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16 novembro 2022

HIGINO BELARMINO AS HISTÓRIAS DE UM INIMIGO DO CANGACEIRO LAMPIÃO

Por Rostand Medeiros

O Início – Primo Cangaceiro – A Luta Contra Os Bandos de Antônio Silvino e dos Sipaúbas – Em Fernando de Noronha – Combates Contra os Seguidores do Padre Cícero na Sedição de Juazeiro – Confrontos Contra os Chefes Cangaceiros Sinhô Pereira e Luís Padre.

Rostand Medeiros – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte

Higino José Belarmino foi um homem que veio ao mundo no dia 11 de novembro de 1895, no sertão alagoano, em meio a uma origem muito humilde, sendo filho do agricultor José de Moura Belarmino e da dona de casa Agda Maria da Conceição. Em um extenso depoimento realizado ao jornal recifense Diário da Noite de 1952, essa figura pouco comentou sobre sua família, mas disse que dos três filhos do humilde casal só ele “vingou”, ou seja, só ele sobreviveu as secas, a fome e as doenças que grassavam no interior nordestino o final do século XIX e nos primeiros anos do século XX, mostrando que desde cedo era um forte.

Frederico Pernambucano de Mello informou que Higino Belarmino era primo de um cangaceiro cognominado André Tripa, um homem que buscou a sobrevivência com um “Pau de fogo” nas mãos[1].

Sobre ele Frederico escreveu – Notório bandido de região fértil, a zona de transição mata-agreste de Pernambuco, nos anos relativamente calmos do início do século XX, terá sido também André Tripa, a quem Pereira da Costa distingue com o título de “célebre cangaceiro”, adiantando que se tratava do “terror” da zona sul do Estado. Na memória do nosso principal informante, Miguel Feitosa, fomos buscar a explicação para o vulgo curioso do bandido, em estanca dotada de admirável movimento, cuja autoria lamentavelmente ignorava:

Havia nas Alagoas

Uma tal Joana Fateira

Não tenho ciência certa

Se era casada ou solteira

Sei que tinha um bom menino

Que ajudava, por contínuo

A vender tripa na feira

Jornal comentando sobre a morte do cangaceiro André Tripa.

Essa “tal Joana Fateira”, segundo Miguel nos adiantou com toda segurança, além de mãe do Tripa, era tia do famoso comandante de volantes da polícia pernambucana Higino José Belarmino, o Nego Gino, que após duros combates na década dos 20 contra bandidos, principalmente Lampião, chegaria a patente mais alta da força, a demonstrar o quanto era vária e imprevisível a sorte de um menino do mato naquela época. Sim, porque a de seu primo valente muito cedo teria fim na vertigem da violência a que se entregou, sem ser socorrido nem mesmo pelas suas orações:

E certo que as orações

Não servem para ofender.

Mas fazem quem as traz consigo

Com elas se enfurecer,

Como André Tripa fazia,

Pois crendo que não morria

Matou gente até morrer”

Talvez temendo alguma perseguição pelo fato do parentesco com André Tripa, José de Moura Belarmino e Dona Agda deixaram o solo alagoano e passaram a residir na cidade pernambucana de Correntes, não muito distante de Garanhuns. Trabalhavam nas terras do Dr. Eutrópio Gonçalves de Albuquerque e Silva[2], juiz de direito aposentado e pessoa de muito prestígio na região.

Nessa convivência o juiz Eutrópio se afeiçoou do jovem Higino e passou, com a anuência de seus pais, a lhe ensinar elementos básicos da educação. Depois o patrão dos seus pais conseguiu para o garoto de quinze anos de idade um emprego na empresa Carlos de Britto & Cia., mais conhecida como Fábrica Peixe. Essa firma havia sido fundada por Maria da Conceição Cavalcanti de Britto e Carlos Frederico Xavier de Britto, no ano de 1898, na cidade pernambucana de Pesqueira. Começou como um pequeno negócio destinado a produção de doces de goiaba, mas em poucos anos se tornaria uma grande empresa e um marco da industrialização do Nordeste[3].

Logo Higino Belarmino deixa esse trabalho na Fábrica Peixe em 1911 e vem para o Recife com a intenção de ingressar como soldado raso na Força Pública de Pernambuco, atual Polícia Militar. Contou que tinha sido aberto o voluntariado, pois, como não era algo anormal das primeiras décadas do século XX, havia estourado uma nova revolta política no Brasil. Dessa vez o movimento ocorreu no Nordeste e foi comandada pelo general Emídio Dantas Barreto.

Busto do general Dantas Barreto – 
Fonte – http://bibianosilva.org/bibiano_pt/general-dantas-barreto

Esse militar havia decidido concorrer naquele ano contra Francisco de Assis Rosa e Silva, então governador de Pernambuco. Dantas Barreto perdeu a eleição, mas seus correligionários não aceitaram a derrota e o Recife testemunhou inúmeros acontecimentos violentos que deixaram a sua população apavorada. Tiroteios, brigas, fechamento do comércio, paralisação dos bondes e o povo sem ir às ruas. Até mesmo tropas federais do 49º Batalhão de Caçadores, junto com populares, realizaram ataques contra os quartéis da Polícia e o próprio Palácio do Governo. Finalmente, em 19 de dezembro de 1911, Dantas Barreto assumiu o cargo de Governador de Pernambuco[4].

Quanto a Higino Belarmino, apenas em 1º de março de 1912 quando a revolta já tinha sido encerrada, efetivamente se tornou um militar.

Realmente parece que Higino José Belarmino não havia nascido para ser operário de uma fábrica de doces, mas para viver com um “pau de fogo” nas mãos, tal como seu pretenso primo André Tripa. A diferença era que enquanto o Tripa apodrecia em uma cova, Higino utilizou sua farda e seu fuzil pelo resto de sua longa vida!

Trocando Tiros com Antônio Silvino e em Fernando de Noronha

Mal havia entrado na polícia Higino Belarmino já foi deslocado para a Zona da Mata Norte de Pernambuco, sob o comando do alferes Nicolau Pinto Teixeira,  com ordens de perseguir o cangaceiro Antônio Silvino e seu bando. A sua volante tinha sede na cidade pernambucana de Timbaúba e por lá o antigo operário de Pesqueira chegou em julho de 1912 e lá permaneceu um ano inteiro. Higino comentou que entre suas perseguições ao célebre cangaceiro, ele foi ferido por um balaço na coxa direita em um combate ocorrido nas imediações da cidade paraibana de Pedra de Fogo.

Vista atual de São Vicente Ferrer – 
Fonte – https://www.facebook.com/saovicenteferrerpe/

Ao cruzamos essa informação com os jornais pernambucanos e paraibanos de julho de 1912, não encontramos nenhuma referência sobre algum combate nessa cidade paraibana. Mas sabemos que no começo desse mesmo mês Antônio Silvino e seus cangaceiros estiveram próximos da vila pernambucana de São Vicente, atual cidade de São Vicente Ferrer, localizada a cerca de 60 quilômetros de distância de Pedra de Fogo. Nessa aproximação supostamente houve um tiroteio e depois os cangaceiros se homiziaram nas matas dos engenhos Patos e Condado, locais que estavam localizados na área do município pernambucano de Bom Jardim. Os jornais afirmaram que o cangaceiro Silvino conhecia bem aquelas brenhas, que utilizava aquela área como base para ataques aos lugares Macapá (atual Macaparana), Pirauá (hoje um distrito de Macaparana), São Vicente (atual São Vicente Ferrer) e Vicência[5].

Fernando de Noronha no início do século passado.

Após o ferimento Higino segue para o Recife para se reestabelecer e receber ordens. Não demorou e lhe foi informado que deveria seguir para o Arquipélago de Fernando de Noronha com um grupo de prisioneiros. Nessa época o mais belo e paradisíaco conjunto de ilhas oceânicas brasileiras possuía um dos mais temidos presídios do país. Era comum o tráfego de condenados, pessoal administrativo e guardas penitenciários entre Recife e a Vila dos Remédios, a capital de Fernando de Noronha. Para isso era utilizado o vapor de pesca “Alberto Maranhão”, pertencente à Companhia de Pesca do Norte do Brasil.

Esse barco havia sido construído na Inglaterra, sendo originário do porto de Grimsby, na região de North East Lincolnshire, leste da Inglaterra e batizado como Grover. Foi comparado em 1910 pelo empresário pernambucano, de origem holandesa, Julius von Shösten. Tinha 32 metros de comprimento, pesava 180 toneladas brutas, comportava uma tripulação de 12 homens, pescava com redes de arrasto que poderiam conseguir até 60 toneladas de peixes. Sabemos que Shösten tinha negócios no Rio Grande do Norte e isso talvez possa explicar a bajulação em batizar esse barco como “Alberto Maranhão”, então governador potiguar em 1910[6].

Mas aparentemente o negócio de pesca com o “Alberto Maranhão” não parece ter sido muito favorável para o empresário Shösten, pois no segundo semestre de 1912 essa nave basicamente fazia a ligação administrativa entre Recife e Fernando de Noronha e abastecia o faroleiro que atuava no Atol das Rocas.

Não temos indicação da data quando o soldado Higino Belarmino participou da viagem a bordo do vapor de pesca “Alberto Maranhão”, mas em 26 de agosto de 1912 essa nave retornou de Fernando de Noronha com nada menos que 42 detidos, que iriam concluir suas penas na Casa de Detenção de Recife[7].

Imagem antiga da Vila dos Remédios, em Fernando de Noronha.

Não sabemos como era realizado o transporte desses condenados em um barco originalmente destinado a pesca, nem como a escolta trabalhava, ou se os compartimentos de guardar pescados, que certamente deveriam existir em um barco de pesca, haviam sido adaptados como celas para trazer os prisioneiros. Deveria ser o tipo de viagem que deixaria com calafrios o pessoal que atualmente trabalha nas audiências de custódia pelo Brasil afora.

Versos e Balas Contra os Seguidores do “Padim Ciço”

Após conhecer o Oceano Atlântico e Fernando de Noronha, em 5 de dezembro de 1912 o soldado Higino recebeu ordens para se deslocar para a cidade de Exu, distante 600 quilômetros de Recife. Ele ficou por dois anos compondo a guarnição local[8]. Foi quando no Ceará estourou a Sedição do Juazeiro de 1914.

No contexto das lutas entre as oligarquias pela conquista do poder político na época da Primeira República (1889 a 1930), os poderosos coronéis da região do vale do Cariri, utilizaram a influência que o médico e deputado federal Floro Bartolomeu tinha sobre a figura do padre Cícero Romão Batista, o “Padim Ciço do Juazeiro”. Com isso eles insuflaram os sertanejos da região a pegarem em armas para derrubar do poder o governador do estado do Ceará, o coronel Marcos Franco Rabelo. O governo de Pernambuco então envia homens da sua polícia para evitar a invasão do território pelos sediciosos do Juazeiro[9].  

Padre Cícero Romão Batista

Higino conta no seu relato de 1952, mesmo sem detalhar, que ocorreu uma luta no lugar Cana Brava, no município de Exu, Pernambuco, entre a força policial e os homens armados de Juazeiro. Contou que durante essas lutas os combatentes trocavam muitos insultos, palavrões e declamavam versos para ridicularizar os oponentes. O militar recordou essa quadra, criada e declamada pelo “Povo do Juazeiro”:

Eu num arrespeito puliça,

Sordado nunca foi gente,

Espero morrê de véio,

Dando carreira em tenente[10].

Higino animava seus companheiros, mandava bala e também afrontava os oponentes. Tirava a longa baioneta do seu fuzil, colocava no cano e dizia ”fulano, olha aqui a tua vela. Olha que vais ser sangrado”. Na mesma hora vinha a resposta do outro lado – muita bala e outro verso:

Cûm carne seca e farinha,

Rapadura no borná,

Eu mi apronto na caatinga,

Mas mió que um generá.

Membros da Sedição de Juazeiro.

Uma roupa de azulão,

Um bom cobertor baêta,

Faz parte do cangaceiro,

Como o punhá e o cruzeta[11].

Segundo relatou o soldado Higino, ou Nego Gino, como ficou mais conhecido, recebeu por participar dessas ações de combate a patente de anspeçada e logo depois a de cabo. Mas houve outro prêmio – Segundo o relato de Higino, os homens do padre Cícero criaram uma quadra enaltecendo sua valentia…

Eu sei que quando morrer,

Nos inferno vou pará,

Me valha padim Ciço,

Se eu encontrar Gino pru lá.

Não sabemos maiores detalhes da entrada dos sertanejos seguidores do padre Cícero em território pernambucano e de suas lutas com a força policial daquele estado, mas sabemos que o grosso da “Gente do padre Cícero” marchou e combateu desde o Cariri até Fortaleza e foram vitoriosos. Franco Rabelo foi deposto em 15 de março de 1914, ficando no poder apenas três meses.

Contra os Sipaúbas

No ano seguinte, nos primeiros dias de outubro de 1915, Higino Belarmino estava servindo sob as ordens do então tenente José Caetano de Mello, um oficial brioso e valente. Nessa época esse militar atuava na cidade de Cabrobó e juntos com outros policiais passaram a perseguir um grupo de cangaceiros que se encontrava atuando nessa região[12]. Este era o bando dos Sipaúbas, ou Cipaúbas, cuja grafia muda conforme a fonte pesquisada.

Um jornal de época e o depoimento de Higino Belarmino comentaram que esses cangaceiros atuavam nas caatingas dos municípios pernambucanos de São José de Belmonte, Salgueiro e Cabrobó. Já a prisão ocorreu no lugar Jacaré, cerca de duas léguas (16 quilômetros) de Cabrobó, próximo ao sítio Barro Vermelho. Foram presos os irmãos Cassiano e José Sipaúba.

Segundo Jorge Mattar Villela, autor do interessante livro O povo em armas : violência  política no sertão de Pernambuco, esses bandoleiros formavam um “microgrupo de base familiar cujas façanhas, já em 1915, os retirava das pequenas intrigas e fazia seus nomes migrarem para as preocupações das autoridades policiais litorâneas”. Villela informa que José Sipaúba foi a julgamento em 1916 e foi inocentado por unanimidade. Nos anos vindouros esse cangaceiro vai lutar ao lado de Sinhô Pereira e de Lampião[13].

Ainda sobre os Sipaúbas não podemos deixar de comentar que em Guerreiros do Sol – Violência e banditismo no Nordeste do Brasil, Frederico Pernambucano de Mello informou que o grupo dos Sipaúba era composto por parentes e amigos, sendo naturais da famosa serra d’Umã, município de Floresta, Pernambuco. Essa era a terra dos índios da tribo Aticum-Umã, que se misturaram com um grupo de negros fugidos e ali aquilombados ainda no século XIX.

Notícia do ataque realizado em 25 de setembro de 1926, quando os Sipaúba mataram seis soldados de uma volante pernambucana que era chefiada pelo sargento José Alves de Barros, o Zé Saturnino.

Frederico conta que a serra d’Umã possuía uma “tradição de selvageria” e que muitos assaltos ocorriam nas estradas da região. Para esse autor o principal expoente desse bando foi Livino Sipaúba. Em 25 de setembro de 1926, os Sipaúba mataram seis soldados de uma volante pernambucana que era chefiada pelo sargento José Alves de Barros, o Zé Saturnino. Mas nos primeiros meses de 1927 o tenente Arlindo Rocha, também da polícia de Pernambuco, prendeu Livino Sipaúba e em seguida o fuzilou[14].

Não sabemos se os Sipaúbas capturados em Cabrobó pelo tenente José Caetano e seus policiais eram do mesmo grupo familiar dos Sipaúbas da serra d’Umã.

Combate da Quixaba, ou Queixada?

O relato de Higino José Belarmino então nos leva a 6 de novembro de 1919, na zona rural de São José de Belmonte, em um momento de seca tremenda. Nessa região o cabo Higino fazia parte de uma numerosa volante composta por mais de 70 militares e paisanos, comandados pelo agora capitão José Caetano de Mello e os tenentes Manuel da Costa Gomes e Augusto de Lira Guedes[15].

Antiga Rua do Comércio, em São José de Belmonte – 
Fonte – Arquivo de Valdir Nogueira, Belmonte-PE, 
através do pesquisador Artur Carvalho.

Os policiais receberam a informação que um grupo com cerca de 45 cangaceiros, comandados pelos chefes Sinhô Pereira e Luís Padre, estavam arranchados em uma propriedade que eles denominaram como Quixaba, a cerca de 8 léguas (48 quilômetros) de São José de Belmonte, tendo esses bandoleiros passado no dia anterior pelo lugar Olho D’Água[16]. Essa propriedade Quixaba pertenceria então a Antônio Pereira de Araújo, conhecido como Antônio Maroto, primo de Sinhô Pereira e Luís Padre.

Ao realizar essa pesquisa, nada descobri com o cruzamento de informações sobre a existência de alguma propriedade denominada Quixaba, localizada na zona rural de São José de Belmonte e que pertencia a Antônio Maroto. Diante da dúvida realizei um telefonema para meu amigo Valdir José Nogueira, a quem considero um dos maiores e mais abnegados pesquisadores nas questões sobre as lutas das famílias Pereira e Carvalho, sobre o cangaço na região do Pajeú pernambucano e sobre a história de São José de Belmonte, sua querida cidade.

Para Valdir o fato de não encontrar uma fazenda denominada Quixaba, que tenha pertencido a Antônio Maroto, reside em uma situação bem simples – Nunca existiu em São José de Belmonte uma propriedade com esse nome e que tenha pertencido a essa pessoa. Para esse pesquisador o fazendeiro Antônio Maroto tinha sim uma grande propriedade, mas essa era a Queimada Grande, com uma parte de suas terras pertencendo a São José de Belmonte e outra na área territorial do vizinho município de Jardim, já no Ceará[17].

Matriz de de São João, Mirandiba, Pernambuco – 
Foto – Kelvis Filipe.

Em relação ao combate de 1919, Valdir afiança que ele se desenrolou não muito distante de um pequeno arruado em desenvolvimento, denominado Queixada, e não Quixaba, atualmente a sede do município autônomo de Mirandiba[18]. Para o pesquisador belmontense, seja por erro de interpretação, ou de grafia, nos telegramas emitidos para o quartel da polícia em Recife, posteriormente divulgados para a imprensa local, sempre aparece o nome Quixaba.

Valdir Nogueira afiança também que o combate de 6 de novembro de 1919 se deu na área da serra da Forquilha, uma elevação com cerca de 600 metros de altitude, próximo da serra Comprida e ao norte do riacho Terra Nova. Essa região fica cerca de 16 quilômetros da antiga comunidade da Queixada, atual Mirandiba.

E realmente tudo parece ter bastante fundamento, pois segundo Valdir Nogueira a distância da região de São José de Belmonte para a Queixada equivale a 8 léguas (48 quilômetros). Próximo da área da serra da Forquilha existe até hoje uma propriedade denominada Olho D’Água. Valdir me recordou também que o local desse combate fica próximo das antigas comunidades de Bom Nome, Santa Maria (atual Tupanaci) e São Francisco (pequena vila que foi coberta pelas águas do açude da Serrinha, cuja população mudou para uma comunidade denominada Pajeú). Esses locais eram pontos de forte apoio e concentração de membros da família Pereira, onde Sinhô Pereira e Luís Padre contavam com bastante proteção.

Antiga ermida de São Francisco.

Ainda em relação ao combate da serra da Forquilha, Valdir Nogueira apontou que no Folheto XVII, intitulado A Primeira Caçada Aventurosa, do Romance D’ A Pedra do Reino e o Príncipe do sangue do vai-e-volta, 2ª Ed. 1972, p. 83, o escritor Ariano Suassuna, rememorou esse acontecimento:

“Saímos, tomando o lado do qual se avista, do terraço (do casarão da fazenda Carnaúba), a célebre “Serra da Forquilha”, aquela na qual um dos Pereiras mais valentes do nosso tempo, Sinhô, Chefe venerado de Virgolino Ferreira Lampião, tinha obtido vitória num sangrento combate contra a Polícia e os Carvalhos”.

Visual da caatinga na zona rural de São José de Belmonte – 
Foto – Rostand Medeiros.

Voltando para o combate de 6 de novembro de 1919.

O numeroso grupo de 45 bandoleiros estava na área da Quixaba, ou Queixada, porque esse local, segundo os estudiosos do tema Cangaço, pouco tempo antes tinha sido atacado por Cindário e outros inimigos da família Pereira. Sinhô Pereira então acreditava que nem a polícia e nem seus inimigos retornariam ao lugar naquele momento. Mesmo assim ele e Luís Padre dividiram seus homens pelos serrotes existentes, em um riacho próximo e em uma casa que havia sido anteriormente queimada, mas que possuía boas condições de proteger parte de seu grupo.

Em seu depoimento de 1952, Higino Belarmino afirma de maneira categórica que entre os cangaceiros que estavam ao lado de Sinhô Pereira nesse combate temos o vilabelense Virgulino Ferreira da Silva e dois de seus irmãos, que cada vez mais aprendiam sobre as táticas de combates na caatinga.

Enquanto os cangaceiros descansavam, a volante com mais de 70 militares e paisanos avançavam atrás deles!

Naquele dia Cindário e seu grupo de homens armados estavam entre os paisanos que acompanhavam os policiais. O nome real de Cindário era Jacinto Alves de Carvalho, sendo também conhecido como Cindário Carvalho, ou ainda Cindário das Piranhas. Esse homem é tido por Frederico Pernambucano de Mello como um “Cangaceiro vingador”, que havia se tornado o braço armado da família Alves de Carvalho em sua sangrenta luta contra a família Pereira[19].

Higino Belarmino narra então que a volante chegou na área onde se concentravam os cangaceiros ainda com dia claro, tendo ele seguido junto com o capitão José Caetano. O grupo se aproximou da casa semidestruída, onde os soldados desconfiavam que estivessem os bandoleiros. Quando estavam a dez metros do local os cangaceiros abriram fogo cerrado e oito militares tombaram ao solo, ficando sete feridos e um morto. Esse último foi o cabo José de Souza Oliveira, que segundo Higino recebeu um tiro na carótida e morreu nos seus braços.

Higino Belarmino

O tiroteio continuou forte, com os policiais em campo aberto e os cangaceiros, em número superior a vinte, atirando do interior da casa e gritando que os militares eram “filhos da besta torta”. Os soldados feridos gemiam e pediam ao capitão José Caetano que não os deixassem serem mortos a punhaladas pelos cangaceiros. Higino narra que aqueles pedidos desesperados tornaram seus companheiros mais aguerridos. Nesse momento o capitão chamou Higino e lhe disse que eles deviam tomar aquela casa “de qualquer maneira”. Mesmo com a munição escasseando, o cabo comandou um grupo de dez policiais em um ataque direto contra a casa. Entraram lutando pelos fundos da vivenda e se misturando aos cangaceiros, que fugiram pelas janelas, aos gritos[20].

Por volta das seis da tarde chegou na área do combate o capitão Theophanes Ferraz Torres, com um reforço de homens e munições. Esse militar informou ao comando da força policial em Recife que o combate durou duas horas e, além da morte do cabo José de Souza Oliveira, ficaram feridos os soldados Izidoro Leite da Silva, João Mathias Santos, José Soares da Costa, Henrique Ludgero Santos, Firmino Jeronymo Silva, Antônio Francisco Xavier e o cabo Antônio Marques Silva. O capitão Theophanes informou que o cabo Marques levou um tiro no crâneo, mas estava vivo quando o encontrou[21].

Na página 29 do livro de Nertan Macedo Sinhô Pereira – O Comandante de Lampião, publicado em 1975 (Ed. Artenova, São Cristóvão-RJ), o autor trás o depoimento de Sinhô Pereira sobre esse combate.

O antigo combatente das caatingas afirmou que o combate se deu realmente na propriedade Quixaba, que a mesma pertencia a seu primo Antônio Maroto e que o bando teria “23 ou 24 homens” e não 45 como Belarmino afirmou em 1952. Sinhô confirmou que a casa do lugar havia sido anteriormente depredada por Cindário e seu grupo e nela se encontrava seu primo Luís Padre com cinco ou seis homens. Já Sinhô estava em um riacho próximo com outros dezessete cangaceiros, deitados no chão, descansando. A polícia e Cindário chegaram e cercaram a casa, pensando que todos os cangaceiros estavam lá e para Sinhô Pereira a volante teria “20 e tantos homens”. Já o tiroteio teria durado três horas, em meio a um sol bastante quente. Ficaram feridos cinco cangaceiros: Zé Preto, Moreno, Teotônio, Chiquito e Zé Piutá. Além desses outro ferido foi Luís Padre, atingido de raspão na pestana, ferimento esse que sangrou bastante. Sinhô confirmou que um soldado ficou morto no terreiro e um dos policiais feridos ficou “todo aleijado”. Em nenhuma linha do seu depoimento a Nertan Macedo o ex-chefe cangaceiro afirmou que Virgulino Ferreira da Silva e seus irmãos estiveram presentes nesse combate.

Parte da entrevista concedida por Higino em 1952.

Em seu extenso depoimento realizado ao jornal recifense Diário da Noite de 1952, Higino Belarmino afirmou que após o termino do tiroteio o capitão José Caetano solicitou ao capitão Theophanes Ferraz a promoção do cabo Higino pela sua bravura e seu comportamento naquele combate. Mas o capitão Theophanes negou, visto não ter o inferior “morto o chefe dos bandidos Sebastião Pereira[22].

CONTINUA…………………………………………………………………………………………………………………………………………

NOTAS DESTE TEXTO..…………………………………………………………………………………………………………………………


[1] Ainda sobre André Tripa, Frederico Pernambucano de Mello nos conta o seguinte – Foi Morto com uma manulixa de um Tenório, da localidade Gentio, e também Miguel quem nos revela como isto se deu, a partir, como sempre, de uma denúncia:

Levaram fresca a noticia,

Na Pedra, ao capitão Basto,

Este tirou dez soldados,

Ver se o Tripa tinha gasto.

Seguiram para Santo Antonho,

Onde tem cabra medonho,

Bom de espingarda e de rasto.

Famoso e legendário ainda em vida, como costumava acontecer com os bandoleiros que mais se destacavam, Tripa mereceria, por morte, citação no relatório anual do chefe de polícia de Pernambuco, Manuel dos Santos Moreira, dirigido ao governador Sigismundo Antônio Goncalves, com data de 31 de janeiro de 1905:Nos limites da Pedra com o município de Garanhuns, deu-se o encontro da força com o grupo chefiado pelo célebre bandido André Tripa, resultando a morte deste e de uma praça.

Ver – Mello, F. P. Guerreiros do Sol – Violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 5ª ed. São Paulo-SP, 2013, páginas 355 a 357.

[2] Eutrópio Gonçalves de Albuquerque e Silva foi juiz em várias cidades do interior pernambucano, como Flores e Cimbres, tendo sido aposentado por problemas de saúde em 1905, conforme se descreve na primeira página, da edição de 7 de julho de 1905, do Diário de Pernambuco. O Dr. Eutrópio passou a receber uma pensão anual de três contos, oitocentos e sessenta mil e quinhentos e dezoito réis (3:860$518).

[3] Sobre a história da Fábrica Peixe ver – https://docplayer.com.br/35458755-Tomaticultura-industrial-no-cerrado-25-e-uma-visao-futura.html

[4] Sobre a Revolução de 1911 em Pernambuco e a vida de Dantas Barreto, ver http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=249&Itemid=1

[5] Ver Jornal do Recife, Recife-PE, edições de 20 de julho de 1912, pág. 2, e 24 de julho de 1912, pág. 2.

[6] Ver jornal A República, Natal-RN, edição de 19 de julho de 1910, pág. 1.

[7] Ver Jornal Pequeno, Recife-PE, edição de 26 de agosto de 1912, sem indicação de página.

[8] Ver Diário da Noite, Recife-PE, edição de 19 de abril de 1952, pág. 1.

[9] Ver Diário de Pernambuco, edição de 18 de fevereiro de 1914, pág. 1

[10] A declamação de versos em meio aos tiroteios na caatinga nordestina era algo comum e prática antiga, destinada a animar os combatentes no meio da refrega, ou “fogo”. Frederico Pernambucano de Mello nos conta – Rio Preto, no quartel final do século XIX, foi cangaceiro e cantador apreciado na fronteira da Paraíba com Pernambuco, dele não se sabendo se mais temido por conta dos desafios ou das brigadas em que se envolveu. Findo o combate, armas ainda em brasa, do bando de Sinhô Pereira – de atuação na mesma área mas já no século XX – alteava-se uma voz que fazia a perfeita crônica em versos de todo o combate. Ver – Mello, F. P. Guerreiros do Sol – Violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 5ª ed. São Paulo-SP, 2013, página 24.

[11] O termo cruzeta aqui empregado, se refere a uma denominação utilizada no Nordeste do Brasil, para determinados modelos do rifle de fabricação norte-americana da marcar Winchester.

[12] José Caetano de Mello nasceu em 18 de julho de 1872 no distrito de Papagaio, na cidade pernambucana de Pesqueira, sentou praça na então Força Pública de Pernambuco em 1893 nas patentes mais baixas e durante as três décadas em que esteve na corporação ascendeu as patentes mais elevadas pela sua capacidade na luta contra o cangaço. Esteve em atuação em mais de vinte cidades pernambucanas e travou lutas com célebres cangaceiros como Antônio Silvino, Sinhô Pereira e Lampião. Aparentemente foi aposentado em 1926 por um problema na mão esquerda, em decorrência de um tiro recebido. Escolheu viver na cidade de Angelim, no agreste pernambucano, a 25 quilômetros de Garanhuns, onde constitui família e findou seus dias em 5 de novembro de 1964. Apesar dos seus feitos como policial é um homem praticamente esquecido pelos que estudam o tema do Cangaço no Nordeste do Brasil. Exceção do pesquisador e escritor pernambucano Júnior Almeida, que em junho de 2018 participou, juntamente com a Polícia Militar do Estado de Pernambuco e da Prefeitura Municipal de Angelin, de uma tocante cerimônia em memória desse valente militar.

Ver – https://www.portalagresteviolento.com.br/2018/06/11/oficial-das-volantes-sera-homenageado-em-angelim/ 

–   https://www.portalagresteviolento.com.br/2018/06/14/oficial-das-forcas-volantes-foi-homenageado-em-angelim/ 

–   http://senhorcariri.blogspot.com/2018/06/homenagem-in-memoriam-ao-capitao-das.html

[13] Ver Vilella, J. M. O Povo em Armas : violência  política no sertão de Pernambuco. 1ª ed. Rio de Janeiro-RJ, 2004, páginas 178 e 178. O trabalho de Vilella é muito interessante, onde durante suas pesquisas entrevistou participantes diretos ou indiretos de movimentos armados ocorridos no sertão pernambucano e pesquisou em vários processos judiciais arquivados nos fóruns das cidades interioranas.

[14] Ver – Mello, F. P. Guerreiros do Sol – Violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 5ª ed. São Paulo-SP, 2013, página 234.

[15] Ver Diário da Noite, Recife-PE, edição de 22 de abril de 1952, sem indicação de página.

[16] Sobre as informações referentes a distância e quantidade de cangaceiro ver jornal A Província, Recife-PE, edição de 13 de novembro de 1919, pág. 1.

[17] Para Valdir José Nogueira, com as divisões territoriais que afetaram inúmeros municípios nordestinos ao longo das últimas décadas, as terras da fazenda Queimada Grande que se encontram no Ceará atualmente pertencem ao município de Penaforte, criado em 31 de outubro de 1958.

[18] Segundo informações existentes a primeira casa da atual sede do município de Mirandiba foi construída em 1915, por um proprietário rural chamado Elizeu Campos e queixada é a denominação de um tipo de porco selvagem existente no Nordeste do Brasil, cujo nome cientifico é Tayassu pecari. Depois a localidade foi crescendo e teve sua denominação alterada para São João de Campos (1915) e na sequência para Mirandiba (1938), que é uma denominação indígena para porco selvagem ou porco queixada. Ver https://pt.wikipedia.org/wiki/Mirandiba

[19] Cindário, segundo Frederico Pernambucano de Mello, perdeu nas lutas sangrentas seus irmãos José e Antônio e fizeram parte do seu grupo os sertanejos José Cipriano, Vicente Moreira, João Porfírio, João Juvino, Barra de Aço, Eliziário e os irmãos Pedro. Ver – Mello, F. P. Guerreiros do Sol – Violência e banditismo no Nordeste do Brasil. 5ª ed. São Paulo-SP, 2013, página 227.

[20] Ver – Gueiros, O. Lampeão – Memorias de um Oficial Ex-comandante de Forças Volante. 4ª ed. Livraria Progresso Editora, Salvador-BA, 1957, páginas 119 a 120.

[21] Torres Filho, G. F. de S. Pernambuco no tempo do cangaço (Antônio Silvino Sinhô Pereira, Virgulino Ferreira “Lampião”) : um bravo militar : a vida e a época do tenente-coronel Theophanes Ferraz Torres : 1894-1925. 1ª ed. CEHM, Recife-PE, 2002, páginas 222 a 224.

[22] Ver Diário da Noite, Recife-PE, edição de 22 de abril de 1952, sem indicação de página.

 

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15 novembro 2022

O CANGACEIRO CHICO PEREIRA

 Por José Mendes Pereira

Colorida pelo professor e pesquisador do cangaço Rubens Antonio

Diz o pesquisador e colecionador do cangaço Ivanildo  Alves Silveira   que o coronel João Pereira, pai do cangaceiro Chico Pereira, morava em Nazarezinho, no Estado da Paraíba. Casara-se com dona Maria Egilda e era proprietário de um sítio que ele mesmo o nomeou de fazenda Jacu. E além deste, era dono de um barracão, onde vendia produtos alimentícios à vizinhança.
              
Do casal nasceram sete filhos, três mulheres e quatro homens, sendo os homens: Aproniano, Abdon, Abidias (faleceu em 2004 com 1003 anos). e o Francisco Pereira Dantas, o Chico Pereira. Como o coronel tinha mania de permanecer em seu comércio, mesmo depois do dia, nessa noite, o patenteado João Pereira ainda se encontrava de portas abertas, mas prestes a fechá-las. E sem menos esperar, recebeu a visita de três homens armados. Ao atendê-los, como sendo autoridade do lugar, sem usar autoritarismo, amigavelmente chamou a atenção deles, explicando-lhes que o uso de armas estava sendo proibido por uma lei municipal, aprovada em assembléia, que não permitia mais as pessoas perambularem armadas pelas ruas do lugar. Como o município havia criado essa lei, ele achava que os homens deveriam obedecê-la.
            
E sem imaginar que o seu conselho lhe custaria a vida, causou uma discussão acirrada, seguida de tiroteio dentro do seu barracão. No momento, a bagunça foi desastrosa, onde facadas, pancadarias e gritaria aconteceram no local, deixando alguns mortos e outros feridos. Inclusive o coronel João Pereira, que tendo sido atingido por balas, foi conduzido às pressas para ser socorrido em sua residência, na fazenda Jacu, numa distância de mais ou menos cinco quilômetros. Como o socorro demorou, devido à distância entre o lugar onde ocorreu o crime e a sua residência, em consequência dos graves ferimentos, veio a falecer diante de sua família. Mas antes do último suspiro, ele fez um pedido aos filhos: que não fizessem vingança. Entregassem o caso às mãos de Deus. Estas foram as suas últimas palavras.                    
            
E já que ele estava caminhando para a eternidade, e não teria mais volta ao mundo, todos os seus filhos perdoassem o erro do seu agressor. Com certeza, o medo e a intenção do patriarca, era que os seus filhos não sofressem nas mãos da polícia, se caso tentar a sua morte.                     
            
Após o enterro, como o coronel tinha boas amizades, a população revoltou-se contra o assassino do patenteado, e passou a exigir justiçaurgente.              

A polícia tomara conhecimento do assassinato, mas não se interessou de trancafiar o criminoso, chamado Zé Dias. Sentindo-se pressionado pela população, pedindo-lhe justiça, Chico Pereira que nessa época, ainda não era cangaceiro, sendo ele o filho mais velho do coronel, de vinte e dois anos de idade, deu início à procura de Zé Dias.            
            
O criminoso temendo ser justiçado pela morte que fizera, procurou se ocultar nas serras. Mas depois de muita procura, dentro dos cerrados, finalmente Chico Pereira o encontrou. Prendeu-o e o levou à presença da polícia. Com essa façanha, ele foi considerado pelo povo do município como herói, que era o desejo de todos verem Zé Dias entre as grades, para pagar o que fizera com o coronel João Pereira. Mas para a tristeza da população, e o desgosto de Chico Pereira, por ter levado o criminoso à presença das autoridades para puni-lo, e não sendo justiçado, dias depois, o assassino já se encontrava em total liberdade, passeando livremente pelas ruas de Nazarezinho.                                 
            
A população que não se conformara com a atitude da justiça, colocando o criminoso em liberdade, iniciou um protesto, uma espécie de cobrança, e passou a exigir que o próprio Chico Pereira, como sendo ele o filho mais velho do coronel, com urgência, fizesse a vingança, assassinando àquele que havia exterminado a vida do seu pai.                  
            
Este, sentindo-se exigido pela população, e sem outra opção, se viu obrigado a não cumprir o pedido do pai. E partiu para fazer o contrário de João Pereira, a vingança, como era costume na época, honra familiar do sertão.                                 
            
Passado alguns dias, o criminoso Zé Dias foi encontrado morto nas terras paraibanas. Infelizmente, Maria Egilda ouviu do seu próprio filho, uma frase que mãe nenhuma deseja ouvir: "Mamãe, fizeram-me criminoso”.        
            
Ivanildo diz em seu texto que: Chico Pereira após ter feito a vingança, temendo ser preso, com agilidade, fugiu para as caatingas do nordeste, passando a viver embrenhado às matas da região.                                                            
            
Como não queria pagar pela sua vingança, que para ele era além de justa, foi astucioso: pensou e  criou um bando de cangaceiros, e o pôs em prática, para se tornar fortalecido diante daquelas perigosas feras, o que na época, era um dos movimentos que os jovens muito se interessavam, praticando assaltos, mortes por onde passavam.                           

Chico Pereira, antes, talvez, não sei, não tivesse vontade de se tornar assassino. Mas depois que mataram o seu pai, no ano de 1922 (período em que Lampião recebeu das mãos do Sinhô Pereira o seu afamado bando), deu início a sua vida de bandoleiro, que segurou por seis anos, que dominava os sertões e fugia da polícia. No dia 27 de Julho de 1924, juntou-se a Lampião para atacar a cidade de Sousa, dando continuidade até o ano de 1928, quando foi assassinado.
            
Chico Pereira não usava chapéu quebrado na testa, nem gibão,... Seu jeito de ser, diz Ivanildo Silveira, é provável que tenha se expirado em Tom Mix, em revistas norte-americanas que vez por outra chegavam às caatingas.  
            
Segundo José Romero Cardoso, o Jornal do Recife de 22 de novembro de 1927, citado por Frederico Pernambucano de Mello, disse que Chico Pereira não usava cabacinha d'água, chapéu de couro, preferindo um traje assim a herói do Far West, usando chapéu de massa, de abas largas, lenço vermelho ao pescoço, pesadas cartucheiras, calças colote e clássico punhal nortista traspassado à cinta. E que muito exigiu que seu código de honra fosse respeitado e conservado. Quando qualquer indivíduo tentava desrespeitar, com certeza, estava assinando uma sentença de morte.
            
Mas Chico Pereira tinha algo para cumprir. Apesar de já estar com mais de vinte anos de idade, mesmo diante de tantas decepções na vida e perseguições por parte das volantes, por ele ter matado o assassino do seu pai, estava uma moça chamada Jardelina de Nóbrega, com apenas doze anos de idade. E aos quatorze anos, já muito apaixonada, jardelina de Nóbrega noivara-se com o bandido. 

Como Chico Pereira não podia estar presente à recepção matrimonial, devido às perseguições da polícia, que não lhe davam trégua, o seu casamento foi realizado na igreja católica, através de procuração, autorizada em cartório local. 

Apesar de ser  cangaceiro, vivendo exclusivamente dentro das caatingas nordestinas, livrando-se da polícia, Chico Pereira ainda deu de presente à Jardelina de Nóbrega, três filhos, os quais não chegaram a conhecê-lo, pois Jarda, como era carinhosamente chamada pela população, viuvara no dia 28 de outubro de 1928, com apenas dezessete anos de idade, quando o seu esposo foi barbaramente assassinado, no Rio Grande do Norte pelos próprios policiais que os recambiaram para o Fórum de Currais Novos.            
            
Chico Pereira iria ser julgado em Acari, e um dia antes de sua morte, a escolta já estava pronta para recambiá-lo até Currais Novos. E mais ou menos no início dos primeiros minutos do dia 28, as autoridades partiram da capital, levando o criminoso para ser julgado naquela comarca.   
            
Café Filho que na época era o seu advogado (este, posteriormente chegou a ser vice-presidente da república, e com a morte de Getúlio Vargas, assumiu a presidência do Brasil), percebera que o seu cliente poderia ser morto, por suspeitar que o tenente Moura, chefe da escolta que transportava o preso, poderia arquitetar algo contra ele, resolveu acompanhá-lo em seu carro próprio. Mas um dos seus amigos o aconselhou que desistisse, pois onde eles matassem Chico Pereira, ele também seria morto como queima de arquivo. Temendo o que lhe dissera o amigo, Café Filho desistiu da viagem, só viajando no dia seguinte.  Assim que o dia surgiu, Café Filho preparou os seus documentos, isto é, material que seria usado na hora do julgamento, e quando já estava pronto para partir até o Fórum de Currais Novos, foi informado através de um telegrama, que o seu cliente havia falecido num desastre automobilístico, no mesmo carro que o levava para o fórum municipal, lá de Currais Novos.                                                                                 
O começo da injusta morte do cangaceiro Chico Pereira, deu-se quando entre o ano de 1926 (ou possivelmente no ano de 1927), uma fazenda de nome “Rajada”, localizada nas adjacências de Currais Novos, patrimônio que pertencia a um dos mais renomados coronéis da região, um senhor chamado Joaquim Paulino de Medeiros, conhecido nas redondezas por “Quincó da Ramada”, esta tendo sido invadida e assaltada por um grupo de vândalos. Como a polícia há meses que andava nos rastros de Chico Pereira, não tinha dúvida que o assalto tinha sido praticado por ele.  
Mas o não feito pelo cangaceiro, foi confirmado pela esposa do próprio coronel assaltado, afirmando aos homens da lei, que aquele homem que se achava preso (o Chico Pereira), nunca estivera em sua fazenda. Ainda lhes disse que o mais justo, seria libertar o rapaz do castigo.                                                                                                 
               
Mas   os justiceiros não aceitaram a sua confirmação, reafirmando que a invasão tinha sido feita mesmo pelo cangaceiro. Como não aceitaram as palavras da esposa do coronel, foi o suficiente para deixarem-no entre as grades.           
            
O cangaceiro em depoimento às autoridades, dissera que as acusações contra a sua pessoa eram falsas, pois em toda sua vida, inclusive a de bandoleiro, jamais tivera colocado os seus pés naquele município.  E também não conhecia as terras de Currais Novos, e não tinha amizades com pessoas daquele lugar. Mas infelizmente, o Chico Pereira foi deixar a sua amada e gostosa vida naquelas terras que o condenara como invasor da Fazenda Rajada. 
             
Quando a notícia chegou ao conhecimento do advogado Café Filho, e posteriormente aos ouvidos da população, não acreditaram, e imaginaram logo que a morte do cangaceiro Chico Pereira havia sido premeditada.
            
A noite do dia 27 de outubro de 1928, já havia ido embora. E o sol mandava os seus primeiros raios para iluminarem a terra. O vivente que logo perderia a sua amada vida, não desconfiava que poderia ser alvo de uma traição. Ao chegar ao local, cuidadosamente observou o abismo, que lá seria a sua última instância na terra. A sua morte antecipada estava para acontecer naquele momento. Ninguém o evitaria conhecer o outro lado da vida. Nem o próprio Deus, que lá de cima, assistia tudo, mas não se manifestou em seu favor

Finalmente chegou o momento do seu sofrimento.  Nunca tinha pensado em passar por coisa tão horrorosa assim. Por uma estrada cheia de altos e baixos, que em nenhum momento ela mostrou-se adversária aos homens do carrasco. Além da estrada de barro, tinha a outra, que não tem regresso. Chico Pereira a ganhou de presente.                                        

Infelizmente viajou para o outro mundo, aos 28 anos de idade, deixando para trás, mãe, irmãos, esposa, filhos, parentes e aderentes, e uma história marcadas de angústia, dores e vontade de viver ao lado dos que muito o amavam.                                        

O cangaceiro jamais fora atingido por bala, faca, nem mesmo no momento em que estava pronto para morrer, porque o crime foi premeditado em virada de carro.  Este foi morto a pancadas de coices de carabina, dadas com o infeliz algemado, sem nenhuma maneira de se defender.                                   

Depois ainda, por brutalidade e vingança, viraram o carro por cima. O rosto ficou esmagado, que mesmo os próprios justiceiros, não o reconheceram após a chacina, pois havia ficado totalmente irreconhecível. A cabeça e a parte tórax ficaram estraçalhadas.                         

O cineasta Volney Liberato, diz que o motorista de nome Genésio Cabral de Lima, tenente coronel da reserva, da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, vazou pela primeira vez, o segredo que há anos escondia deste horroroso crime.                                                     

Disse o depoente ao escritor, que em 1928 ele era sargento da Polícia Militar, e ainda gozava da juventude, quando foi designado para seguir até a cidade de Acari, conduzindo o Chico Pereira. Ele viu o criminoso pela primeira vez, no momento da chacina. Não tinha lembrança da fisionomia do facínora, mas disse que o criminoso era de estatura mediana. Da escolta, além da sua pessoa, participaram os seguintes policiais: o tenente Joaquim de Moura, responsável pela escolta. O sargento Luís Auspício e ainda Feliciano Tertulino, mas os subordinados policiais.
        
Enquanto caminhavam, Joaquim de Moura perguntou-lhe se conhecia bem a estrada que percorria. O patenteado, isto é, o motorista, respondeu-lhe que sim. Em seguida, pediu que ao chegar a um aterro bem alto, parasse o carro, no que foi atendido. Ao chegarem a um lugar chamado “Ligação”, aproximadamente três léguas separando da cidade de Currais Novos, o motorista obedecendo à solicitação do tenente, parou o carro bem próximo de um aterro. E lá, todos foram ordenados para descerem do automóvel.                                   

Assim que saíram do carro, o tenente Joaquim de Moura fez algumas perguntas ao bandido, relacionadas com as suas aventuras vividas no cangaço. O depoente disse que Chico Pereira foi respondendo uma por uma, ao que lhe deu a entender que o rapaz se orgulhava das suas bravuras, e era um criminoso de sangue frio, e despreocupado com o bem estar de qualquer ser humano, ou mesmo dele. Após as suas respostas, orgulhosamente, e não imaginando de outra atitude, por parte dos patenteados, foi o bastante para começarem a execução do que estava preparado.  

A primeira pancada aplicada na vítima, o depoente não se lembrou quem na verdade principiou. Mas disse ao cineasta que não tinha certeza quem havia dado início à chacina.  Mas mesmo assim, optou que teria sido Feliciano Tertuliano, ou o sargento Luiz Auspício, deixando o preso desnorteado e cambaleando no meio do nada. 

O criminoso só morreu quando o carro foi virado por cima do seu cadáver. E não havia mais dúvida. Finalmente o Chico Pereira deixou de brilhar nos sertões nordestinos. Não querendo ser o único responsável pela chacina, o tenente Joaquim de Moura pediu que cada um aplicasse-lhe uma pancada de coice de carabina, para que o crime ficasse distribuído em igualdade. Assim que fizeram essa tamanha maldade contra o cangaceiro, para completar mais ainda a brutalidade, Chico Pereira foi jogado dentro do carro, e em seguida, determinaram que virasse o automóvel no abismo. O motorista informou ao cineasta que foi a sua maior tarefa, isto é, no abismo, tangeu o carro com o criminoso dentro. 

Concluída a primeira maldade contra o cangaceiro, o tenente Joaquim de Moura disse que ninguém iria ficar sã, pois todos os participantes da chacina teriam que ferirem a si mesmos, propositalmente, para justificar o desastre e impressionarem as autoridades.  

Esse maldoso trabalho foi feito com as próprias mãos dos agentes. Cada um deles aplicou golpes terríveis ao seu corpo, pancada na cabeça com pedras de gumes afiadíssimas e fazendo escoriações pelo corpo.

Agora, sim, parece que deu certa a trama dos agentes. Todos sangravam muito, já que haviam feito cortes nos seus corpos. Terminada a trama da virada do carro sobre o corpo de Chico Pereira, os patenteados se apressaram em comunicar o desastre para Currais Novos. E com um tempo depois, chegou o socorro para conduzir todas as vítimas do desastre para a cidade. Inclusive o corpo do bandido. 

Em Currais Novos, instauraram o inquérito para apurarem a causa da virada do carro sobre o bandoleiro. Mas os demais culpados foram absorvidos. 

O corpo de Chico Pereira foi levado para a Cadeia, na Rua do Rosário (diz Volney Liberato que hoje é Vivaldo Pereira), onde permaneceu exposto para o público ver pela primeira e última vez o delinquente cangaceiro, permanecendo até a hora do seu sepultamento que ocorreu lá pelas nove horas da noite, no Cemitério Público de Santana. E diz ainda o cineasta que: o facínora foi enterrado em cova, que nos dias de hoje, não se tem idéia onde os seus restos mortais se encontram. Mas a verdade é que quando se deve a Deus, não ficará impune, principalmente quando se sabe que é devedor.  

O justiceiro de Chico Pereira, o tenente Joaquim de Moura, que se sentindo o dono da verdade, lá nas terras de Currais Novos, por ironia do destino, já nos anos 40, foi participar de uma festa numa fazenda avizinhada à cidade. Lá, havia deixado um amor proibido, sendo a amante, casada, de uma família considerada notável. Como o patenteado, havia se apaixonado pela mulher, foi reativar o seu amor, que mesmo não sendo a sua esposa, enciumado, ameaçou de morte o marido da amante, caso ela não o quisesse. Nesse dia, ao entardecer, Joaquim de Moura sentiu-se mal, a causa, ataque cardíaco, que sem demora, faleceu. 

Chico Pereira e o tenente Joaquim de Moura tiveram os mesmos caminhos da eternidade, e talvez os mesmos destinos, em terras currais-novenses, em anos diferentes, que os dois, jamais tiveram antes do ano de 1928. 

Meses depois, o único que foi penalizado, foi o coronel Genésio Cabral de Lima, depoente desta entrevista, cedido ao cineasta Volney Liberato, por crime culposo. Mas, posteriormente foi absolvido pelo Tribunal.

Diz Ivanildo Alves Silveira, que Chico Pereira foi um dos homens mais destemido do sertão paraibano, que fez justiça com as próprias mãos e tornando-se cangaceiro. Quando foi julgado pela morte do assassino do seu pai, foi absolvido em júri popular, no Estado da Paraíba, sua terra natal. Mas, para sua infelizmente, foi acusado pelas autoridades de um crime que não cometeu, e em especial, no Rio Grande do Norte, que jamais havia colocado os seus pés. 

Apesar de sempre cair em falha contra as autoridades, e geralmente apadrinhado pelo governador da Paraíba, através de um irmão deste, infelizmente foi trazido para o nosso Estado, e aqui, impiedosamente, foi entregue à justiça para ser julgado, coisa que não chegou a acontecer.  No período em que Chico Pereira foi morto, já havia completado vinte e oito anos de idade. Dona Maria Egilda, sua mãe, não teve pelo menos o desprazer de enterrar o seu filho, tendo recebido orientação do advogado da família, Doutor João Café Filho, fazendo grande alerta aos familiares do marginal, que não fossem pisar em terras do Estado do Rio Grande do Norte, para ser apanhado como vingança por parte das autoridades que chacinaram Chico Pereira. 

Conta  Ivanildo Silveira, que a tragédia continuou com o assassinato inesperado do irmão de Chico Pereira, o Aproniano. (Não encontrei a causa da morte deste irmão de Chico Pereira). E a morte do outro irmão, Abdon, que estudava medicina no Rio de Janeiro. (Este foi visitado pela tuberculose, faleceu nos braços de sua amada e sofrida mãe, Dona Maria Egilda, na fazenda Jacu, propriedade da família).  

Conversas entre os dentes, diziam que os mandantes da morte do coronel João Pereira, o pai de Chico Pereira, eram pessoas importantes da sociedade de Sousa. Um deles, um senhor que era destacado cidadão de nome Otávio Mariz.    Dos quatro filhos do coronel João Pereira, o único que sobreviveu e viveu muito, foi o Abdias, que veio a falecer no dia 28 de julho de 2004, com cento e três anos de idade.

Fonte de Pesquisa: 
Texto de Ivanildo Alves da Silveira

Volney Liberato

José Romero Cardoso

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14 novembro 2022

ATÉ LAMPIÃO É SUSPEITO DA MORTE DE BENJAMIN ABRAHÃO

  Por Sálvio Siqueira


Como tantos outros mistérios envoltos na historiografia cangaceira, principalmente em face do cangaço lampiônico, 1918/19 a 1938, a morte de Benjamin Abrahão Calliu Botto, o árabe que teve a façanha de registrar um bando de cangaceiros chefiados por Lampião em plena caatinga, também é um mistério. Ninguém, nenhum pesquisador, trouxe-nos até o momento, e nessa altura do tempo o certo é que jamais saberemos o nome da pessoa que assassinou o sírio nem tão pouco o mandante, coisa mais provável que possa ter ocorrido.

Benjamin, ao longo de sua vida aventureira, tapeação e mentiras, isso só referindo o pós 1934, depois da morte do Padre Cícero, criou uma ruma de inimigos de ‘grande porte’ tais como o comandante José Lucena, o ‘coronel’ Audálio Tenório, Lampião o “Rei do Cangaço” e outras várias pessoas que também se tornaram inimigas ferrenhas dele.

Botto, para conseguir o consentimento de Lampião para filmar e fotografar sua ‘cabroeira’ em seu habitat, logicamente que fizera determinado acordo sobre a divulgação e data desses registros. Virgolino Ferreira era vaidoso, isso é fato, porém, também era inteligente e sabia que uma divulgação fora de época e em massa, faria com que as autoridades ficassem mais ativas quanto a sua perseguição. Em 1936/37, o cangaço já estava mais do que encurralado e, após as filmagens feitas pelo sírio do bando de cangaceiros, produção cinematográfica que balançou os pilares do Palácio do Catete, na ocasião exibido em seção única em um cinema na Capital cearense, pois em seguida é apreendido pela censura federal, na época, o arrocho tornou-se maior ainda. No entanto, a imprensa, através do jornal Diário de Pernambuco, já havia feito divulgação de determinadas fotografias referentes aos bandidos em escala nacional e internacional. Na Europa, especificamente na França, e isso foi o fiel da balança que deixou o governo federal mal visto diante da população. Determinado a exterminar de uma vez por todas com aquela ‘epidemia’ no sertão nordestino, o banditismo rural, Vargas dá a ordem direta para que acabasse com Lampião, chefe cangaceiro de maior renome dentro do Fenômeno Social Cangaço, custasse o que custasse, doesse em quem doesse. A ordem foi sendo repassada de ‘cima para baixo’ na cadeia de comando e as reponsabilidades, logicamente, idem.


O sírio, segundo o escritor Pernambucano de Mello, era um empreendedor dono de uma “empresa” na Juazeiro do Norte, CE, ‘Benjamin Abrahão & Cia’, depois de estar prestando serviços para a Aba-Film, essa última sendo quem forneceu o material cinematográfico e fotográfico. O árabe toma emprestado a algumas pessoas na cidade cearense de Juazeiro do Norte, para gastar na viagem e nas suas noitadas nos cabarés e jogatinas, alguns mil réis, os quais pagaria com o que ganhasse com a divulgação e venda da produção.

Com a apreensão da fita cinematográfica, o tiro saiu pela culatra e o sírio fica devendo muito. Ele tem uma nova ideia ao saber de uma ocorrência interessante no sertão pernambucano: Um coiteiro ‘arrependido’ resolve emboscar alguns cangaceiros e mata-los. Após as mortes, os participantes do embate são encorajados por um fotógrafo amador a registrarem o fato: “Em dias de 1935, o prefeito de Mata Grande, José Campos Uchoa, fotógrafo amador, cedera a um amigo a chapa com que registrara o massacre de quatro cangaceiros importantes do bando de Lampião, na fazenda Aroeira, lá mesmo do município, a 19 de setembro, em cilada bem urdida por certo Antônio Manuel Filho, o Antônio de Amélia. Um coiteiro que se declara arrependido, mãos tintas de sangue, e pede o amparo do governo em decorrência dos riscos em que incorrera, findando por ser alistado na polícia de Pernambuco como sargento. Atraído pelo lado moral da história de regeneração de alguém que se transforma em martelo contra seus antigos benfeitores, o amigo do prefeito monta uma cena fotográfica em que figuram em corpo inteiro, além de Amélia já metido na farda, os cadáveres horrendamente golpeados dos cabras Medalha, Suspeita, Fortaleza e Limoeiro, eis os vulgos das vítimas, disso resultando a impressão de um cartão-postal que foi vendido como banana entre Alagoas e Pernambuco.” (MELLO, pg 263, 2012).


Benjamin então manda imprimir milhares e milhares de fotografias que havia registrado dos cangaceiros do bando de Lampião. A Aba-Fim se encarrega da impressão e envia para o sírio no sertão pernambucano. Após receber a encomenda, Botto chama algumas pessoas e as mostra. Notando o grande impacto e admiração daquelas pessoas, contrata alguns empregados e os envia para o sertão alagoano, a fim dos mesmos venderem o ‘produto’. Ora, com o aperto que as autoridades estaduais vinham sofrendo do governo federal, ao ficarem sabendo de tais divulgações, se irritam e ordenam seu confisco. “Pelo meado de outubro, em maços ou isoladas, há fotografias de cangaceiros por todo o sertão, distribuídas por seis auxiliares escolhidos por Antônio Paranhos para o velho amigo Benjamin.” (MELLO, pg. 263, 2012).

O comandante do II Batalhão da PMAL, locado em Santana do Ipanema, AL, major José Lucena, na época, é o que mais se irrita e, imediatamente, ordena que seus comandados façam o confisco das mesmas, não só na cidade de Santana, mas nas circunvizinhas. Além das imagens dos cangaceiros, aquelas fotografias vinham dizer à população que não era tão difícil assim chegar aos bandoleiros como ditavam as autoridades já que um estrangeiro o fez. Lucena estava com a corda no pescoço devido Lampião estar agindo há muito tempo no território sob seu comando. O comandante geral da PMAL, na ocasião o coronel Teudureto, já o havia chamado em Maceió e dando-lhe um grande aperto, cobra-lhe resultados.

Benjamin ao saber que suas fotografias foram confiscadas a mando do major José Lucena, um frio lhe escorre pela ‘espinha’, ao saber que tinha feito mais um inimigo perigoso, pois sabia que se tratava de um homem que não era de brincadeiras e mandava matar, ou mesmo matava uma pessoa sem cerimonia alguma. Estando em terras pernambucanas, manda chamar os auxiliares e recolhendo o que sobrou, pega os pacotes que ainda estavam guardados tacando fogo em tudo. “Quem comprou, comprou; quem não comprou, não compra mais. Melhor a vida!” (MELLO,pg. 264, 2012).


O medo de Benjamin era tanto do comandante alagoano que ele corre à Capital pernambucana e, indo à sede do jornal Diário de Pernambuco, solicita do mesmo uma espécie de credencial referindo que estava naquela região, da Vila do Pau Ferro, município de Aguas Belas, PE, a serviço do mesmo. Logicamente, com tantos furos, através das fotografias, que o sírio cedeu ao jornal, seu pedido foi aceito e a autorização para usar o nome do jornal concedido.

Achando que esse problema estava resolvido, Benjamin retorna ao interior com a perspectiva de filmar, na fazenda do coronel Audálio Tenório, pela primeira vez, uma vaquejada. A visão do árabe, realmente, era muito boa, ele conseguia ver além do presente. O coronel determina que o evento ocorra em novembro daquele ano, 1937. Mandam avisar seus amigos, fazendeiros, familiares, vaqueiros e outras pessoas que ficam sabendo os quais chegam aquela data a pequena Vila do Pau Ferro, que estava totalmente ornamentada, a caráter, para aquela ‘Festa de Apartação’. Entre os convidados estavam figuras ilustres da força pública de Pernambuco e Alagoas, sendo do primeiro o coronel João Nunes e do segundo, o major José Lucena.


O coronel Audálio Tenório era um homem com uma estatura de 1:80 metros, apresentando-se em cima de uma montaria de pelo branco, saúda a todos e dá as boas vindas aos vaqueiros que participarão da ‘apartação’. “... os oitenta vaqueiros ouvem a saudação de um coronel Audálio montado em quartau branco impecável, metido nos couros dos pés à cabeça, traje completo de campeador das caatingas. Quebrando no chapéu de couro rebatido, no guarda-peito, no gibão, nas perneiras, nas luvas, nas esporas de prata do finado coronel Chico, seu pai, nas botinas vermelhas de couro de veado e na ligeira, passada no punho a modo de peia-de-mão.” (MELLO, 2012)

A presença de Lucena deixa o árabe um pouco preocupo e apreensivo, no entanto, balança o dedo pra cima e registra momentos magníficos e eternos para a história, os quais saem em edições futuras do Diário de Pernambuco. Após esses registros, Benjamin fará novamente registros inéditos nas terras da fazenda Barra Nova, do coronel Audálio, e onde se realizou a festança de gado. Botto consegue filmar vaqueiros correndo atrás de ‘barbatões’ e novilhas na mata da Mata Branca. De volta à pequena Vila, onde os comes e bebes eram servidos durante quase toda a noite, Calliu marca mais um momento para posteridade, registra o coronel Audálio Tanório, um dos maiores acoitadores de Virgolino Ferreira, o cangaceiro Lampião, a desfilar de braços dados por entre as ‘ruas’ improvisadas pelas barracas com um de seus maiores inimigos em território alagoano, o major José Lucena, os quais, ainda estavam ladeados pelo coronel João Nunes e o fazendeiro Gerson Maranhão, esse último parente de Lucena.


Quem organizou as barraquinhas para venda de comidas e bebidas havia sido Benjamin Abrahão. O coronel Audálio havia fornecido a grana para que o árabe pudesse comprar a comida e as bebidas a serem vendidas na festa, além de ter emprestado dinheiro para a compra dos filmes e outras coisas. A festança é ótima para os participantes, porém, para Benjamin não o fora. O apurado não chega, nem de longe, com a quantia que tinha que pagar ao coronel. Pela quantidade de transeuntes, participantes, o árabe chega a desconfiar do pessoal que estava auxiliando ele. Num momento crítico, chama um deles de ladrão. Era um homem de cara dura e marcada com sequelas de bexiga que tinha vindo da região de Mariana e, acusando-o de ter-lhe roubado o apurado, ou parte deste, arranja mais um inimigo perigoso, pois era uma ofensa imperdoável nas quebradas do sertão nordestino. Pois bem, o patrono do evento festivo manda chamar o aventureiro árabe e cobra-lhe o que havia lhe emprestado. Sem ter saída, Botto pede alguns dias ao coronel para ir à Capital, Recife, levantar e trazer a quantia devida.


No Recife moravam vários parentes de Benjamin, no entanto, acreditamos por já terem levado calote, não emprestam nem um réis a ele. O sírio está mais do que apertado, pois havia determinado uma data para vir e prestar contas, pagar, ao coronel e resgatar as promissórias assinadas. Em vez disso, passa a adiar o pagamento referindo que arranjará emprestado com seus amigos em Juazeiro do Norte, CE. Nada feito, ninguém estava doido para emprestar dinheiro e perde-lo. Logicamente o coronel deu-lhe um ultimato, colocando sua vida em risco. Mais um grande inimigo que o aventureiro sírio acabava de arrumar, e esse de peso pesado.

Lampião, com a determinação de Getúlio Vargas, ver as portas se fecharem. Sem o apoio dos fornecedores nenhum grupo de bandoleiros sobreviveria por muito tempo.


A divulgação das imagens do bando feita por Benjamin havia agitado, e muito, as autoridades em cada Estado nordestino. Planos novos foram feitos e ações novas foram determinadas quanto aos colaboradores. Alguns correram e entraram no meio do mundo, outros foram presos, muitos mortos e uma boa parte muda de lado. A vida de cada um estava em jogo. E a grande e eficiente malha formada pelo “Rei do Cangaço” começa a se quebrar em vários pontos. O fim do cangaço estava se aproximando. Nos meses subsequentes, Virgolino, por medida de segurança e cautela, mantem-se mais no Estado sergipano. Certa feita, conversando com o cangaceiro Candeeiro, na ocasião um daqueles que fazia sua guarda pessoal, referindo-se a Benjamin, detona: “- Ele foi falso comigo, levando de mim para contar aos oficiais.” Virgolino acreditava que Botto o havia traído. Além dessas imagens na pequena Vila de Pau Ferro, no município de Aguas Belas, PE, onde aparece o major Lucena e da divulgação, através da venda, de suas imagens, ele consegue registros inéditos e históricos em Jeremoabo, BA, e outros lugares, de comandantes inimigos ferrenhos de Lampião, como a imagem do comandante Manuel Flor, o tenente Zé Rufino e outros.


Sabedor de que o retratista encontrava-se na vila de Pau de Ferro, Virgolino levanta acampamento em Sergipe e vai em direção a Pernambuco via Alagoas. No dia anterior ao do assassinato de Benjamin, Lampião encontrava-se acampado há mais ou menos 9 km, légua e meia, de onde se encontrava o árabe.

Segundo o sociólogo/pesquisador/professor e escritor Frederico Pernambucano de Mello, nas entrelinhas do livro “Benjamin Abrahão - Entre Anjos e Cangaceiros”, 1ª edição, o sírio teria feito, ou tentado fazer chantagem com algum coronel coiteiro de Lampião, o coronel Audálio por exemplo, devido a localidade em que se encontrava ou algum outro de seus colaboradores de renome na sociedade, por ter informações secretas sobre ele e o cangaceiro: “A pelo menos um amigo revelou não ter levantado sequer a metade do dinheiro que tinha de pagar, mas que estava pensando em cotar a peso de ouro o seu silêncio, depois das semanas de convívio no bando de Lampião em 1936. Em que se assenhoreara de informações tanto mais delicadas quando mais incômoda se mostrava para a elite sertaneja a situação de suspeita generalizada em que estava mergulhando o país.” O escritor refere-se ainda ao ‘aventureiro’ como “o colecionador de inimizade”.


Quando estava na Vila de Pau Ferro, Benjamin costuma se alojar numa pensão. Dessa vez dividia um quarto com o amigo Antônio Paranhos, aquele que arranjou os seis auxiliares para venda das imagens dos cangaceiros, que não sai do quarto. Benjamin troca de roupas e vai passear nas ruelas da Vila. Benjamin era um namorador nato. Citam alguns autores que ele estava apaixonado por uma mulher casada, por isso a insistência de permanecer num local tão perigoso para ele. Encontrando com alguns conhecidos, vão para um boteco tomar cervejas. O tempo passa e a noite cobre com seu manto negro aquela pequena povoação no interior pernambucano. Após o ocaso algumas luminárias são acesas através da força elétrica de um gerador. Algum tempo depois, Botto despede-se dos conhecidos e ruma no sentido da pensão. Após dobrar uma esquina, as luzes são apagadas, algum defeito no gerador? Talvez. Porém, para o que ocorreu em seguida, notadamente, o motor foi desligado. Estando o vilarejo em total escuridão na noite do dia 7 de maio de 1938, de repente alguém começa a gritar, pedindo socorro, por estar sendo esfaqueado. Na sequência, em fez de escutar-se pedidos de socorro, passasse a escutar gemidos de dores, os quais vão diminuindo até sumirem por completo. O amigo de Benjamin, Antônio Paranhos, logo após as luzes terem se apagado, passa a escutar alguém pedindo socorro. Reconhecendo o timbre da voz, tem certeza de que se trata do amigo sírio. Rapidamente deixa a pensão e vai ao sentido em que os gritos o levam, no entanto, antes de chegar perto, das sombras vem uma voz que lhe diz: “-Arreda, cabra, que é encrenca!” (MELLO, 2012)


Imediatamente Antônio, sabidamente, retorna para o quarto da pensão e fica a esperar ouvir ou saber de alguma coisa. A noite é longa. As horas não passam e a ansiedade aumenta. Só quando o dia amanheceu é que se começa a escutar um zom zom danado vindo de algum local na vila. Havia um paraplégico, José Rodrigo Lins, conhecido pela alcunha de Zé de Rita, que morava ali perto. Os moradores se dirigiam para a casa desse paraplégico, pois lá, dentro da casa, encontrava-se um corpo inerte, de barriga para cima, com 42 punhaladas no corpo, era o aventureiro árabe que um dia foi secretário do Padre Cícero. O deficiente físico era casado com dona Alaíde Rodrigues de Siqueira, e foi por ela que o sírio havia se apaixonado. Segundo autores, essa paixão jamais foi correspondida.

Além de ter um defeito físico, vemos, notamos que Zé de Rita aparentava ter outro problema de saúde, alguma coisa não batia bem em seu cérebro, ao lermos a cena descrita pelo pesquisador Pernambucano de Mello: “A um canto, sobre um tamborete, Zé de Rita se mantém impassível, pernas encolhidas, pés sobre o tampo, comendo o tutano que retira lentamente de um osso grande, lambendo dedo a dedo, parecendo fora de si. “Mais vida tivesse, eu matava”, repete sem cessar.” Com certeza não era só de defeito físico que o coitado Zé de Rita sofria. Agora o mais incrível, é que esse cidadão, paraplégico e com problemas mentais, é considerado o matador de um homem forte, novo, saudável e de um porte físico acima de mediano.

“A 17 de maio, passados somente dez dias da ocorrência, o delegado corre a se livrar da batata quente: fecha o inquérito policial no segundo distrito de Águas Belas, apontando nominalmente o casal como responsável único pelo homicídio, segundo noticia o Diário de Pernambuco de 19, renovando o lamento pela perda do “nosso colaborador especial” que fizera constar do registro de morte, saído na edição de 10, com direito a fotografia.

O delegado joga o jogo das aparências forjadas. Que mais lhe restava fazer ante um assassinato de desvendamento impossível nas circunstâncias, a unir em sorte comum o policial de ontem ao historiador de hoje?

No sétimo dia da tragédia, absolutamente só, o padre Nelson de Barros Carvalho reza a missa pela alma da vítima. Ele e Deus. Nem o coroinha dá as caras na capela.” (MELLO, pg.272 a 273, 2012)

Evidentemente que, sabedores do possível mandante do crime, a população não se arriscou para ir, pelo menos rezar, por aquele aventureiro de outras terras... nas quebradas do sertão pernambucano.
Fonte/foto “Benjamin Abrahão – Entre Anjos e Cangaceiros” – MELLO, Frederico Pernambucano de. 1ª Edição, São Paulo, 2012

cariricangaco.com
O Canto do Acauã – FERRAZ, Marilourdes. 4ª Edição Revisada e Atualizada. Recife, 2012.


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13 novembro 2022

11 novembro 2022

O EX-CANGACEIRO JANDAIA

  Por Guilherme Velame Wenzinger

O antes cangaceiro "Jandaia" junto com sua família já em avançada idade. Essa foto está no perfil do filho dele aqui no Facebook, Renato.

https://www.facebook.com/photo/?fbid=6086339368121312&set=gm.2051457738396493&idorvanity=179428208932798

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LUIZ PEDRO FICOU DOIDO COM A MORTE DE NENÉM.

   Por Aderbal Nogueira https://www.youtube.com/watch?v=wVyLuS8rE8E Luiz Pedro e Zé Sereno vão a Alagadiço saber o que aconteceu com Zé baia...