Quem trafega pela BR-316, sobe o cuscuz sobre a antiga linha férrea de Palmeira dos Índios. Quem conhece a história lança de cima do viaduto, um olhar comprido para as terras planas Palmeira – Arapiraca e vê. Ver na mente um trem deslizando pelas planuras em busca do São Francisco, em busca do Porto Real de Colégio. Época de ouro em que os trens cortavam o vale do Paraíba do Meio, levando progresso entre os verdes canaviais. Cavaleiros do Sertão galopando até Viçosa em procura do cavalo de ferro no complemento da jornada a Maceió. A ansiedade do povo palmeirense no avanço da linha até Quebrangulo, descendo as montanhas até o centro da cidade. Uma festa e tanto a chegada do trem em Palmeira dos Índios.
ANTIGA ESTAÇÃO. (FOTO: CRISTIANO SOARES)
Mas a programação anterior modificada não permitiu sua reta para o Sertão. E a Maria Fumaça quebrou de banda levando rolos de fumo pelo Agreste procurando o “Velho Chico”. Mais uma frustração para o Sertão velho de guerra que deixara escapar o miolo do progresso. Conforma-se em agarrar a rebarba ferroviária. Vem de caminhão a Palmeira e embarca no trem para Maceió. Para quem não tinha nada, qualquer coisa serve. Mas a política do não ao ferro e sim à borracha, também traz a grande decepção para o Agreste. Palmeira dos Índios não dispõe mais do trem. Fica a Maria Fumaça aprisionada em logradouro público, como peça de museu. O trem engolira o caminhão; o ônibus engoliu o trem; as vans engoliram os ônibus.
E o trem de Palmeira dos Índios entra nos romances dos escritores palmeirenses Luis B. Torres, Adalberon Cavalcante Lins, Graciliano Ramos e do santanense Clerisvaldo B. Chagas. A estação, merecidamente transforma-se em Biblioteca Pública. Imagens de pessoas ilustres ocupam as paredes em forma de desenhos e... Quem sabe, se as estantes da casa de cultura não guardam boas histórias do trem de Palmeira dos índios!
Trazemos o sonho de volta ao cuscuz, ao viaduto da via férrea, onde que manda agora são as voltas e os chiados dos pneus.
Foi este livro que fez eu me apaixonar pelo estudo cangaço. Primeiro fui informado pelo cangaceirólogo e tesoureiro da SBEC Chagas Nascimento que eu deveria procurar acessar os blogs Cariri Cangaço do Manoel Severo e o Lampião Aceso do Kiko Monteiro. Segundo com meses depois ele me emprestou este livro além de outro.
Se você tem vontade de entrar no estudo do cangaço procura com urgência adquiri-lo Ele te enviará o mais rápido possível. São 27 histórias fantásticas escritas pelo escritor Alcino Alves Costa, lá da cidade de Poço Redondo no Estado de Sergipe.
Prestes a completar 79 anos da morte de Virgulino Ferreira, o Lampião, sua figura e seus crimes ainda causam revolta e medo no sertão. Encerrando uma sequência de matérias e artigos sobre o Rei do Cangaço, mostramos agora dois depoimentos de sertanejas, cujas famílias viviam assombradas.
Uma delas, aos 87 anos, nascida em Jeremoabo, até hoje teme represálias dos bandidos. Nascida em Jeremoabo, em uma família influente, considera Lampião “um infeliz que só fazia o mal”, pede para não ser identificada. Vale lembrar que Jeremoabo era a terra do coronel João Sá, um dos principais coiteiros de Virgulino.
Em suas lembranças, histórias de crimes pavorosos, o julgamento do cangaceiro Labareda e o dia em que sua tia foi retida por dois bandoleiros.
O outro depoimento é de Elisangela Maria, de Ribeira do Amparo. Ela conta como os pais de seu avô reagiram ao saber que Lampião estava próximo. A reação inusitada mostra como as pessoas sofriam no sertão só de ouvir falar o nome do cangaceiro.
E.O, 87 ANOS, DE JEREMOABO
“Eu era menina. A cidade vivia apavorada, todo mundo estava assombrado. Lampião e seu bando passaram pela Fazenda Almêcega e exigiu muito dinheiro do proprietário, Manoel Salina, ameaçando-o arrancar a língua dele se não recebesse o que queria. Manoel pagou e mandou avisar Jeremoabo que o cangaceiro estava próximo.
Tempos depois, Lampião voltou e pediu mais dinheiro. Seu Manoel não tinha toda a quantia e foi ameaçado de morte com a família. Resolveu vir para Jeremoabo (a fazenda Almêcega ficava a 18 km da cidade e tinha um grande contingente de volantes) depois que Ângelo Roque, o Labareda, cangaceiro nascido aqui na região, avisou que era melhor todo mundo sair porque seu chefe ia matar a todos.
Passou um tempo e Manoel, em dificuldades financeiras, reuniu cinco filhos, três sobrinhos e quatro vizinhos para colher a mandioca de suas terras rapidamente. Alguém avisou Lampião. Esse bandido foi na fazenda e matou cinco pessoas, diante de seu Manoel.
Um dos filhos, que estava no telhado, ao ver a família ser assassinada fugiu pelo mato e foi até Jeremoabo pedir ajuda. Duas filhas do fazendeiro também escaparam.
Lampião ainda mata três vizinhos de Manoel. Terminada a chacina, manda atear fogo em tudo o que ali existia. Pega Salina e corta suas orelhas, castra-o, arranca-lhe unhas, lhe fura os olhos e segue com ele para a casa de seu outro filho, o vaqueiro Ulisses, em uma fazenda próxima. Lá, mata o rapaz e Manoel, que tem o coração arrancado e deixado ao lado do corpo.
Lampião era um bandido, miserável, que desassossegou todo mundo, esbagaçou com tudo. Passou pela Bahia em 1928 e ficou dez anos “infernando”. Se alguém tivesse que viajar, rezava pedindo para São João para voltar a salvo.
Um infeliz desse no sertão só fazia o mal. Na minha opinião, um bandido miserável que destruiu muita coisa, destruiu famílias, propriedades, gado lindo.
Meu avô contava que o coronel Pedro não seguiu os caprichos de Lampião e ele tocou fogo no curral com o gado dentro. Gostei quando a família não deixou botar um busto desse bandido na cidade.
Quando eu era menina, ficávamos com o coração na mão quando minha tia saía para trabalhar fora do município. Um dia, ela encontrou dois bandidos, um era filho de Várzea da Ema, o Balão, o outro era o Moita Brava.
Meu avô vinha com ela. Os cangaceiros pararam os dois, apontando fuzis. Fiscalizaram tudo, repararam no cabelo dela e disseram que quem tinha mulher devia mostrar logo e não tentar esconder. Os dois ficaram apavorados. Só depois de um tempo foram liberados.
Tempos depois Labareda se entregou e fomos ver o júri dele. Só crime horroroso, muita miséria, ninguém aguentou ficar ouvido aquilo.
Lampião era um infeliz, um cão. Ele e a tropa dele”
Mulher marcada a ferro no rosto por cangaceiro
ELISANGELA MARIA, 38, DE RIBEIRA DO AMPARO
“Meu avô era um cabra valente, mas certa noite em meio a tantas conversas e prosas miúdas no terreiro da casa, sob uma esteira de tábua velha, eu tão pequenina e curiosa ouvi dele: “Minha filha, me escondi da tirania desse homem (Lampião).
Na realidade meu “pai avô” viveu até os 93 anos. Ele é meu amor eterno, o maior sertanejo que conheci. Matou minha fome no cabo da enxada e me contava suas histórias.
Ele nasceu no povoado de Várzea Salgada, em Ribeira do Amparo (BA). Eu, Elisangela, venho de dois lados. Os Canuto, por parte de minha mãe avó, estavam presentes em Canudos. Os da parte de meu pai avô foram os que se esconderam de Lampião. Sou valente de um lado e do outro, frouxa.
Meu pai avô contou diversas vezes que seus país, nesse caso meus bisavós, cavaram uma espécie de bunker (abrigo) e cobriram com palhas de licuri seca, após ouvirem relatos de terceiros que Lampião se aproximava daquela redondeza.
Meus bisavós e os filhos pequenos, um total de nove, ficaram escondidos por quinze dias comendo batata assada e melancias, arrancadas das plantações próximas ao esconderijo. A água era adquirida nas copas do gravatá, uma bromélia silvestre que dá no sertão – eu até já bebi dela nas catas dos cambuís (fruta nativa dos tabuleiros baianos, utilizada no tratamento de herpes, brotoeja, cólicas e diarreias) que dá nesse lugar.
Anúncio de recompensa por Lampião
Eles ficaram neste esconderijo até que o meu velho bisavô foi averiguar e ouviu de um conhecido que Lampião já havia passado. Deixaram a toca e tocaram a vida, normalmente.
Minha bisa faleceu quando eu tinha um ano de vida, isso foi em 1979. Dizem que ela ainda me colocou no colo. O meu bisavô foi primeiro, antes de eu nascer. Meu pai avô morreu em 2015, dois meses depois dele apreciar meu enlace matrimonial.
Cantei para ele no seu leito de morte e ele sorriu para mim como sempre. Nasceu na roça e faleceu na roça, no hospital da região, pois ele tinha receio da cidade grande.
Tudo o que sou devo a eles e ao sertão baiano que me fez mais humana. Se tiver um pedaço de charque, compartilha-se com todos; um vaqueiro não descansa antes de juntar sua boiada; se tiver um caju, um maturi, você não joga galho para tirar o fruto maduro em respeito ao maturi que ainda brota. Coisas simples, mas que me servem até o dia de hoje.
Obrigado foi o que disse a meu pai avô e vos digo também, como ele me ensinou.
Obrigado por se lembrar do sertão meu, seu, de Euclides e de quem chegar.
O sertão é assim, vai além de céu estrelado e das caçadas em noites de lua cheia. O sertao vai comigo até onde eu for nesse mundo de meu Deus”
Jornalista, 57 anos, traz no sangue a mistura de carioca com português. Em 1998, após trabalhar em alguns dos principais jornais, assessorias e sites do país, foi para o Ceará e descobriu um novo mundo. Há dez anos trabalha na Bahia, mas suas andanças não param. Formou comunicadores populares nas favelas do Rio e treinou jornalistas em Moçambique, na África. Conhece 14 países e quase todos os estados brasileiros. Suas reportagens ganharam prêmios de direitos humanos e de jornalismo investigativo.
Marcosde religiosidade no caminhodeLampião no Rio Grande do Norte
Em 2010, em alternadas viagens, estive percorrendo pela primeira os cenários da passagem do bando de Lampião no oeste potiguar, fato que ocorreu entre os dias 10 e 14 de junho de 1927. Segui principalmente por áreas rurais desde a cidade de Luís Gomes, tendo como ponto focal Mossoró e finalizando em Baraúna. Percorri esse caminho originalmente palmilhado por estes cangaceiros como parte de uma consultoria que prestei ao SEBRAE, no âmbito do projeto Território Sertão do Apodi – Nas Pegadas de Lampião. Parte desse trajeto, que também focava em questões da espeleologia da região, percorri junto com Sólon Almeida.
Para traçar essa rota, além das obras escritas sobre a história da passagem do bando de Lampião pelo Rio Grande de Norte, fiz uso de materiais históricos existentes nos arquivos do Rio Grande do Norte, Paraíba e de Pernambuco e a bibliografia existente, com destaque ao livro do amigo Sérgio Augusto de Souza Dantas, autor de Lampião e a grande Jornada – A história da grande jornada.
Foram percorridos muitos quilômetros, onde visitamos vários sítios, fazendas, comunidades e cidades. Foram entrevistadas123 pessoas e obtidas mais de 2.000 fotos. Em grande parte deste trajeto, a motocicleta se mostrou um aliado muito mais eficiente para se alcançar estes distantes locais.
Um dos fatos mais interessantes foi o surgimento de marcos de religiosidades ligados aqueles dias tumultuosos de 1927.
Cruzeiros marcando locais de acontecimentos intensos, capelas edificadas como promessas pela salvação de pessoas ante a passagem dos cangaceiros, o caso da utilização de uma igreja por parte dos cangaceiros. Além desses fatos temos a controversa situação envolvendo o túmulo do cangaceiro Jararaca na cidade de Mossoró.
Ao longo dos anos eu tive a grata oportunidade de realizar esse caminho em quatro outras ocasiões, sendo o mais importante em 2015, para a realização de um documentário de longa metragem denominado Chapéu Estrelado, dirigido pelo mineiro radicado no Rio de Janeiro Silvio Coutinho e produção executiva de Iapery Araújo.
Esses foram os locais mais interessantes ligados a esse tema e seus respectivos municípios.
MARCELINO VIEIRA
A área próxima à sede do atual município de Marcelino Vieira é repleta de lembranças e marcos que mantém vivo na memória da população local os fatos ocorridos naquela longínqua sexta-feira, 10 de junho de 1927.
Cruz em homenagem ao soldado Matos.
Sítio Caiçara e a “Missa do Soldado” – Nesse local ocorreu um combate onde morreram o soldado José Monteiro de Matos e o cangaceiro Patrício de Souza, o Azulão.
Percebemos nitidamente que para as pessoas que habitam a região, os fatos mais marcantes em termos de memória estão relacionados ao combate conhecido como “Fogo da Caiçara” e a valente postura do soldado José Monteiro de Matos. Não foi surpresa que membros da comunidade local, no dia 10 de junho de 1928, apenas um ano após o combate na região da Caiçara, decidissem realizar, uma missa em honra a memória do valente militar.
Igrejinha onde é rezada a “Missa do Soldado”.
Segundo pessoas da comunidade do Junco, as margens do açude da Caiçara, de forma espontânea e apoiadas pelas lideranças locais, os mais antigos moradores deram início a um ato religioso. No começo ele ocorria no mesmo ponto onde se desenrolou o combate. Segundo pessoas entrevistadas na região, o evento sempre atraiu um número considerável de pessoas, passando a ser conhecida como “A Missa do soldado”. Com o passar do tempo à missa transformando-se em uma das mais importantes tradições religiosas de Marcelino Vieira.
ANTÔNIO MARTINS– ZONA RURAL
Fazenda Caricé – a fazenda Caricé estava no roteiro de destruição dos cangaceiros. Caminho lógico para quem seguia em direção norte, no caminho a Mossoró, a fazenda pertencia ao pecuarista Marcelino Vieira da Costa. Este era um paraibano que prosperou com a criação de gado e tornou-se tradicional líder político. Faleceu em dezembro de 1938 e seu nome batiza atualmente a cidade onde decidiu viver.
Capela em honra a Jesus, Maria e José, no sítio Caricé, erguida como promessa pela salvação da família do Coronel Marcelino Vieira das garras do bando de cangaceiros de Lampião
Ao saber da aproximação do bando do cangaceiro Lampião, o fazendeiro Marcelino Vieira decidiu dormir em uma área onde existia um canavial, próximo ao açude da fazenda. A chegada do grupo, insuflados por supostas contas a acertar do temível cangaceiro Massilon Leite com a família Vieira, produziu um saque que resultou em um prejuízo no valor de um conto e duzentos mil réis. Os celerados deixaram o lugar antes do meio-dia.
Da velha sede da fazenda Caricé nada mais resta, mas por lá encontramos uma pequena capela.
Interior da capelinha.
Quando a família Vieira e seus empregados estavam no canavial, em dado momento alguns cangaceiros chegaram a se aproximar do esconderijo. Diante do que poderia acontecer, com muito medo, a filha do fazendeiro, rogou intensamente aos céus que os bandoleiros se afastassem.
Vista noturna da capela do Caricé.
Caso isto se concretizasse, ela e sua família tratariam de erguer uma ermida em honra ao poder de Jesus, Maria e José. Pouco tempo as imagens foram adquiridas ainda em 1927, tendo sido trazidas da Bahia e que a primeira missa rezada no local foi verdadeiramente suntuosa. O templo já apresenta sinais de abandono, com algumas telhas caindo, mas a estrutura ainda se mantém em grande parte firme.
Serra da Veneza.
Capelinha da Serra da Veneza – Uma interessante situação relativa à memória da passagem do bando nessa região ocorreu na região da Serra da Veneza, na fronteira de Antônio Martins com o vizinho município de Pilões. Nessa elevação granítica, que segundo o mapa da SUDENE chega a atingir a altitude de 555 metros, existe uma capela edificada em razão do medo provocado pela passagem do bando.
Quando Lampião e seu bando se aproximavam, em meio às terríveis notícias, três fazendeiros da região procuraram refúgio junto às rochas da base desta elevação. Essas famílias solicitaram junto ao mesmo santo, São Sebastião, que os protegessem contra a ação dos cangaceiros. E o mais interessante, mesmo sem se combinarem, as três famílias elegeram a mesma penitência; caso nada de negativo ocorresse a eles e as suas famílias, cada um deles teria de galgar a Serra da Veneza, erguer um oratório e ali depositar uma imagem em honra ao santo.
Capelinha da Serra da Veneza.
Lampião passou sem acontecer problemas a essas pessoas. Logo os fazendeiros e seus familiares foram a Vila de Boa Esperança, como muitos moradores da região, para agradecer na capela de Santo Antônio pelo fato de nada de pior haver ocorrido. Nesse local as três famílias se encontraram e ao debaterem sobre os fatos vividos, para surpresa de todos os presentes, compreenderam que havia ocorrido uma interseção divina com relação a eles terem tido as mesmas ideias e os mesmos pensamentos de penitência. Em pouco tempo eles adquiriam conjuntamente uma pequena imagem de São Sebastião e logo galgavam a Serra da Veneza para unidos edificarem um pequeno oratório. A ação dos três fazendeiros e as estranhas coincidências chamaram a atenção das pessoas na região e logo outros penitentes subiam a serra para pagar promessas. Em pouco tempo teve início uma procissão e não demorou muito para que o pároco local também viesse participar. Com o passar do tempo começou a ocorrer a participação de pessoas de outros municípios. Em 1948, vinte e um anos após a passagem do bando e do pretenso milagre, treze famílias deram início a construção da atual capela, em meio a uma intensa confraternização.
A cada dia 20 de janeiro, inúmeros ex-votos são colocados como pagamento de promessas, velas são acesas e fiéis de vários municípios vêm participar subindo a serra.
ANTÔNIO MARTINS- ZONA URBANA
Cangaceiros na Capela de Santo Antônio – O período da chegada dos cangaceiros, no dia 11 de junho de 1927, na então pequena comunidade de Boa Esperança, atual Antônio Martins, coincidiu com as celebrações da festa de Santo Antônio, o padroeiro local. De certa maneira essa situação de comemoração e alegria do povo, serviram para a rápida ocupação do lugarejo e a sua total capitulação diante da cavalaria de cangaceiros.
A capela de Santo Antônio era o principal local em Boa Esperança para realização dos festejos relativos ao padroeiro local. Nessa festa é tradicional a realização das chamadas “trezenas”, onde durante treze dias anteriores ao dia 13 de junho, a data consagrada a Santo Antônio, ininterruptamente são realizadas missas, orações de grupos de pessoas com terços nas mãos, cantos de benditos, encontros e outras participações da comunidade neste templo cristão. Quando o bando chegou, haviam algumas pessoas reunidas no local e um grupo de cangaceiros, visivelmente embriagados, proibiu a saída dos fiéis do local. Essas pessoas assistiram horrorizadas de dentro da capela o suplício de um habitante local, o jovem Vicente Lira, que apunhalado e sangrando abundantemente, era obrigado a engolir talagadas de cachaça. Mesmo em meio a essa cena de terror, diante da igreja aberta e engalanada, soubemos que alguns cangaceiros adentraram o local, se ajoelharam, se benzeram e saíram sem perturbar os atônitos presentes. Na saída soltaram Vicente Lira.
Durante todo nosso percurso, esta foi a única informação de que alguns cangaceiros do bando de Lampião, teriam adentrado um templo religioso católico em todo Rio Grande do Norte.
LUCRÉCIA
Fazenda Castelo.
Capela da Fazenda Castelo – Após a saída de Frutuosos Gomes, na zona urbana do município de Lucrécia, as margens da RN-072, soubemos que o bando realizou a invasão da fazenda Castelo, propriedade tida como a mais importante da antiga localidade. No terreno ao lado da sede da fazenda Castelo se encontra uma bem preservada capelinha dedicada a Nossa Senhora da Guia. Entretanto, ao buscarmos contato com as pessoas mais idosas em busca da história da capela, não foi possível um esclarecimento mais exato sobre quem a construiu e se essa construção tem alguma relação com a passagem do bando de Lampião, como no caso da ermida da fazenda Caricé. Houve pessoas que indicaram que a construção foi consequência de uma promessa pela salvação dos proprietários locais junto a passagem dos cangaceiros, outros indicaram que ela seria anterior a 1927 e outros apontaram que ela seria posterior a essa data.
Capela da fazenda Castelo, Lucrécia, Rio Grande do Norte.
Foi perceptível a necessidade de ampliar as pesquisas sobre o local.
A Cruz dos Canelas – Depois de passarem por Lucrécia, os cangaceiros atacaram uma propriedade rural e sequestraram um fazendeiro bastante conhecido e querido na região. A notícia se espalhou entre vários parentes e amigos e logo um grupo decide com extrema coragem sair em busca do povoado de Gavião, atual cidade de Umarizal, onde pudessem levantar a quantia estipulada por Lampião para soltar o popular fazendeiro.
Sítio Serrota dos Leites, de onde foi sequestrado o fazendeiro Egídio Dias.
O grupo era pequeno, com um número que aparentemente chega a quatorze e só quatro deles, membros de uma família conhecido como “Canelas”, eram os únicos que os pesquisadores do assunto apontam como possuidores de armas de fogo com alguma potência. Esse grupo conhecia os caminhos e provavelmente confiaram no fato de ser período de lua cheia. Onde essa condição facilitaria o trajeto.
Enquanto se desenrolava esta situação, na região do sítio Caboré, cansados pelo deslocamento, esgotado pelas ações e pelo consumo de bebidas, o bando de cangaceiros decidiu descansar nas terras do Caboré. Por volta das três da manhã o grupo de amigos chegou ao Caboré em busca de informações. Não sabiam que um cangaceiro, facilitado pelo luar, vigiava os movimentos do grupo. No local conhecido como “Serrote da Jurema” foi armada uma emboscada pelo bando de experientes combatentes. Logo abriram fogo contra a incipiente tropa e três deles tombaram e o resto fugiu em franca debandada. Segundo os laudos cadavéricos a vingança do bando de Lampião nos corpos dos amigos do fazendeiro sequestrado foi terrível.
Cruz dos Três Heróis, ou Cruz dos Canelas.
Apesar de todo empenho em buscar ajudar o amigo detido, o que o grupo de resgate não sabia era que a sua ação era totalmente inútil. Algum tempo antes, no bivaque armado pelos bandidos, em meio ao cansaço generalizado da tropa de Lampião, o sequestrado conseguiu fugir para o meio do mato.
Atualmente, as margens da rodovia estadual RN-072, na comunidade Caboré, se encontra uma cruz conhecido como “A cruz dos três heróis”, aonde o povo de Lucrécia e da região vêm homenagear àqueles que agora são conhecidos apenas como “Os Canelas”, ou os “Heróis de Caboré”. No local muitos rezam e pagam promessas e acendem velas em honra desses homens.
MOSSORÓ
Caso da Igreja de São Vicente de Paula e a questão do túmulo do Cangaceiro Jararaca. A notícia de que Lampião avançava na direção de Mossoró chegou aos ouvidos dos moradores de Mossoró em abril de 1927. À época, a Capital do Oeste Potiguar, como seus habitantes ainda gostam de intitulá-la, já era um dos municípios mais importantes do interior nordestino. Com 20 mil habitantes, localizada no meio do caminho entre duas capitais – Natal e Fortaleza –, em nada se assemelhava às pequenas cidades onde Lampião e seu bando atacava e saqueava o comércio.
Igreja de São Vicente de Paula, em Mossoró.
No dia 13 de junho de 1927, após dizer não a Lampião, que cobrou 400 contos de reis (em moeda da época 400 milhões de reis – atualmente uns 20 milhões de reais) para não invadir a cidade, começava um tiroteio entre moradores da cidade e os cangaceiros. A igreja de São Vicente de Paula foi o local principal da resistência. Lampião costumava dizer que “cidade com mais de uma torre de igreja não é lugar para cangaceiro”. Não se tratava de superstição, mas de raciocínio lógico – municípios com tal característica eram maiores e, portanto, mais difíceis de dominar. Os ocupantes das trincheiras no alto da Igreja de São Vicente e da casa do intendente tinham visão privilegiada do avanço das tropas. Tão logo o grupo surgiu no horizonte, iniciaram-se os disparos. Os cangaceiros, acostumados a desfilar nos povoados sem serem incomodados, foram surpreendidos.
Findando com a expulsão dos cangaceiros, a morte de alguns deles e a prisão do temível José Leite de Santana, vulgo Jararaca, enterrado vivo no cemitério da cidade, após cavar sua própria cova.
Túmulo do cangaceiro Jararaca.
A Jararaca é atribuída todas as crueldades. A mais famosa consistia em arremessar crianças para o alto e apará-las com a ponta do punhal. Trespassados pela lâmina, garotinhos leves o bastante para serem lançados na direção do sol morriam lenta e dolorosamente, em meio aos gritos dos pais – e às gargalhadas do cangaceiro.
O interessante é que hoje é visto como santo pelo povo, devido a crueldade com que foi morto. Recebendo o seu túmulo visita de milhares de pessoas em dias de finado e ao longo de todo ano. Na verdade mais prestigiado que o túmulo de muitos políticos famosos da cidade, enterrados no mesmo cemitério e esquecidos de todos. Mostrando que nem sempre o séquito que em vida rodeia os poderosos permanece uma vez morto. Ironicamente ao contrário do cangaceiro.
Túmulo de Rodolfo Fernandes.
O famoso chefe cangaceiro deveria ter pensado duas vezes antes de tentar invadir e ser expulso de forma humilhante, assim historicamente a cidade ligou seu nome ao famoso personagem Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Anualmente, em frente à igreja que funcionou como trincheira é encenada um musical chamado: Chuva de bala no país de Mossoró, que remonta todo o fato histórico e mantém viva a memória.
Os heróis da resistência de Mossoró, de toda forma foram bravos sim!
Mas por que o santificado é um cangaceiro e não um dos resistentes? Por que não santificaram o prefeito de Mossoró que liderou a resistência? Por que as fotos dos heróis da resistência são tão pequenas e a dos cangaceiros estão expostos em painéis enormes? Parece até que o povo de Mossoró não se identificou muito com os heróis da resistência!
Memorial da Resistência.
A história por trás do túmulo de Jararaca se confunde muito com o misticismo, com a conduta cultural de um povo. Jararaca apenas foi consagrado, por conta de sua bravura. O povo sempre busca o menor para enaltecê-lo. É perceptível essa situação no próprio cemitério, quando o túmulo de Rodolfo Fernandes não recebe o mesmo número de visitas correspondentes ao túmulo onde está Jararaca.
Precisamente no dia 28 de julho de 1938, Lampião e parte de seu bando eram surpreendidos pelos soldados da Força Policial Volante alagoana comandada pelo Tenente João Bezerra da Silva.
Surpreendidos, os cangaceiros que estavam acampados na Grota do Angico (Porto da Folha/SE), foram atacados ferozmente pelos soldados, não houve tempo para organizar um contra-ataque, fugir daquele inferno de balas era o único pensamento daqueles que ali estavam. Finalizado o tiroteio confirmou-se a morte de Lampião, de Maria Bonita e de outros nove cangaceiros, além de um soldado pertencente a Força alagoana. Escapando do local aproximadamente quatro cangaceiras e vinte e um cangaceiros.
Chegava ao fim a vida bandoleira de Virgolino Ferreira da Silva "Lampião".
Geraldo Antônio de Souza Júnior
No Arquivo da Faculdade de Direito do Recife há um relatório documentando uma viagem de observação e pesquisa na “zona sertaneja assolada pelo banditismo” realizada por uma comissão de estudantes da Faculdade na ocasião da morte de Lampião e de seus companheiros em Angico, sertão de Sergipe, em julho de 1938. (Arquivo da Faculdade de Direito do Recife - UFPE).
Imagens: Arquivo da Faculdade de Direito do Recife - UFPE