqueles escoteiros na representação diplomática da Venezuela. A resposta dos membros da legação daquele país no Brasil foi que aquela empreitada era “um empreendimento sem caráter oficial” e “nada sabiam a respeito” [8].

Junto à Polícia Mineira

Mas somente com a chegada do novo ano de 1936 é que vamos ter mais detalhes deste encontro dos escoteiros com Lampião e alguma nova notícia dos venezuelanos.

No final de fevereiro o “Capitán Scouts” Andrés Zambrano estava sozinho em Belo Horizonte, onde deu uma declaração ao correspondente do jornal “A Noite” lotado naquela cidade[9].


Zambrano comentou que estivera na cidade mineira de Corinto, mais de 1.200 quilômetros de Salvador, onde passou por vários problemas. Ali o delegado Oswaldo Machado prendeu o escoteiro que “pregava” para a pequena comunidade. O delegado tinha a suspeita que o venezuelano fardado fosse um “elemento extremista”. O jovem escoteiro foi conduzido sob escolta para a capital mineira, distante cerca de 240 quilômetros de Corinto[10].

Na sede da Polícia Central o estrangeiro aparentemente passou nos policiais mineiros uma versão venezuelana do brasileiríssimo “sabe com quem tá falando?”. Pois junto às autoridades presentes Zambrano informou que “era filho do general Alejandro Rondón Zambrano” e foi “prevenindo” os policiais que estes não poderiam detê-lo por “mais de 24 horas”, que ele “conhecia direito internacional” e que se necessário faria “valer seu direito se fosse preciso”.

Lampião – Fonte – lounge.obviousmag.org

Talvez pelo uniforme, ou pela segurança nas palavras, o certo é que o escoteiro venezuelano “não esquentou a cadeira” na chefatura de polícia. Logo suas declarações foram registradas no então Cartório de Vigilâncias e Capturas e ele foi liberado. 

Da polícia seguiu para ser entrevistado pelo jornalista correspondente de “A Noite”. Que por sinal estava muito mais interessado sobre o encontro de Zambrano com Lampião, do que as suas peripécias junto aos “homens da lei”.

“- Toca, Negrada, Levanta. Vamos ao Chefe”.

Durante a entrevista Zambrano se apresentou vestido de uniforme cáqui, com galões de capitão e um grande chapéu de feltro escuro e abas largas. Já o correspondente de “A Noite” mostrou ao venezuelano a edição de dezembro de 1935 daquele jornal, onde estava a primeira reportagem sobre a aventura dos escoteiros venezuelanos. Zambrano também apresentou ao jornalista uma caderneta com anotações e declarações de autoridades brasileiras, comprovando a sua passagem por vários locais do nosso país.

Para Zambrano a viagem pelo Brasil seguiu sem maiores problemas, mas que o nome e o medo que existia em relação a Lampião era comentado em vários locais por onde ele passou. Entretanto Zambrano e seus amigos fizeram pouco caso das façanhas do cangaceiro. Pensavam até que Lampião seria uma espécie de “superstição” dos brasileiros incultos do norte.

Zambrano entrevistado em Belo Horizonte.

Superstição, ou não, Zambrando conta que em uma manhã tranquila, quando ele e seus camaradas se encontravam a “14 léguas” (84 quilômetros) de “Água Bella”, pararam todos embaixo de algumas árvores para beber água e comer bananas, foi quando o grupo foi cercado por 24 cangaceiros fortemente armados “de fuzis e facas” e montados em alimárias.

Os guerreiros encourados apearam e o que comandava o grupo falou com extremo autoritarismo “-Toca, negrada, levanta. Vamos ao chefe”. Na mesma hora Zambrano entendeu que iria ficar frente a frente com Lampião.

Os venezuelanos então acompanharam o bando de cangaceiros por cerca de cinco léguas (30 quilômetros), em meio a uma caatinga fechada.

No esconderijo Zambrano descreveu que Lampião recebeu os estrangeiros no final da tarde, muito a vontade, embalando-se “em uma rede vermelha e amarella” e que entre suas pernas estava “um fuzil cravejado de libras”, que após a “análise” do venezuelano, constatou serem “canadenses”[11].

Sem perda de tempo Lampião ordena autoritariamente aos estrangeiros explicarem quem eles eram e Zambrano cai na besteira de responder em espanhol. No seu relato o escoteiro afirma que nesse momento o cangaceiro deu um salto da rede e gritou “-Vocês são é polícia paulista. Morrerão todos amanhã!”.

Manchete do Diário de Pernambuco, de 4 de outubro de 1935, sobre a morte de quatro cangaceiros na propriedade Cachoeirinha. Provavelmente foi sobre estas mortes que Lampião comentou com Zambrano.

Em meio a muitos impropérios Lampião continuou vociferando “-Vocês já mataram quatro tenentes meus, cada tenente meu vale cem de vocês, logo, são quatrocentos que eu tenho de vingar” [12].

Na sequência o chefe ordenou ”-Passa a revista” e os escoteiros foram despojados de quatro contos e quinhentos mil réis, chapéus, suas fardas de cor kaki e ficaram amarrados “apenas de cuecas”. Zambrano não relatou nesta entrevista em Minas Gerais, conforme tinha dito anteriormente em Salvador, que ele e seus amigos entregaram armas e facas aos cangaceiros.

Lampião também comentou com o venezuelano que ele parecia com “Manoel Neto”, um valente policial, membro do famoso grupo dos Nazarenos, que infligia séria perseguição aos cangaceiros. Zambrano, logicamente, se derramou em negativas.

Lampião e Maria Bonita – Fonte – blogdomendesemendes.blogspot.com

Em outro momento, buscando ser extremamente polido com seu algoz, Zambrano o chamou de “-Sr. Lampião”, mas a resposta veio rápido, indignada e transmitida na base do grito: “- Meu nome é Virgulino Ferreira, seu malcriado!”.

Amarrados e despidos, por volta das seis da noite a fome e a sede apertaram os estrangeiros, que clamaram por água e comida. Lampião não estava sendo um bom anfitrião e mandou para os escoteiros algumas canecas com café com sal e água com pimenta. No que Zambrano esboçou gesto de repulsa pelo que lhes foi oferecido, Lampião comentou aos gritos “-Não gostou? Aqui se trata bem assim os que vão morrer”. Depois completou ameaçadoramente para o grupo: “-Ou bebem, ou parto a testa de vocês na bala. Aqui tenho a minha lei”. E abriu fogo para o alto com uma pistola Parabélum.

Salvos Pela Maria do Capitão e as Contradições do Escoteiro

Os escoteiros venezuelanos passaram parte da noite amarrados e, segundo declarações de Zambrano, por volta da meia noite chegou ao coito de Lampião um grupo com cerca de quinze cangaceiros. Dentre estes estava uma jovem cabocla, esbelta, trajando camisa branca, culotes, perneiras, com várias joias, um punhal na cintura e que ele a considerou de estatura “alta”.

A Maria do Capitão Lampião

Esta perguntou a um dos cabras de Lampião que vigiava o grupo quem eram eles e o que pretendiam fazer com aqueles estranhos? “- Liquida-los” foi a resposta[13].

A cabocla então se aproximou do venezuelano e este lhe fez rogos pela sua liberdade e de seus amigos. A jovem brasileira pegou no queijo do venezuelano, balançou sua cabeça e disse “-Não se assuste. Não lhe faremos mal. Você é bonitinho, rapaz”. Na sequência a mulher seguiu faceiramente para perto do chefe. Depois os escoteiros souberam que ela era Maria Bonita, a mulher do chefe, a Maria do Capitão Lampião.

Zambrano afirmou que considerou “esquisita” a atitude daquela mulher. 

Mas o que deixou a ele e seus companheiros verdadeiramente “estupefatos” foi que dez minutos depois do encontro com Maria Bonita eles foram desamarrados pelos cangaceiros, que lhes entregaram suas roupas, seus chapéus e os mandaram embora. Como pilheria final dos “Guerreiros do Sol” nos escoteiros venezuelanos, cada um dos estrangeiros foi contemplado com um belo chute na bunda como forma de despedida[14].


Como apontamentos finais sobre esta entrevista concedida por Zambrano em Belo Horizonte, se insere algumas declarações bastante contraditórias.

Segundo consta nas notícias transmitidas de Salvador em dezembro de 1935, e publicadas no jornal carioca “A Noite”, Zambrano e seus amigos iriam partir de Salvador em direção ao sul do Brasil[15]. Mas, contradizendo o que foi escrito anteriormente, Zambrano afirmou ao correspondente mineiro que o medo dos seus companheiros foi tanto após o encontro com Lampião, que os outros retornaram para a Venezuela de navio e apenas ele seguia na jornada a pé pelo nosso país.
Mas estranho ainda está no fato de Zambrano, mesmo com ele e seus companheiros tendo sido revistados pelos cangaceiros, pedir publicamente no final da reportagem que Oswaldo Machado, o delegado da cidade de Corinto, lhe devolvesse um revólver tomado por esta autoridade quando ele foi detido na pequena cidade mineira. O venezuelano justificava a devolução da arma pelo fato dela ser um presente do Dr. Aquiles Lisboa, então governador do Maranhão.

Bem, ou esse correspondente de “A Noite” falseou as declarações do escoteiro venezuelano, ou os cangaceiros de Lampião eram muito incompetentes na hora de revistar os prisioneiros do grupo, ou Zambrano era um grande de um mentiroso!

Outra Entrevista e Novas Contradições

Aparentemente a direção do jornal “A Noite” achou que valia a pena investir um pouco mais no escoteiro, pois ele concedeu uma nova entrevista na sede deste periódico no Rio. Ele chegou a então Capital Federal em 15 de fevereiro e veio de Minas Gerais por via férrea[16].

Zambrano concedendo uma entrevista na sede do jornal “A Noite”, no Rio.

Sobre o local de sua captura voltou a afirmar que tinha sido a “14 léguas” de “Água Bella”, mas agora informou que o grupo partiu de Aracaju, Sergipe, e durante a jornada houve o encontro com os bandoleiros[17].

Já em relação ao seu encontro com o chefe cangaceiro no meio da caatinga, o escoteiro acrescentou que viu o mesmo retirando de uma bolsa, e contando, uma grande quantidade de dinheiro em cédulas e todas amarradas em volumosos maços.

Lampião e seus cangaceiros

Descreveu que o “Rei do Cangaço” estava com uma “gravata vermelha” (provavelmente um lenço) com um rico alfinete brilhante, caçava botas, culotes, camisa kaki e tinha nos dedos das mãos vários anéis de fina qualidade, todos com valiosas pedras preciosas.

Lampião perguntou quem eram aqueles rapazes fardados. “-Quem é o chefe deste batalhão?”, inquiriu Virgulino. Foi quando Andrés Zambrano se apresentou, afirmando ser da Venezuela e não trabalhar para a polícia. Como o venezuelano Zambrano insistia em dialogar no seu idioma nativo com Lampião, este último pegou um fuzil e lhe deu uma coronhada no peito e o estrangeiro foi ao chão. Após o escoteiro se colocar de pé, seguro por dois cangaceiros, este dispara na cara do “Rei do Cangaço: “O senhor deve me tratar como eu mereço. Sou um estrangeiro e tenho direito a ser respeitado. O senhor está desrespeitando a sua lei e o seu governo”.

Realmente nessa nova entrevista o jovem escoteiro Zambrano se apresentou ao jornalista como um homem muito mais decidido e “macho” na ocasião do seu encontro com o maior bandoleiro da história do Brasil.

Chamou atenção do jornalista que entrevistava Zambrano a declaração que o cangaceiro Lampião dormia uniformizado, com a sua arma muito próximo, tinha o sono “levíssimo” e acordava ao menor barulho. Para o estrangeiro o chefe cangaceiro desconfiava de todos, pois ele presenciou Lampião inicialmente dormindo em uma rede e depois de algum tempo este se levantou, pegou uma lona e foi dormir em um local escuro. Outro fato comentado sobre Lampião foi que, na opinião do venezuelano, ele poderia “está tuberculoso” por ter uma tosse seca.


Quanto a Maria Bonita o venezuelano acrescentou que ela vinha acompanhada de “um menino de onze anos de idade”, mas não disse quem seria esse garoto. Desta vez também informou que a mulher de Lampião convenceu o chefe a soltá-los, depois dos “visitantes” terem dado sua palavra de honra de que não informariam à polícia o paradeiro do bando.

Talvez isso explique, mesmo em parte, informações tão desencontradas de Zambrano sobre o local onde se deu o encontro com os cangaceiros.

Mas nesta nova entrevista existe algo de chega a ser verdadeiramente hilário nas declarações do venezuelano, que mostra claramente seus exageros e contradições. Na primeira entrevista ele afirmou que ele e seus colegas ficaram amarrados “apenas de cuecas”. Já nesta segunda declaração os venezuelanos ficaram presos totalmente “nus”.

Fonte – www2.uol.com.br

Se, diante do antigo e tradicional recato sertanejo em relação às mulheres, já era complicado aceitar que os cangaceiros deixaram estes homens presos em pleno acampamento, com cangaceiras presentes, amarrados em “trajes menores”, mais difícil ainda é aceitar a segunda declaração de Zambrano. Poder-se-ia até mesmo ser comentado que eles ficaram presos com poucas roupas para, no caso de uma fuga, a tentativa ser dificultada pelas plantas cortantes da caatinga. Mas as mudanças de versões de Zambrano atenta contra suas declarações.

Ao final da entrevista Zambrano informava que considerava sua aventura concluída, iria se apresentar as autoridades consulares venezuelanas lotadas no Rio e retornar ao seu país de navio[18].

Zambrano em São Paulo Com Seus Companheiros

Mas, segundo noticiaram dois jornais brasileiros, o “Capitán Scouts” Andrés Zambrano não voltou para sua terra natal.

Dez dias depois de conceder a entrevista no Rio para o jornal “A Noite”, Zambrano estava em São Paulo, onde inclusive foi recebido em audiência oficial pelo engenheiro Fabio Prado, então prefeito da capital paulista.

Nota do jornal Correio da Manhã 23 de fevereiro de 1936

Um detalhe interessante deste encontro foi que desta vez Zambrano estava acompanhado dos seus amigos escoteiros, os mesmo que haviam supostamente retornado de Salvador para Venezuela.

Depois destas notícias dos escoteiros venezuelanos em São Paulo, não consegui mais nenhuma informação deste grupo no Brasil.

Depois de tantas contradições, tantas histórias estranhas, são muitas as conjecturas e dúvidas em relação ao que Zambrano comentou sobre os cangaceiros.

Nota da Prefeitura de São Paulo, publicado no Diário de São Paulo em 21 de fevereiro de 1936

Será que estes escoteiros realmente estiveram no coito de Lampião?

Ou será que talvez, em meio às andanças pelo sertão, Zambrano tenha recebido várias informações sobre Lampião de pessoas que estiveram com o cangaceiro e, buscando a fama no Brasil, criou toda essa história?

Ou seria possível que tudo tenha sido uma criação dos jornalistas de “A Noite”, com o intuito de vender exemplares no Rio e o venezuelano participando da farsa para ganhar notoriedade?

E os outros escoteiros venezuelanos, onde estavam enquanto Zambrano aparecia nas páginas dos jornais brasileiros?

No final das contas percebemos, por razões óbvias, que todos os relatos apresentados por Zambrano eram informações sumamente difíceis de serem averiguadas junto a Lampião, Maria Bonita e os outros cangaceiros[19].

O fato que mais me intrigou em toda esta história foi a total ausência de quaisquer referências sobre o “Capitán Scouts” Andrés Zambrano, seus companheiros e a sua rocambolesca aventura por terras brasileiras nos inúmeros sites da internet que tratam da história do escotismo na Venezuela.

Ao realizar esta pesquisa descobri que os escoteiros venezuelanos valorizam muito a história deste movimento em seu país e fazem questão de divulgar a maior quantidade possível de informações. Inclusive os sites que encontrei são extremamente informativos, realizados com esmero, qualidade e trazendo uma grande quantidade de informações históricas produzidas e dispostas de maneira clara e ágil.

Bem diferente do caso dos escoteiros que estiveram no Brasil, temos inúmeras referências sobre o “Raid pedestre” que ligou Caracas e Washington, capital dos Estados Unidos.


Jornal venezuelano El Heraldo, 17 de junho de 1937

Em 11 de janeiro de 1935 partiram a pé de Caracas, a capital venezuelana, em direção a Washington, a capital dos Estados Unidos, os escoteiros Rafael A. Petit e Juan Carmona. Este evento, ou teve uma grande repercussão no país, sendo a aventura dos dois escoteiros reproduzida extensamente pela imprensa local, sendo cultuada até os dias de hoje[20].

Mas nada sobre Zambrano, seus companheiros e sua passagem pelo Brasil.

NOTAS

[1] Sobre a história do escotismo verhttps://en.wikipedia.org/wiki/Scouting (Em inglês).
[2] As Guerras dos Bôeres (ou Guerras de libertação na historiografia bôer) é o nome dado aos dois conflitos travados entre o Reino Unido e as duas repúblicas bôeres independentes, o Estado Livre de Orange e a República Sul-Africana (República do Transvaal). Os dois conflitos ocorreram, respectivamente de 16 de dezembro de 1880 a 23 de março de 1881 e de 11 de outubro de 1899 a 31 de maio de 1902. O cerne do conflito estava na gradual expansão britânica pelo sul do continente africano, em territórios previamente ocupados por descendentes de antigos colonos holandeses.
[3] Sobre a vida de Baden-Powell verhttp://www.scatacook.org/HistoryBadenPowell.htm (Em inglês).
[4] Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de segunda-feira, 16 de dezembro de 1935, Pág. 1.
[5] Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de quinta-feira, 30 de janeiro de 1936, Pág. 1.
[6] Zambrano declarou que este encontro aconteceu no sertão baiano, a “14 léguas” (84 quilômetros) de um local chamado “Água Bella”. Efetivamente existe uma localidade denominada Água Bela  na Bahia, entretanto esta comunidade fica localizada na Mesorregião do Centro Sul Baiano, na área territorial do município de Bom Jesus da Serra, a 120 km da cidade de Vitória da Conquista e a 470 de Salvador. Uma área na qual Lampião e seu bando jamais pisou. Em relação à história do cangaço, o local mais comentado e com um nome mais parecido ao narrado por Zambrano é o município pernambucano de Águas Belas. Mas este está localizado a cerca de meros 20 quilômetros da fronteira alagoana e a mais de 100 da fronteira baiana.
[7] Não foi informado o tipo de armamento que os escoteiros levavam. Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de quinta-feira, 16 de dezembro de 1935, Pág. 2.
[8] Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de quinta-feira, 16 de dezembro de 1935, Páginas 1 e 8.
[9] Zambrano concedeu a entrevista em Belo Horizonte na manhã de sexta-feira, 30 de janeiro de 1936, tendo sido publicada uma pequena nota sobre o escoteiro venezuelano na edição carioca do jornal naquele mesmo dia. Mas na edição do sábado houve uma publicação bem mais detalhada e destacada. Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de sábado, 1 de fevereiro de 1936, Pág. 1 e 2.
[10] Não podemos esquecer que menos de dois meses antes, em 23 de novembro de 1935, eclodira em Natal a fracassada Intentona Comunista e as forças policiais do país estavam em total estado de alerta e a caça de elementos suspeitos de colaboração com os comunistas.
[11] Parece meio improvável que o “Rei do Cangaço” tenha deixado este escoteiro estrangeiro examinar as moedas presas na bandoleira de sua arma pessoal. A não ser que Zambrano tenha ficado muito próximo ao cangaceiro e do seu fuzil.
[12] Provavelmente Lampião comentou para os venezuelanos sobre a morte de quatro cangaceiros ocorrida três meses antes. Mas neste caso, entre os algozes dos bandidos, não existiu nenhum policial. No dia 19 de setembro de 1935, no município alagoano de Mata Grande, na fazenda Aroeirinha, o proprietário Felix Alves Rocha, seus quatro filhos, dois sobrinhos e outro proprietário rural da região, montaram uma emboscada contra os cangaceiros Limoeiro, Suspeita, Fortaleza e Medalha. A ideia desta ação se deveu ao fato de Felix Alves ser suspeito de proteger e dar apoio a cangaceiros e, para evitar as fundamentadas suspeitas dos policiais, nada melhor do que matar alguns bandoleiros. Apesar da ação violenta ter redundado na morte dos quatro cangaceiros, Felix Alves também pereceu neste combate. Ver “Diário de Pernambuco”, Recife, edição de quinta-feira, 10 de outubro de 1935. Pág. 10.
[13] Diferentemente da primeira entrevista concedida em Salvador, quando “duas mulheres” pediram pela vida dele e de seus companheiros, nas entrevistas que Zambrano concedeu então só relatou que foi salvo por Maria Bonita.
[14] Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de sábado, 1 de fevereiro de 1936, Pág. 1 e 2.
[15] Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de quinta-feira, 16 de dezembro de 1935, Páginas 1 e 8.
[16] Para a imprensa do Sudeste do país, relatos sobre a brutalidade de Lampião sempre atraíam leitores e a existência de um estrangeiro que conseguiu ser libertado depois de encarar o maior dos cangaceiros era mais do que o esperado. Era valioso!
[17] Se a declaração de Zambrano é verdadeira, dificilmente o município pernambucano de Águas Belas poderia ser o ponto de referência para saber com alguma segurança o local de encontro dos venezuelanos com os cangaceiros. Pois é sumamente ilógico, em termos geográficos, para o viajante que parte de Aracaju e deseja seguir em direção a Salvador, ou ao sul do país, tomar o rumo até este município pernambucano. Talvez essa informação com tamanho erro geográfico fosse uma ação deliberada do venezuelano, conforme o leitor pode encontrar a razão na continuidade do texto.
[18] Ver jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, edição de sábado, 16 de fevereiro de 1936, páginas 1 e 3. Esta reportagem foi reproduzida integralmente em vários jornais brasileiros. Entre estes ver “Diário de Pernambuco”, Recife, edição de sábado, 22 de fevereiro de 1936, páginas 1 e 8.
[19] Ver os jornais “Diário de São Paulo”, São Paulo, edição de terça-feira, 21 de fevereiro de 1936, página 3 e “Correio da Manhã”, Rio de Janeiro, edição de quinta-feira, 23 de fevereiro de 1936, página 4.
[20] Petit e Carmona finalizaram com sucesso a aventura e chegaram em Washington em junho de 1937, depois de 29 meses de caminhada. Ver http://myslide.es/documents/historia-del-escultismo-venezolano.html
Sobre o escotismo na Venezuela ver –
http://blogs.diariodepernambuco.com.br/diretodaredacao/2015/09/14/o-estrangeiro-que-peitou-lampiao/


Extraído do blog Tok de História do historiógrafo e pesquisador do cangaço Rostand Medeiros

http://tokdehistoria.com.br/2015/12/26/lampiao-e-os-escoteiros-venezuelanos-verdade-ou-fantasia/

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

SOLICITAÇÃO AOS PARENTES DO EX-CANGACEIRO "VOLTA SECA"

Por José Mendes Pereira
Ex-cangaceiro Volta Seca

O blog do Mendes e Mendes solicita aos descendentes de Antonio dos Santos o ex-cangaceiro "Volta Seca" que entrem em contato conosco, para registrarmos em nossos arquivos a sequência da família do cangaceiro. Posteriormente serão registradas pelos pesquisadores e escritores.

Dois bisnetos de dona Anália Ferreira irmã de Lampião já entraram em contato conosco, e tudo foi registrado neste blog:

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

Já recebemos informações de netas e bisnetas do ex-cangaceiro Volta Seca, mas elas desapareceram, e nunca mais retornaram com informações. 

Os familiares do ex-cangaceiro "Volta Seca" não têm de que temerem, pois o tempo está tão longe do tempo do cangaço. Não haverá mais nenhuma perseguição aos parentes dos cangaceiros, e nem tão pouco a algum cangaceiro que ainda esteja vivo e no anonimato. Sabes-e que tem a ex-cangaceira Dulce Menezes viva, mas é impossível ainda ter cangaceiros vivos no anonimato, mas ninguém sabe.

Os nossos e-mails são: 

josemdnesp58@hotmail.com
josemendesp58@gmail.com 

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

http://josemendespereirapotiguar.blogspot.com.br

COISAS SIMPLES (E GRANDIOSAS)

Por Rangel Alves da Costa*

De repente, você encontra uma velha amizade e sente que a pessoa baixa a cabeça um tanto envergonhada, como se temesse não ser reconhecida nem cumprimentada. Geralmente acontece quando a situação de um parece estar melhor que a do outro e a pobreza faz a pessoa querer evitar reencontros.

Em instantes assim, como faz bem um olhar sincero, um abraço apertado, um punhado de palavras antigas, daquelas que se dizia em meio às alegrias de outros tempos. E logo a percepção que as amizades verdadeiras são aquelas construídas na flor dos anos e que não haverá pobreza ou riqueza que as tornem esquecidas.

Nem todos percebem, mas pessoas existem cujo sorriso no coração espera somente uma palavra ou um gesto amigo do outro. Chamar alguém pelo nome causa um efeito de chuva perante o sertão. Relembrar convívios passados causa um efeito de lua perante olhos enamorados. Perguntar por parentes, amigos e conhecidos, causa um efeito imensamente grandioso nos sentimentos.

É que as pessoas gostam de ser reconhecidas, valorizadas, consideradas pela história de vida e não apenas por situações. As pessoas - e quando mais em situação de humildade estejam - gostam de ser reencontradas, principalmente nos seus próprios lares, onde uma simples visita se torna num gesto inesquecível.

Pessoas existem que conviveram juntas a criancice, a meninice, boa parte da vida adulta. Por força do destino, cada uma segue um rumo diferente e mais tarde uma está com melhores condições de sobrevivência que a outra. Muitos sequer recordam do tempo passado, se negam sempre a relembrar os momentos iguais. A riqueza e a bonança os tornam esquecidos daqueles que sempre se mostraram verdadeiros amigos.


Lastimosos são os corações assim, vaidosos, egoístas, presunçosos. Não há maior pobreza de espírito que deixar de reconhecer o outro pelo fato de este estar economicamente fragilizado, por viver na pobreza ou não poder ostentar o mesmo anel. E se esquecem das voltas que o mundo dá e os exemplos recolhidos em cada passo da vida.

Grandiosa é a alma, primoroso é o espírito que possui a dádiva do reconhecimento, do amor incondicional, do companheirismo e da fraternidade. Imenso é o coração e potentado é o gesto daquele que convive para a vida e não para o momento, daquele que se reconhece apenas um favor divino e não uma imposição humana.

Vaidade das vaidades, tudo é vaidade, assim prega o Eclesiastes. Por que fugir ao bem e buscar a arrogância e a desnecessária altivez? O que hoje se mostra de uma forma, amanhã já terá outra feição. Quanto mais foge aos que cresceram no mesmo ninho mais perto estará da solidão do amanhã.

Gostar de quem gosta da gente é sublime reconhecimento. Sentir o que o outro sente é gesto incomparável de igualdade. E não é difícil saber quem verdadeiramente é amigo, quem nos admira, quem nos preserva no coração. Tudo na simplicidade do encontro, do olhar, do abraço, da palavra sincera.

Eis aqui as sandálias da humildade. Nenhum reinado é mais poderoso que uma boa amizade. O velho amigo - mesmo em barraco de cipó e barro - adoça o café no prazer em receber, entrega todo o contentamento do mundo porque não possui algo mais valioso para oferecer. E há muita gente assim na minha Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo.

Conheço o dourado, o de anel, o de riqueza e o que pensa que tem. Conheço o rico e o pobre, a arrogância e a humildade, aquele que é amigo e aquele que apenas finge, que sempre age por conveniência. Mas afirmo com sinceridade: sempre abraçar o velho amigo de chapéu de couro e roupa remendada, sempre abraçar aquela de mão calejada e feição marcada pelo sacrifício. E assim com o moço, a moça, o jovem, o menino. É que aprendi a amar os meus iguais.

Por que somos apenas o que somos. Antes de tudo a raiz. E sem sair do chão. Por que a ele retornaremos feito pó, leve, suave e com a consciência dos justos.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

http://josemendespereirpotiguar.blogspot.com.br

VEJA O QUE A NATUREZA FAZ DE BONITO E BOM SEM NENHUMA FALHA!

Por José Mendes Pereira

A natureza tem mãos perfeitas e macias, que juntas, pincelam na mais absoluta paciência. As mãos não exageram nos traços, nas curvas, nas linhas retas, nos pontos, nas paradas obrigatórias, para continuarem sem erros e sem exageros.


A natureza não faz nada para deixar inacabada. Nós somos irresponsáveis e destruímos tudo o que ela constrói. Ela é a Luz do dia e da noite, a vida, o nascer do sol e o morrer, o ar que respiramos, a chuva, o vento, o mar, e até mesmo o Deus.   

Se você gosta de ler histórias sobre "Cangaço" clique no link abaixo:

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

http://josemendespereirapotiguar.blogspot.com.br


03 janeiro 2016

PAULO GUTEMBERG DE NORONHA COSTA

Por Lindomarcos Faustino

Paulo Gutemberg de Noronha Costa nasceu no dia 12 de abril de 1926, na cidade de Mossoró-RN; filho de Antônio de Araújo Costa Filho e Maria Mavignier de Noronha da Costa. Ele fundou a Rádio Difusora de Mossoró, em 07 de setembro de 1950, juntamente com seu irmão Renato de Araújo Costa e outros sócios. Em Mossoró ele exerceu as seguintes atividades profissionais como advogado, professor, jornalista e radialista, tendo sido um dos pioneiros da radiofonia desta urbe. Foi Diretor-Superintendente da Rádio Difusora de Mossoró, por longos anos, como também redator e um dos dirigentes do Jornal do Oeste; além de poeta e compositor; Diretor da Editora Comercial S/A; Deputado Estadual à Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Norte, entre os anos de 1963 a 1966; Diretor Jurídico da Fiação e Tecelagem de Mossoró S/A – FITEMA, 1966 a 1967; Diretor do Núcleo do SESI, em Mossoró; Delegado Regional da Fazenda Estadual, com sede em Mossoró, entre os anos de 1964 a 1966; Secretário de Administração da Prefeitura de Mossoró. Ele faleceu no dia 19 de março de 1987, em Natal-RN, vítima de um infarto no miocárdio.

Fonte: facebook
Página: Lindomarcos Faustino 

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

02 janeiro 2016

FERNANDO DA GATA


(3 versões sobre o homem que aterrorizou a vida de muita gente)

Um simples de chinelo ou um pirangueiro

Na década de 80, um bandido cearense, da cidade de Russas, de 21 anos, tornou-se famoso no Brasil inteiro por aterrorizar a população de várias cidades em sequências de assaltos e fugas que deixavam a Polícia atônita. Fernando Soares Pereira, o "Fernando da Gata" acabou morrendo à bala, no dia 3 de setembro de 1982, durante uma perseguição policial, no município mineiro de Santa Rita do Sapucaí, que vivia em clima de terror em decorrência das ações bandidas. Mas de repente o transformou numa espécie de "herói". A morte de Fernando da Gata, que era acusado pela Polícia, na época, de 21 assaltos e 19 estupros somente em São Paulo foi noticiada com destaque na imprensa de todo o País, principalmente nos noticiários de televisão. O corpo dele foi sepultado, mesmo como indigente, de terno e gravata e urna de luxo, doados pela população da cidade mineira de Pouso Alegre, que também viveu em clima de terror. Lá um industrial muito conceituado na cidade, por conta do terror que se criou sobre Fernando da Gata, matou em casa, de madrugada, a própria filha ao confundi-la com o assaltante. Mas no Ceará o mito Fernando da Gata também não foi diferente. Na época me reportei sobre o assunto nos noticiários policiais do O POVO. O corpo de Fernando da Gata, depois de exumado no cemitério de Pouso Alegre foi trazido de avião para Fortaleza. No momento do seu desembarque no Aeroporto Pinto Martins, dezenas de curiosos estavam lá e houve até quem o aplaudisse como herói. Do Aeroporto Pinto Martins, o corpo de Fernando da Gata foi levado para Russas, na Região Jaguaribana. Na tarde do dia 21 de setembro foi sepultado. Dezenas de pessoas dormiram no portão principal do cemitério aguardando a hora do enterro. A Rádio Progresso de Russas anunciava em sucessivas edições extraordinárias a chegada de caravanas de cidades e distritos vizinhos, em ''paus-de-arara" para assistirem o sepultamento. Muitos traziam flores. Um locutor de uma TV de Fortaleza disse que a emissora estava no ar extraordinariamente naquele momento (do enterro) por causa da importância do fato. Depois do sepultamento de Fernando da Gata, a imprensa cearense voltou a se reportar sobre o assaltante maníaco que aterrorizou cidades do Pais. O repórter Francisco Taylor, o "Mão Branca", da TV Cidade, questionou o fato de que o assaltante cearense morreu mais por fome do que pelo único tiro levado. Disse quando caçado nas matas de Santa Rita do Sapucaí passou dias sem se alimentar. O jornalista Oswald Barroso, do O POVO, na época questionou a fama que se formou sobre o assaltante e escreveu uma reportagem intitulada: "Fernando da Gata, um simples de chinelo ou apenas um pirangueiro".

Landry Pedrosa
FERNANDO DA GATA

Russas nunca gerou um individuo de mais alto grau de quociente de inteligência e imaginação excessivamente projetadas pelo seu próprio idealismo criminoso, como Chagas da Gata e Fátima Paz, ao tornarem vulto, o famoso bandido Fernando da Gata, Francisco Soares Pereira. Menino pobre, bonito, inteligente, esperto, rápido, educado, diferente dos outros, cresceu na infância, calmo, sem traumas, maus-tratos e violência, no desejo de ser cantor sem pensar em ser bandido, o seu maior sonho era ser soldado do exército. Por conta desse sonho, aos 13 anos de idade, partiu para Fortaleza e trabalhou com o seu tio. Estudou e terminou o ginasial, mesmo no ofício de encanador. Aos 17 anos, partiu para São Paulo, trabalhou e conheceu aquela imensidade. Quando veio o recrutamento voltou para Russas e convocado para servir o Tiro de Guerra, raspou logo a cabeça como soldado, e ao se apresentar com cabelo de militar, fizeram uma investigação e ele foi preso. Prisão essa que findou o sonho de ser sargento do exército e começou o seu tormento. Fernando da Gata só tinha na sua ficha policial um crime de furto com a sua primeira prisão no distrito de Redenção, quando fora autuado em flagrante delito. Mas, para distanciar do fantasma de menino pobre, Fernando, com aplicação em tudo que fazia, sua ambição era ganhar muito dinheiro para tirar a sua mãe da pobreza. Por conta dessa extrema generosidade, na pretensão de ser militar, consegui uma farda e se passando por sargento do exército, em Russas, pegou mais um apelido, o de sargento. Embora considerado o mais célebre dos estupradores, Fernando da Gata foi um bandido romântico, escrevia cartas para a mãe e mandava flores para a namorada, a desaprovar qualquer negação de Deus, com a oração de São Francisco do Canindé que lhe dava sorte e protegia a vida. Com as cem mulheres estupradas com um sorriso no rosto, nem mesmo no disfarce da face do mal, e no pesadelo dos ataques, nunca demonstrou ódio do terror e do espanto como prática de assassinos tenebrosos que estupram e matam por prazer. Desconhecia as crueldades dos bizarro, loucos, cruéis e assustadores monstros que desfilaram mundo afora nas galerias dos serial Killers. Como os que matam quem mais ama, que planejam fantasias sexuais, estupram, torturam, estrangulam e retalham as suas vítimas. A imprensa simplesmente escrupulosamente sobre o perigoso bandido dava notícias de análises e impactos de crimes absurdos e violentos, de forma atroz e odiosa a pintar como Michelangelo, as terríveis cenas do inferno com as façanhas e a famigerada alcunha de Fernando da Gata, muito embora que esse apelido infernal e duvidoso, terrivelmente bizarro de Fernando da Gata, tenha surgido por uma extrema brutalidade, de quando criança, perante ao comandante do quartel de Russas, ao fulminar friamente uma gata ao jogá-la na parede. A outra pelo estigma do destino de que como um fantasma o desgraçado corria por cima dos muros e dos telhados com agilidade dos felinos. E a última, particularmente, por o seu genitor chamar-se Chagas da Gata. E a sua avó conhecida como a velha gata. Para quem era considerado como um bandido perigoso, nunca cometeu nenhum crime violento, homicídio ou assalto a mão armada, mas deixou o país perplexo com os furtos e os estupros. Um dos casos de maior repercussão na trajetória do maníaco, foi quando em Minhas Gerais, o empresário Jair Siqueira, atirou e matou sua filha adolescente, pensando ser o estuprador Fernando da Gata, que invadira a sua residência. Com as histórias de que Fernando da Gata estuprou mais de cem mulheres, o que renegou a sua própria mãe: “100 mulheres estupradas, essa história está errada, meu filho estuprava moça.” Embora que Fernando da Gata tenha estuprado somente moça. Nunca se ouviu dizer que ele tivesse drogado, espancado ou assassinado uma delas. Nem cometido crime de rapto, corrupção de menores ou lesão corporal. Pois por muitos policiais e pelas próprias mulheres estupradas, todos afirmaram que ele era um rapaz, calmo, educado, meigo e muito afável, embora considerado um dos maiores criminosos de todos os tempos. E de tanto vivificarem o bandido, fizeram samba enredo, filme, poesia, literatura de cordel, embora temido, para muitos tornou-se querido até pela polícia que dele tinha medo. Fernando da Gata não nasceu em nenhum mundo-cão, nem fora a besta humana que pintaram, não teve parceiro, nunca usou arma, droga e nem álcool, nem apresentava distúrbio psíquico. Apenas no triunfalismo dos mistérios e invocações demoníacas, Fernando da Gata, sabia ler o destino nos olhos dos gatos, ao ponto de se tornar invisível diante dos policiais e dos cães que quando o farejam voltavam espavoridos. Assim como o homem tentou descobrir o elixir da eterna juventude e o segredo da invisibilidade, Fernando da Gata considerado um dos bandidos mais astucioso e inteligente que esse país conheceu, no uso da extrema manifestação sobrenatural desaparecia diante dos olhos da polícia sem deixar rastro. Assim como furou vários cercos policiais, no Ceará, São Paulo e Minas Gerais. Assim, como nas inúmeras perseguições, com helicóptero, cães treinados e centenas de policiais experientes. Principalmente com a fuga cinematográfica da cadeia de Mossoró, pondo fogo no teto do xadrez e com o grampo de cabelo de sua namorada abriu o cadeado da cela, fugiu e nunca mais foi preso. Ele entrava nas casas, pedia para a mulher fazer comida, descansava, estuprava e depois ligava para a policia e sumia. Era um facínora de malícia, orgulhoso e astuto. Ameaçava juiz e delegado, telefonava, mandava bilhete e recado que ia estuprar, escalava o muro e invadia as casas com maior tranqüilidade deixando o General Assis Bezerra desmoralizado. Fernando da Gata, Francisco Soares Pereira, morto pela polícia mineira foi enterrado quatro vezes, a última no cemitério de Russas.

Airton Maranhão
POR AIRTON CHIPS

Fernando Soares Pereira nasceu em 1961 na pequena Russas-CE e aos 21 anos, depois de meteórica carreira na capital paulista e em Pouso Alegre, tornou-se a pessoa mais temida e mais popular do Brasil. Sua fama começou na própria Russas onde mais tarde ele voltaria de avião fretado pelo governo do Estado e, sob o ruflar de tambores seria….. enterrado, como herói e mártir. Suas estripulias, brincadeiras com a polícia e abusos sexuais começaram ainda na adolescência e aos vinte anos Fernando já era o mais ilustre ladrão e estuprador da cidade… e o maior fujão do velho hotel de Russas. Prendê-lo até que não era tão difícil. Bastava chantageá-lo. O difícil era mantê-lo na cadeia. Diziam que ele tinha parte com o demônio, praticava magia negra ou algo assim, pois simplesmente desaparecia da cadeia na hora que queria. Quando os policiais não conseguiam prendê-lo, diante da pressão da população, prendiam algum de seus familiares e então ele se entregava e o chefe da polícia o exibia na sacada da delegacia para acalmar a população. Esta última parte até que pode ter acontecido, pois naqueles tempos, antes do advento da Carta Magna do jurássico Ulisses Guimarães, nos mais distantes rincões do nosso brasilsão verde-amarelo, especialmente nas pequenas cidades, políticos e policia faziam as leis de acordo com suas conveniências – Faziam…? 

Mas o baixinho que na lá no Ceará gostava mesmo de meninas novas de família, cansou-se da farra, da rotina e da pobreza do nordeste e resolveu descer para o rico sudeste. Fixou residência na periferia de São Paulo e se tornou Manoel Rufino da Silva, trabalhador da construção civil. Casou-se com Maria de Fátima, mas logo recomeçou a vida de crimes contra o patrimônio e contra os costumes. Seis meses depois estava em todos os noticiários impressos, radiofônicos e televisivos do país. Agora, o Fantástico Show da Vida já o apresentava ao Brasil como o misterioso “Fernando da Gata”. Em São Paulo ele pulava muros e quintais usando apenas um calção, dominava cães ferozes com um simples estalar de dedos, entrava nas ricas mansões de revolver em punho, estuprava a dona da casa no seu quarto com o marido trancado no banheiro ao lado ou na presença dele mesmo, comia refeições frias ou quentes preparadas pela dona da casa. As vezes fazia xixi – e o ‘dois’ também – nos pratos e panelas e ia embora levando somente objetos que pudesse carregar nas mãos ou numa sacolinha presa à cintura; joias. 

Herói, bandido, demônio, mito, folclore. Não sabemos o que é fato e o que é boato, mas foi com este perfil que Fernando da Gata chegou a Pouso Alegre em meados de agosto de 82. Aqui começa a história que podemos atestar sobre o maior bandido que conhecemos, o qual passou como um furacão por Pouso Alegre e morreu na margem direita do rio Sapucaí, no bairro Pouso do Campo, em Santa Rita do Sapucaí. Morreu tão solitário quanto sua vida criminosa, duas semanas depois de adentrar o Estado mais eficiente do Brasil no combate ao crime. 

Um pouco de sua fama era verdadeira, pois os mais famosos policiais de São Paulo vieram para Pouso Alegre tão logo souberam de sua presença… para espantá-lo. 

Quando um próspero comerciante da cidade recebeu a visita sorrateira de um baixinho seminu, na calada da noite, sem ser incomodado pelos dobermans, o cão de guarda da época, a polícia se lembrou da principal reportagem do Fantástico na noite anterior e ligou os fatos ao bandido. Mas somente depois da terceira visita noturna, três estupros e roubo de cerca de um quilo de joias diversas, é que a polícia de mobilizou à altura do perigo que enfrentava. As principais autoridades da cidade se reuniram formando uma mesa redonda, composta pelo General Carlos Aníbal Pacheco, comandante da AD4, Dom Jose D´Ângelo Neto, bispo arquidiocesano, Candido de Souza, prefeito Municipal, Abel Lobo Cordeiro, Delegado Regional, Capital Odilon Jose Gomes, comandante da 56ª Cia do 8º BPM e Jose Murilo Maia, radialista proprietário da Rádio Clube – coincidentemente conterrâneo do meliante – para manter a população informada do que estava sendo feito para capturar o perigoso marginal, supostamente Fernando Soares Pereira, O Fernando da Gata, bem como transmitir à população orientação de como evitar pânico, pois este era o caso.

Todos os policiais da cidade foram convocados, independentemente de escala de serviço, para participar da caçada ao maníaco. Era uma operação de guerra. Foi aí que eu entrei na história de Fernando da Gata. Eu acabara de sair do plantão de 24 horas e fui chamado para voltar para a Delegacia e continuar de plantão enquanto os colegas saiam na captura. Eram mais de 60 policiais rondando a cidade a noite toda, em carros particulares, pois não havia viatura para todos. Na cidade todos se trancavam em casa, mas ninguém dormia, tamanho o medo que sentiam de ser a próxima vítima. Duvido que alguém tenha passado tanto medo quanto eu ali naquelas três noites frias de agosto. Meu raciocínio era que se o meliante era ousado o suficiente para enfrentar cães ferozes e pais de famílias assustados e armados, ele devia saber que eu estava sozinho na delegacia assistindo “Starsk & Hutch” na tv Philips preto branco. O que o impediria de visitar o jovem policial com um caquético HO enferrujado e seis balas com a pólvora solta, na cinta? 

Em Pouso Alegre Fernando da Gata fez apenas três visitas nas quebradas da noite. Só anfitrião escolhido, dois ricos empresários e o mais famoso advogado criminal da cidade e região, todos tiveram suas joias levadas… e a honra de suas mulheres também. Numa das casas, a de um empresário do ramo de automóveis, ele chegou com fome… de arroz com feijão de corda, buchada de bode ou jabá com farinha como estava acostumado no Nordeste e ficou mais tempo que o habitual, pois tinha também fome de sexo. Após satisfazer seus apetites sexuais, exigiu que a dona da casa fosse para a cozinha preparar-lhe um banquete. Somente depois de encher o ‘pandu’, e fazer suas necessidades fisiológicas em pratos e panelas ele foi embora levando as joias, a dignidade e a paz da família.

No entanto, o maior dano que Fernando da Gata causou em Pouso Alegre, viria três dias depois de sua última visita noturna, já com dezenas de homens na sua sombra e ele a centenas de quilômetros da cidade.

Um prospero empresário, que se tornaria um dos maiores políticos da história recente de Pouso Alegre, apavorado como todos os pais de família da cidade, dormia com o revolver na cabeceira da cama. No meio da madrugada a porta de seu quarto se abriu lentamente. Ele despertou sobressaltado, pegou a arma e atirou…. Não era o bandido. Era sua filha adolescente de 13 anos, que sem conseguir dormir, fora buscar abrigo no seu quarto, e tombou sem vida. O tiro disparado no meio da madrugada despertou toda a vizinhança e atraiu os policiais que faziam a ronda, mas não havia nada mais a fazer. Desnecessário dizer que o empresário recebeu o perdão judicial, pois o mal que ele causou a si mesmo foi muito maior do que o que a justiça poderia lhe impor.

Desde que todas as forças policiais da cidade se mobilizaram para prender o maníaco, os crimes cessaram. Mas as investigações continuaram e dias depois Fernando da Gata fez contato com sua esposa Maria de Fátima, dizendo que estava na histórica Mariana, na região metropolitana de Belo Horizonte. Marcaram um encontro no posto Mavesa, no trevo da “Brasilinha”, entroncamento da BR 381 com 459, onde ele entregaria a ela as joias roubadas, para fazer dinheiro.

O encontro foi marcado para as duas horas da tarde do dia seguinte, no “play graund” do restaurante ao lado do posto e desde a manhãzinha, frentistas e garçons viraram policiais à paisana, prontos para dar o bote. O dia passou sob imensa tensão e somente às quatro da tarde um baixinho com pinta de somongó, levando mochilinha nas costas aproximou-se do fiat 147 que aguardava na sombra frondosa de um Ficus. Ao volante estava o advogado de Maria de Fátima e ela ao seu lado. No banco de trás estavam o famoso investigador Fininho e um delegado paulista, que fizeram questão de participar da prisão. – Na verdade, concluímos depois, o objetivo dos policiais paulistas era exatamente o contrário. Queriam afugentar Fernando da Gata, para que ele não fosse preso em solo mineiro. Eles queriam ter a honra de prender o mais famoso bandido do país – Ao reconhecê-los, O gatuno fugidio nem chegou a falar com a esposa, saiu correndo em direção à rodovia e embrenhou-se no mato. Fininho e seu parceiro saíram primeiro na perseguição e despistaram nossos policiais, informando que o bandido se refugiara à direita da Fernão Dias, sentido São Paulo. O cerco foi feito rapidamente e toda a área varrida até a noite. Sem sucesso. No dia seguinte o assaltante estuprador foi visto no município de Cachoeira de Minas, do lado oposto da rodovia indicada por Fininho. Reiniciada a perseguição, ele rumou-se para Santa Rita do Sapucaí, de onde sairia no rabecão do IML com um único balaço no lado direito do peito.

O diretor da Guarda Municipal de Santa Rita, que era sargento comandante da polícia militar na época e participou da caçada, disse-me que durante as duas semanas da presença do bandido na região, a criminalidade na cidade de Santa Rita caiu a zero. “Até mesmo os bandidos da cidade ficaram com medo de sair de casa”, conta ele.

A bala que acabou com a farra do famigerado Fernando da Gata, o terror dos ricaços e devolveu a paz e a tranquilidade a milhares de famílias da região, saiu do revolver particular do sargento da Policia Militar Ambiental José Lúcio Campos. – A polícia de Minas Gerais não fornecia armamento a seus policiais na época.

Vinte e sete anos depois, Sargento Campos como é conhecido, aposentado desde 88, atendendo meu convite, voltou ao local do fato e me contou como foi. 

“Como todos os policiais da nossa área, eu estava à disposição do comando para caçar sem tréguas o perigoso bandido. Eu subi o Rio Sapucaí de barco com minha equipe e quando me preparava para voltar por terra, com o barco a reboque, recebi informação do meu comandante de que o suspeito fora visto próximo à cidade de Santa Rita, nas proximidades da Moore, descendo para o rio Sapucaí. Depois de vasculhar a área indicada, sem sucesso, determinei ao soldado que retornasse ao ponto de partida para buscar a viatura. Enquanto aguardava sua volta, me abriguei deitado ao chão numa restinga há menos de cem metros da margem direita do rio, atrás de uma moita de ‘assa-peixe’. Fiquei ali uns 20 ou 30 minutos até que começou a escurecer e os curiangos começaram a cantar. Eu estava numa pequena depressão do terreno e então me levantei para ter melhor visão do local. Ao dar os primeiros passos, surgiu à minha frente, há menos de dez metros, um vulto vindo do rio. Apesar da penumbra de início de noite pude ver que ele usava apenas calção. Ordenei;

- “Quem estiver aí, pare ou eu atiro”.

Não houve dialogo. Neste momento vi um movimento que parecia seu braço se levantando ao lado do corpo e puxei o gatilho do meu revolver que trazia engatilhado, ao mesmo tempo em que me jogava ao chão. Ouvi dois tiros, o meu e o dele e o vulto caiu ao chão. Caiu mas levantou-se rapidamente e saiu correndo. Levantei e corri atrás gritando:

- “pare, você está cercado”, e dei mais um tiro mas ele não parou, soltou uma praga qualquer que não entendi e se embrenhou na restinga ciliar. Como eu estava desprotegido em campo aberto, parei para me abrigar e fui lentamente contornando a restinga de onde o fugitivo talvez pudesse sair. Cerca de 25 minutos depois chegaram ao local o capitão Calçado, o tenente Ponzo, um civil e dois cães farejadores. Após narrar os fatos ao superior, voltamos ao local onde acontecera os disparos e encontramos no chão o revolver branco calibre 38 banhado de sangue. Deduzimos que meu tiro havia atingido o bandido e passamos a vasculhar as imediações. Por volta de nove da noite, ainda sem sucesso, pedi ao capitão calçado para me liberar para ir para casa, pois eu estivera desde a manhãzinha num patrulhamento florestal no município de Bom Repouso e teria que retornar às cinco da manhã seguinte. Dispensado, fui para casa e dormi tranquilamente, como de costume depois de um dia cansativo. Por volta de uma e meia da manhã, fui acordado pelo cabo Paula Costa, que me disse:

– “Você matou o bandido”. Nós achamos seu corpo há poucos metros de onde você o baleou, com um tiro no peito. “O comandante quer você no batalhão para prestar esclarecimentos”.

Eu soube então que meu tiro havia acertado o lado direito do peito do bandido e como ele estava de perfil, a bala caminhou e atingiu o coração. Com o impacto ele caiu ao chão levando a mão com a arma ao peito e com a dor derrubou o revolver e não conseguindo achá-lo no escuro e não querendo se entregar, fugiu de mim desarmado. Seu corpo foi encontrado por volta de onze e meia da noite, de bruços, junto a uma moita de capim, há poucos metros do local onde eu o acertei.”

A vida do mais famoso, misterioso, solitário e aterrorizador bandido que já passou pela região acabou ali, há poucos metros da margem direita do rio Sapucaí, num pastinho de capoeira da fazenda do Sr. Huet Moreira no bairro Pouso do Campo, na altura da Moore Formulários, onde hoje, 27 anos depois, cresce um viçoso milharal.

Acabou a vida, mas não a saga.

Ele ainda daria trabalho e renderia muita história “post mortem”, inclusive a mim.

O maior terror do Brasil no momento tornara-se um troféu, não poderia ser simplesmente enterrado, tinha que ser exibido – sua família demoraria um pouco para reclamá-lo. Seu velório aconteceu nos corredores da 13ª Delegacia Regional de Polícia de Pouso Alegre. Lá estava eu novamente para coordenar a entrada da multidão de curiosos na delegacia, para ser apresentada e se despedir do gigante, do terror, do endiabrado bandido de 1,68m de altura que deixava cães ferozes choramingando nos cantos de quintais com sua passagem.

Não foi bem um velório, foi mais uma exposição à visitação, até porque, as pessoas não acreditavam que o perigoso bandido havia morrido. ‘Matada a cobra, era preciso mostrar o pau’… e não foi uma boa ideia. Menos de duas horas depois o corpo do baixote ossudo, fortinho e sereno, quase angelical, teve que ser retirado da delegacia no rabecão, sob forte aparato policial, revolta e descontrole da população que queria invadir a delegacia. Talvez para esquartejá-lo. Confesso que não sei onde ele passou as próximas horas esperando a população se acalmar. Somente à noite com a poeira assentada, seu corpo desceu à terra numa cova rasa no cemitério municipal.

O epílogo da história de Fernando da Gata em Pouso Alegre seria escrito quase três semanas depois devido a uma falha profissional. Esquecemos de colher suas impressões digitais. Romeu Norte Pereira, um baixinho invocado filho de fazendeiro do Triangulo Mineiro, fora meu colega no curso de detetive da Acadepol e como cursava medicina, exercia as funções de Auxiliar de Necropsia. Foi ele que desenterrou o gatuno naturalmente nauseabundo e fez a coleta das impressões papiloscópicas. E a coleta foi feita na garagem da delegacia regional… Mas apenas os dedos foram levados para lá numa baciinha, ‘delicadamente’ cortados com uma tesoura. O resto do corpo não saiu do tosco caixão.

No dia 20 de setembro de 1982, já sem alarde, sem clamor e sem glamour, sem saudade e sem os dedos, Fernando da Gata embarcou num carro funerário em Pouso Alegre e desceu no aeroporto de Guarulhos. De lá fez sua primeira e única viagem de avião – da morte – rumo ao aeroporto Pinto Martins em Fortaleza. ‘… foi-se o bandido… ficaram-se os dedos…’ numa lata de lixo qualquer. Seguiu pela madrugada de carro fúnebre para Russas, onde era esperado como herói, com centenas de pessoas dormindo na porta do cemitério para recebê-lo enquanto uma rádio local anunciava de hora em hora sua chegada.

Os fatos, mitos e boatos que se passaram antes de sua chegada e depois de sua partida de Pouso Alegre, continuarão por conta do imaginário popular. “O que se passou em terras manduanas, plagiando Chico Lorota”, são fatos “acontecido”. Eu estava lá. E tem mais…

Santa Rita do Sapucaí tem mais a ver com a história de Fernando da Gata do que se imagina. Meses depois da passagem do terror dos ricaços por aqui, uma pescadora – não seria o Portelinha? – que margeava o rio Sapucaí depois de um dia frustrado de pescaria, teve seu dia de gloria. Olhando por acaso para o alto, talvez para perguntar à Deus: “ Ó Pai, porque não me deixa pegar um dourado de 15 quilos?” Teve sua recompensa. Viu alguma coisa pendurada num galho de um ingazeiro, parecia uma meia. Cutucou com a vara de pescar e choveu pulseiras, brincos, anéis e correntes de ouro em sua cabeça. Talvez por medo de levar para casa, levou para a Delegacia e entregou ao delegado Jose Eustáquio Nicolau de Lima e os dois levaram o ‘pescado’ para o delegado Abel Lobo Cordeiro de Pouso Alegre. As joias roubadas por Fernando da Gata voltaram aos seus donos. Dizem as más línguas que teve vitima que recebeu até mais do que lhe fora roubado. O ‘pescador de ouro’ do Sapucaí, naturalmente recebeu uma gorda gorjeta.

Um ano depois de acabar com a raça do famigerado ladrão e estuprador que fez até os bandidos de Santa Rita tremerem e se esconderem debaixo da cama, Sargento Campos, hoje com 67 anos, sentou-se no banco dos réus, diante do homem da capa preta. Ele tinha a seu favor duas excludentes de criminalidade, “legitima defesa” e “estrito cumprimento do dever legal”, por isso, como manda o figurino, foi absolvido pela morte do facínora. Apesar de ter sido eleito vereador de Pouso Alegre por duas legislaturas, e ter desistido de continuar na política por questão de princípios, Sargento Campos disse que o fato de ter matado Fernando da Gata não mudou nada em sua vida. 

- “Eu era um profissional a serviço da sociedade”, concluiu.

E nós que conhecemos o cidadão, o policial e o político, que vive na mesma casa desde antes do fato, em Pouso Alegre, acreditamos. Porém, não conhecemos muitos profissionais que teriam a coragem de adentrar aquela restinga de várzea no crepúsculo daquele 03 de setembro, sozinho.

Você teria?

https://www.facebook.com/wilsonpt7mju/posts/645213595529393

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

LUIZ PEDRO FICOU DOIDO COM A MORTE DE NENÉM.

   Por Aderbal Nogueira https://www.youtube.com/watch?v=wVyLuS8rE8E Luiz Pedro e Zé Sereno vão a Alagadiço saber o que aconteceu com Zé baia...