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19 agosto 2024

Vida e Morte de Virgulina

 Por Rangel Alves da Costa

Eu me chamo Virgulino, não tenho outro nome de pia, tendo por pai um José e por mãe uma Maria. Poderia ser chamado de Virgulino de Maria, mas outro apelidado me foi dado em distante freguesia. Um filho chorando um pai, pois morto em triste dia, quando a arma do poder tirou o que dele existia, jogando à própria sorte o que da família existia, fazendo surgir o ódio e toda vingança que havia.

Mas o que mais afligia era ser acusado de crime que nem de longe eu cometia. Dizer que minha família roubava a honra toda anuvia, cria no homem um ódio que nunca se atrofia, é querer criar bandido naquele de calmaria. Quando a fama se fez grande, acusado em demasia, então o jeito foi passar a ser aquilo que eu não queria, então agi pelo erro e fiz o que não queria: fazer o que não tinha feito pra provar a valentia.Coisa triste era a fome de vingança que eu sentia, mas não tinha outro jeito a dar naquilo que eu pressentia, ou dava o troco no troco ou escolhia a covardia, como não nasci pra temer então escolhi a ousadia, em dar um troco maior naquilo que me feria.
Quando o sangue jorrou nas terras onde eu vivia, o homem se fez em galope no filho de José e Maria. Uma chama acendeu, mas juro que não queria, e quando labareda comeu eu já estava em rebeldia, lutando contra o algoz desde o amanhecer do dia. 
 
Dói demais relembrar uma família em correria, saindo de canto a outro, sem ter sossego e alegria, e só se mantendo viva pelo revide que existia. Se bala viesse de lá, a bala daqui zunia, se tocaiado algum fosse, outra emboscada fazia.

Quando já sem pai e sem mãe, o mundo foi moradia. Ao lado de irmãos seguia nos rastros da valentia, levava comigo a certeza do que o mundo oferecia: lutar contra a injustiça e sua esfomeada sangria, ser um guerreiro do mato, um Lampião que na guerra alumia.

Na chama o Lampião, só assim me conhecia, deixado de lado o Virgulino e o filho de Maria. Foi nos carrascais desse mundo, na vida em descortesia, que empunhei arma e punhal pra viver em rebeldia, caçando e sendo caçado, no prazer e na agonia.
 
Eram muitos Lampiões que surgiam a cada dia. Na sina do sertanejo a dor que transparecia, maltratado e oprimido, um escravo de sesmaria, nas mãos do senhor coronel a desdita lhe doía, levando peso da canga e açoitado em grosseria.


Uma gente tão sofrida que a sorte lhe consumia, sem vez nem voz protetora, era água de bacia, derramada pelo chute do poder e sua demagogia. Capanga caçando irmão, no sertão a mesma pia, como se violar a pobreza causasse maior alegria. 
 
O povo desprotegido, a proteção mais queria, mas como encontrar alguém que lhe servisse de guia? Sinhô Pereira, Antônio Silvino ou Lampião, era o sertão que queria, ou alguém lhe defendia ou nada mais restaria.

E de repente Lampião já era o rei do sertão, o que muito enobrecia. Mas um viver de pesar que no prazer se fingia, todo adornado no ouro pra esconder o que a alma carcomia, sem descanso ao relento no peito a nostalgia. A punhalada da sina, na vida toda sangria.

Então no amor fui buscar o alento que queria. Depois de minha mãe Maria, eis que mais uma Maria. Essa toda bonita, flor no cabelo e laço de fita, e dizendo ninguém acredita, mas foi o prazer que tive em meio à vida maldita.


Por vinte anos vivi acendendo um Lampião, tratado com fidalguia, na fama e na honraria. Fui Capitão, do Estado a cortesia, e para fazer aquilo que eu dizia e não fazia. Não deseja fazer o que o poder queria, quando do outro lado o mesmo poder perseguia. 

Foi de conchavo e alinhavo, a trama que eu tecia. Do coronel a igreja, tudo à minha serventia. Mandava um bilhete assinado e logo o que eu queria, bastava me aproximar e toda porta se abria. Se um fogo despontasse, com fogo eu respondia.

Mas um dia o pavio do destino de vez me apagaria. Não foi na luta de homem, mas sim na maior covardia. Emboscaram todo o bando e o meu fim se fazia. Se levanto o mosquetão nada daquilo acontecia.

E foi o fim de Virgulino e também de sua Maria. Mas o homem que se foi na terra permanecia, não conseguiu ao sertão trazer a sua alforria, mas ensinou a lutar contra o mal que lhe oprimia, e continua a ensinar a não aceitar desvalia.

Rangel Alves da Costa, pesquisador, escritor, poeta
Conselheiro Cariri Cangaço - Poço Redondo, Sergipe
blograngel-sertao.blogspot.com

https://cariricangaco.blogspot.com/2017/

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18 agosto 2024

JOÃO BEZERRA X LAMPIÃO - POR QUE PROFANAR A MEMÓRIA DOS MORTOS?

 Por Sérgio Augusto de Souza Dantas*

Às vezes me pego pensando sobre possibilidades fáticas, critérios de lógica, metodologia histórica e coisas do gênero, principalmente quando o assunto é “cangaço” e a questão envolve seu principal protagonista, o 'Capitão' Virgulino Ferreira, o tristemente célebre “Lampião”.

Outro dia, por exemplo, lembrei-me de ouvir pela enésima vez a única entrevista que fiz com o Sr. Durval Rodrigues Rosa (ano de 2000), ex-prefeito de Poço Redondo/SE e um dos coiteiros de Lampião naquelas barrancas do rio São Francisco.
 
A conversa de Durval é desembaraçada, porém entremeada de gestos os mais diversos, como a ajudar a se compreender o que ele pretende contar.
 
Proseamos por mais de hora e meia.

A certa altura da conversa-entrevista, ele me diz o seguinte: "Na véspera do tiroteio, eu vi o tenente João Bezerra em Angico, jogando baralho com Lampião, Luís Pedro e mais outros cabras. Ele tinha ido ali deixar três sacos de munição encomendados por Lampião e ficara um pouco no coito, se distraindo no carteado”.

Recentemente eu ouvi mais uma vez a gravação da conversa e, inevitavelmente, não pude deixar de propor a mim mesmo algumas indagações, com intuito de esclarecer de uma vez dúvidas que rondam essa suposta visita do militar ao coito do cangaceiro. Creio que os confrades frequentadores deste ‘Blog’ poderão me ajudar a esclarecer algumas destas relevantes questões. 

Senão, vejamos: A primeira é de ordem cronológica:
Qual seria a ‘véspera’ referida por Durval? - O dia 27 de julho de 1938, decerto. Ocorre, porém, que durante TODO ESSE DIA 27, o tenente Bezerra esteve à frente da intricada operação para atacar os cangaceiros na Grota do Angico.
 
É fato que quando o sargento Aniceto Rodrigues recebeu a informação do coiteiro Joca Bernardo, sobre a presença de Lampião na fazenda Angico, ainda não era meio dia. Aniceto se apressa, pois a notícia parece ‘quente’. De imediato, o militar telegrafa ao seu superior imediato, o já referido tenente Bezerra, e transmite a mensagem de forma ‘cifrada’, a fim de não levantar qualquer suspeita. Naquele fim de manhã, o oficial estaria com sua tropa estacionada em Pedra (hoje Delmiro Gouveia, alto sertão de Alagoas), descansando de uma ‘batida’ policial realizada em possíveis esconderijos de cangaceiros na região de Mata Grande.
 
Mantido o contato com o seu comandante, o sargento requisita um caminhão e parte de imediato até um local predeterminado por Bezerra, o sítio Riacho Seco, fincado entre a cidade de Piranhas e a antiga Vila de Pedra.
 
Muito bem. 

Conversando, porém, com outras pessoas ligadas ao evento –como por exemplo, os cabos José Panta de Godoy e Antônio Vieira, além do sargento Elias Marques de Alencar - todos eles disseram que o tenente Bezerra estava em Pedra desde o dia 26 de julho e, o mais importante, 'dali não tinha saído para lugar nenhum, pois descansava da longa e extenuante operação realizada na região de Mata Grande'. Não só os soldados. Os Boletins Ordinários de Serviço da Polícia Militar de Alagoas, de ‘25’, ‘26’ e ‘27’ de julho de 1938, atestam a presença do tenente João Bezerra e do Aspirante Ferreira de Melo em Pedra, por ordem do comandante do Segundo Batalhão de Polícia, Coronel José Lucena de Albuquerque Maranhão. E agora, como ficamos?
 
Mas Durval fala que o tenente Bezerra esteve no coito, deixou balas e, de quebra, ainda jogou baralho com Lampião. Aí vem minha segunda dúvida:
Como Bezerra haveria feito isso? Teria ele o 'dom de desaparecer', igual ao que o sertanejo comum atribuía a Lampião?
 Poderia o tenente Bezerra ter saído de Pedra, atravessado o rio São Francisco, andado cerca de cinqüenta quilômetros, subido até a Grota do Angico, jogado baralho despreocupadamente e retornado ao local onde estava a tropa estava sem que ninguém notasse sua ausência? (1) (2).
 
Um comandante de volante, já oficial, passaria tão despercebido assim? - ora, para cumprir esse trajeto, Bezerra levaria algumas HORAS. De fato, se o militar estava contrabandeando munição, não viajaria pela antiga estrada entre Pedra e Piranhas. Do contrário, ele se movimentaria de maneira oculta, longe de ‘vistas curiosas’, por dentro da caatinga, o que aumentaria consideravelmente esse tempo de viagem. Alguém discorda desse ponto?
 
Uma terceira questão: Porque o militar levaria balas para Lampião, quando já sabia, naquele dia 27 DE JULHO, que teria que atacar o cangaceiro de ‘qualquer maneira e o mais breve possível’?
Imaginaria o tenente Bezerra, ao levar a munição ao famoso chefe de cangaço, em se suicidar e, ao mesmo tempo, submeter ao sacrifício os integrantes da tropa sob seu comando? - Penso que ventilar essa hipótese não seria nem um pouco inteligente. Vender bala ao adversário? – Beira o absurdo.
 
Pelo meu modesto entender, essa história toda é mais um fruto nascido da imaginação popular e do prazer mórbido, arraigado e cultural do brasileiro em denegrir instituições e pessoas.
Um mínimo de lógica nos faz chegar a conclusão que um comandante de tropa não desapareceria sem ser notado e, menos ainda, faria tão longo percurso SOZINHO, pois Durval Rosa não falava em outro militar acompanhando Bezerra em Angico. ESTAVA SÓ. Muito estranho, decerto!!
 
Alguém chama fatos assim de 'Mistérios'. Prefiro chamar de ‘criações’ ou de ‘fantasias’. A criação de um fato inexistente,que acaba, por indução e repetição contínua, resultando em sofisma ou em um silogismo viciado.
E essa história em torno do envolvimento de Bezerra com Lampião tem rendido.....aqui e ali ela volta à tona. O Sr. Durval Rosa, convenhamos, tinha as suas próprias razões para tentar implicar o oficial, pois a volante comandada por este, na fatídica madrugada de 28 DE JULHO, “exagerou no trato” para com ele e também para com seu irmão Pedro. Responsabilizar Bezerra como um dos fornecedores de munição para o capitão-cangaceiro seria uma forma “até mais ou menos justificada” de se vingar, posteriormente, do oficial e de seus comandados.
 
Mas, mesmo na atualidade, não são poucos os que encampam essa teoria e saem apregoando o disparate aos quatro ventos.  E eu pergunto: porque atingir tanto a honra de um morto? Qual a grandeza que há nisso? 
E mais um detalhe: eu já li inúmeros depoimentos de ex-cangaceiros e até mesmo já cheguei a entrevistar alguns deles nesta última década.
 
Os que falam sobre o assunto dão a entender que a munição usada pelo bando vinha por intermédio da própria da polícia. Ninguém disse uma mínima palavra que pudesse envolver poderosos Coronéis sertanejos. 

Isso é razoavelmente recorrente nos depoimentos. Porque razão estes senhores foram sempre omitidos pelos cangaceiros? Seria falsa – ou mítica - a relação ‘coronel e cangaceiro’?
E eu lanço mais uma questão: Como essas balas seriam fornecidas pela polícia? Diversos combatentes militares (dentre os quais, Joaquim Góis, José Rufino, etc..) afirmaram que, após terem lutado, viam com freqüência que as balas usadas pelos cangaceiros “eram INFINITAMENTE MAIS NOVAS” que aquelas que a própria polícia usava. Diferença, por vezes, de até quinze anos entre elas. Como as balas seriam novas para os cangaceiros e velhas para o corpo militar? 

A assim aceitar esta teoria, é referendar a seguinte premissa: “a polícia negociava as balas novas e ia para o campo brigar com as velhas”! Não há outra conclusão disponível. Ou, de outra forma: “os militares vendiam as balas novas e se lançavam em uma cruzada suicida, usando balas até QUINZE ANOS MAIS VELHAS que as que eram supostamente vendidas aos cangaceiros”. Seriam estúpidos assim? Estranho mesmo esse detalhe. Bizarro, diria. Aliás, alguém com um pouco de lucidez já percebe de cara esse descompasso. É patente e lógico demais.

E um outro aspecto: TODAS as balas recebidas por chefes de volantes tinham que ser, periodicamente, conferidas pelo comandado através de um relatório. O responsável teria que, obrigatória e periodicamente, apresentar uma relação (através destes relatórios) constando a munição recebida, a que foi gasta em combate e, ainda, informar o que tinha disponível para uso naquela data. Tudo era rigorosamente chegado, notadamente depois da Revolução de 1930. Controle absoluto das entradas e saídas de munição.
A coisa não parece tão simples como se conta.
 
O que quero dizer com isso tudo? - Simples: que já é mais que hora de deixar de lado essa tendência de atacar graciosamente - e sem provas - as instituições do país (às vezes somente à custa de uma interpretação ideológica já de muito ultrapassada) e CUIDAR DA HISTÓRIA REAL, desnuda de fantasias e baseada em rigoroso MÉTODO HISTÓRICO, para que os vindouros possam ter uma visão plena, imparcial e aceitável dos fatos, e não uma imagem distorcida propositalmente, nascida da simples vontade de denegrir!
 
Abraço a todos e votos de um Feliz 2010.
Sérgio Dantas .'.
NATAL/RN
NOTAS:
(*) Sérgio Augusto de Souza Dantas é bacharel em Direito, pesquisador independente e autor dos livros “Lampião e o Rio Grande do Norte” (2005), “Antônio Silvino: O Cangaceiro, O Homem, O Mito” (2006) e “Lampião: Entre a Espada e a Lei” (2008).
(1) A distância referida foi calculada com base em dados fornecidos por GPS. A medicação exata acusou 49,67 quilômetros em ‘linha reta’, de um ponto a outro.
(2) Em “Assim Morreu Lampião”, de Antônio Amaury Correa de Araújo, 1ª edição, 1982, pg. 101., Durval diz apenas que Bezerra ‘teria mandado as balas em dois sacos’. Não afirma que o viu no esconderijo. Com o correr dos anos, talvez pela confusão natural causada pela idade, a testemunha coloca o oficial em um animado carteado com Lampião e aumenta para três o número de sacos. É importante o estudioso estar atento a detalhes desse tomo.

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17 agosto 2024

MORTE DO RADIALISTA JOSÉ MARIA MADRID E PORQUE MADRID EM SEU NOME

  Por José Mendes Pereira

Dom Gentil Diniz Barreto, Alcides Belo e o radialista José Maria Madrid, todos já falecidos.

José Maria Neto ou simplesmente José Maria Madrid, tinha uma voz que admirava quem a ouvia, e foi radialista por muitos anos da Rádio Difusora de Mossoró, mas havia trabalhado em outras emissoras fora da cidade.

Certa vez, ele me falou que, a origem de "Madrid" como sobrenome do seu nome, foi porque em 1965, a "Orquestra Casino de Sevilla", da Espanha, esteve em Mossoró, e ele participou da apresentação ao público pagante. Como um dos cantores se chamava José Maria Madrid, assim que a Orquestra foi embora, os próprios amigos radialistas começaram a chamá-lo de Madrid. Assim ficou conhecido por onde ele passava, por "José Maria Madrid". 

José Maria Madrid não merecia, mas teve uma morte muito triste. Infelizmente, era viciado em um gole a mais. Residia no conjunto Abolição. Faleceu na noite do dia 20 de dezembro de 1994, vítima de uma tragédia que aconteceu nesta cidade, na ferrovia que liga Mossoró/Sousa-PB, no quilômetro 756, próximo ao Sítio Bom Jesus, quando ele foi esmagado por uma locomotiva. Logo após, foi sepultado no Cemitério São Sebastião, município de Mossoró-RN.

Nessa tarde, ele pegou um ônibus, na mente que estava caminhando para sua residência em direção ao Oeste, mas estava totalmente enganado. Caminhando em direção ao Sul. O ônibus fazia o Bom Jesus, bairro que fica muito distante do centro da cidade de Mossoró. Em certo lugar, ele desceu do ônibus, e foi até a uma casa e pediu água. 

A dona da casa perguntou-lhe para onde ele estava indo. Ele disse que caminhava para para sua residência, no bairro Abolição, isto é do outro lado da cidade. 

Ela lhe disse que ele estava enganado. Tinha que voltar para o centro da cidade, porque o bairro que ele procurou naquele momento, era o Bom Jesus. 

Ensinado por ela o local onde iria pegar o ônibus de volta para a cidade de Mossoró, não acertou, findou caminhando para dentro da mata, e lá caiu, ou resolveu deitar-se no meio da linha de trem, que naqueles dias, não mais passava o trem, somente o chamado trole, levando algumas coisas para reparar algo. 

A noite chega, e lá, ele está dormindo no meio dos trilhos. Mas infelizmente, o trole que vinha voltando para a Estação Ferroviária de Mossoró, os funcionários não perceberam, que ali alguém estava deitado. Passou por cima do radialista, o deixando desacordado.  

Antiga Sambra - hoje funciona um chopp - não tenho a fonte desta foto

Grande José Maria Madrid! Bebi muitas pingas com ele no restaurante da dona Necy, esquina com a antiga SAMBRA.

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Um pouco sobre a biografia do radialista José Maria Madrid

Por Lindomarcos Faustino

José Maria Madrid, Radialista – Rua existente no bairro Abolição IV, de acordo com a Lei Nº 1.876 de 18 de dezembro de 2003.

José Maria Neto cujo nome artístico era José Maria Madrid era natural do município de Santa Cruz-RN, tendo nascido no dia 12 de agosto de 1939. Filho do professor Cosmo Ferreira Marques e Maria Pia Marques. Chegou à cidade de Mossoró em 04 de novembro de 1951, quando passou a trabalhar na Rádio Difusora, onde permaneceu por 23 anos. Ele deixou viúva Claudete Maria Rodrigues Marques e dessa união nasceu os filhos: Ana Karina, Erika, Franklin, Rita de Cássia, Fabíola, Semirames e Vlademir. Foi um dos grandes locutores de rádio em Mossoró. Exerceu sua profissão nas seguintes emissoras: Rádio Difusora de Mossoró; Rádio Tapuyo; Rádio Libertadora Mossoroense; Rádio Rural de Mossoró; Rádio Princesa do Vale, em Assu-RN; Rádio Progresso, de Sousa-PB; Rádio Dragão do Mar, em Fortaleza-CE, além de outras. Faleceu na noite do dia 20 de dezembro de 1994, vítima de uma tragédia que aconteceu nesta cidade, na ferrovia que liga Mossoró/Sousa-PB, no quilômetro 756, próximo ao Sítio Bom Jesus, quando ele foi esmagado por uma locomotiva. Logo após foi se-pultado no Cemitério São Sebastião, município de Mossoró-RN.

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14 agosto 2024

LAMPIÃO, A VÍRGULA NA HISTÓRIA DO SERTÃO.

 Autora – Flávia Danielle

Anúncio jornalistico sobre a peça "Lampião", de Raquel de Queiroz, com o ator Othon Bastos Anúncio jornalistico sobre a peça “Lampião”, de Raquel de Queiroz, com o ator Othon Bastos. Estes atores trabalharam na montagem desta peça realizada no Rio de Janeiro.

Rachel de Queiroz (1910-2003) nasceu em Fortaleza – CE e desde cedo conheceu as agruras da seca (com destaque para a grande seca de 1915, a qual inspirou sua obra “O quinze”). O sertão lhe era familiar, seus habitantes e seus costumes eram uma constante na obra de Rachel. Ela teve intensa atuação política, foi membro do Partido Comunista Brasileiro e chegou a ser presa em 1937 por suas ideias de esquerda. Foi também a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras, em 1977 e uma das mais importantes romancistas do movimento regionalista de 1930, iniciado com a publicação de “A Bagaceira” de José Américo de Almeida em 1928.

A peça Lampião marca a estreia de Rachel no teatro, é também um exercício de jornalismo, pois Rachel baseou sua criação artística em uma pesquisa investigativa acerca da vida da personagem, seus costumes, suas façanhas, seus companheiros. Apesar de ser fiel à história verídica, a peça não se resume a um relato histórico da vida de Lampião, preso a uma fria narrativa dos fatos, mas é repleta de ação e emoção.

A transição momentânea de Queiroz da literatura para o teatro deu-se num contexto de carência de bons escritores das artes cênicas. A busca por talentos em outras áreas da criação artística tinha a intenção de fomentar o crescimento do teatro do Brasil na época. Uma prática um tanto criticada, pois ao creditar a um romancista uma produção teatral, há o grande risco de perder-se a noção de cenografia. Sobre essa questão, Décio de Almeida Prado (2001, p.93) afirma:

A maneira à primeira vista mais fácil de remediar a pobreza do nosso teatro será a de trazer alguns escritores para o teatro. […] Com isso teríamos o sangue generoso do romance e da nossa mais alta poesia aquecendo as veias algo atrofiadas do teatro […] a fórmula é tão falsa quanto atraente: não adianta a qualidade literária, desacompanhada de um mínimo de qualidades teatrais.

Lampião estreou em 1954 nos teatros Municipal do Rio de Janeiro e Leopoldo Fróes em São Paulo. Apesar das críticas, recebeu o prêmio Saci pela montagem paulista, concedido pelo jornal O Estado de São Paulo. Com cenários de Aldemir Martins (que ainda não estavam totalmente prontos no dia da estreia) e atuação de Sérgio Cardoso como Lampião, contando ainda com participações de Jorge Chaia, Vicente Silvestre e Carlos Zara, a peça foi uma aventura de banditismo, lutas e muita ação.

A cearense Raquel de Queiroz
A cearense Rachel de Queiroz

A trama da peça decorre em meio ao apogeu do cangaço, movimento surgido no Nordeste brasileiro, no início do séc. XX. O cangaceiro era, normalmente, classificado como “bandido”, pois os assim chamados “bandos” seguiam suas próprias normas, ignorando as leis estabelecidas pelo Estado. Parte dessa marginalização do cangaceiro deu-se porque este era um empecilho aos desmandos dos grandes fazendeiros, ou “coronéis” da época, que exerciam grande influência junto ao governo. Na verdade, os primeiros bandos do cangaço eram forças armadas montadas por um “coronel”, para exercer o poder, que se libertaram do jugo do seu mandante.

O sertão de Queiroz, seus encantos e críticas

A autora de Lampião recria em sua obra um ambiente já muito explorado pela literatura da época. O sertão nordestino foi cenário de muitas obras da segunda fase do modernismo brasileiro, também conhecido como período do “Regionalismo”, ou “Romance regionalista de 1930”. Os autores dessa fase uniram a análise sociológica à psicológica, buscando a verossimilhança da narração com a determinação do tempo e do espaço. Por relacionar a linguagem narrativa à realidade, foram chamados de “neorrealistas”.

Queiroz, em particular, retrata o sertão à sua própria maneira, verídica e cativante. Os diálogos de Lampião são sempre arrebatadores, “não há ninguém, no teatro brasileiro, que dialogue melhor do que Rachel de Queiroz” (PRADO, 2001, p. 94), isso porque ela exprime toda a variedade de sintaxe e riqueza de vocabulário presentes na fala das personagens.

Esta cena da peça remete a prisão de dois representantes comerciais no interior de Pernambuco. Fato que ocorreu em 1926, quando o bando de Lampião prendeu dois representantes, de duas grandes empresas, com sede em Recife. Esta prisão culminou indiretamente com o combate da Serra Grande, na zona rural de Serra Talhada, o maior combate da história do cangaço
Esta cena da peça remete a prisão de dois representantes comerciais no interior de Pernambuco. Este momento é baseado em um fato real que ocorreu em 1926, quando o bando de Lampião sequestrou dois representantes, de duas grandes empresas. Este sequestro culminou indiretamente no combate da Serra Grande, na zona rural de Serra Talhada. Este foi o maior combate da história do cangaço.

Por outro lado, as paisagens de caatinga não são facilmente adaptadas ao palco, as cenas de corridas, lutas e perseguições geralmente perdiam seu teor magnífico quando encenadas, eram reduzidas em seu potencial espetacular pelos limites do tablado.

Dentre as críticas recebidas por Lampião, está a de que há certa falha quanto à manutenção da unidade espaço-temporal na peça. A trama se desenvolve sem preparação e sem continuidade, formando um conjunto de atos pouco articulados entre si. O drama simplesmente acontece, fatos seguem-se uns aos outros sem que haja conexão plausível entre eles.

Em Lampião, Rachel busca mostrar as personagens características da região do interior nordestino, seus loucos, fanáticos religiosos e bandidos. A questão do fanatismo religioso é mais aparente em A Beata Maria do Egito (QUEIROZ, 1958), montada no Teatro Serrador, no Rio de Janeiro, tendo no papel-título a atriz Glauce Rocha. A autora mostra a devoção popular aos líderes religiosos da época como Padre Cícero e Antônio Conselheiro. Na trama, em 1914, a beata Maria do Egito, recém-chegada à delegacia de uma pequena cidade do Ceará, recruta populares para se juntarem à rebelião que Padre Cícero lidera em Juazeiro.

O retrato artístico de um cangaceiro

A trama de Lampião transcorre basicamente no sertão Nordestino, é difícil especificar uma região, pois o bando de cangaceiros é nômade e vive em acampamentos no meio da caatinga. Sabe-se, porém, que Lampião realizou suas pilhagens majoritariamente nos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Alagoas.

Cangaceiro Sabino, interpretado pelo ator Roberval Rocha, despoja um inimigo morto.
Cangaceiro Sabino, interpretado pelo ator Edgar Ribeiro, despoja um inimigo morto.

Virgulino Ferreira da Silva, ou Lampião, nasceu em 1898 no Vale do Pajeú, em Pernambuco. Seu nome remete à palavra “vírgula”, parada, talvez uma profecia de que o sertão iria parar de admiração, indignação e medo por seus atos. Lampião teve uma infância comum a todas as crianças de sua classe social, aprendeu a ler e escrever, mas logo foi trabalhar ajudando seu pai, carregando água, enchiqueirando bodes, dando comida e água aos animais. Mais tarde passou aos trabalhos de gente grande: cultivava algodão, milho, feijão de corda, cuidava da criação de gado. Posteriormente tornou-se vaqueiro e feirante.

Lampião viveu num período instável, de transições de séculos (do XIX para o XX), de amadurecimento da implantação da república, das transformações ocorridas no plano estético da arte com o advento das vanguardas europeias e, posteriormente, do modernismo brasileiro.

Sua entrada para o cangaço foi quase inevitável, depois de ter o pai assassinado por questões de briga familiar com seu vizinho José Saturnino, Virgulino e seus irmãos Antônio, Ezequiel e Livino Ferreira entraram para o bando de Sebastião Pereira, também conhecido como Sinhô Pereira. Em entrevista a Otacílio Macêdo para O Ceará, transcrita no Diário oficial, Recife, 1995, p. 9, Lampião disse:

Chamo-me Virgulino Ferreira da Silva […] Meu pai, por ser constantemente perseguido pela família Nogueira e em especial por Zé Saturnino, nossos vizinhos, resolveu retirar-se para o município de Águas Brancas, no estado de Alagoas. Nem por isso cessou a perseguição. Em Águas Brancas, foi meu pai, José Ferreira, barbaramente assassinado pelos Nogueira e Saturnino, no ano de 1917. Não confiando na ação da justiça pública, por que os assassinos contavam com a escandalosa proteção dos grandes, resolvi fazer justiça por minha conta própria […]

Grupo de cangaceiros jogando cartas, uma atividade bem comum nos momentos de descanso.
Grupo de cangaceiros jogando cartas. Uma atividade bem comum nos momentos de descanso dos verdadeiros cangaceiros.

O banditismo foi a forma que os irmãos Ferreira encontraram para exercer sua vingança, “procuraram no bacamarte as leis que decidissem a questão por falta de outras” (BARROSO, 1930, p. 93-94). Em 1922 o comando do bando de sinhô Pereira foi dado a Lampião, então com 24 anos. Doravante, o bando do famigerado cangaceiro só cresceria e atemorizaria as regiões por onde passava. Neste ponto dá-se o início da peça de Rachel de Queiroz.

Na única cena do primeiro quadro são apresentados alguns dos personagens principais, a ação transcorre na casa de Maria Déa e seu esposo, o sapateiro Lauro, em ponta de arruado, à margem do rio São Francisco. Logo nos primeiros momentos Maria conta a seu esposo que o bando de Lampião se aproxima da cidade, deixando-o atemorizado, pois, além do medo normal que essa notícia causaria a qualquer pessoa, Lauro era um tanto covarde, o que causava muito desprezo e até náuseas em Maria.

Insatisfeita com seu casamento e a despeito de ter que cuidar de seus dois filhos, Maria Déa manda um recado a Lampião, dizendo que viesse buscá-la se assim quisesse, para viajar o sertão e entrar para a vida do cangaço junto com ele. Eis que Lampião recebe o recado e chega à porta da casa, juntamente com seu bando, para levar Maria Déa, conforme a vontade da mesma. O bando de cangaceiros é então composto basicamente por Sabino, Antônio Ferreira (irmão de Lampião), Ponto-Fino (Ezequiel, também irmão de Lampião), Moderno (cunhado de Lampião), Corisco (ou Diabo-Louro), Volta Seca, Pai-Velho, Zé Baiano, Azulão, Pernambuco e Arvoredo. Apesar das súplicas de Lauro, Maria Déa ganha o mundo com Lampião e seu bando. Num ato de aparente misericórdia, o chefe dos cangaceiros resolve poupar a vida do pobre sapateiro.

Lampião (a esq.) vem buscar a jovem Maria Déa, interpretada pela atriz Ana Maria (do TEB-Teatro do Estudante do Brasil), ante o desespero do seu marido, o sapateiro Lauro. Na vida real o marido de Maria Déa, que seria conhecida como Maria Bonita, era José Miguel da Silva, sapateiro e conhecido como Zé Neném.
Lampião (a esq.) vem buscar a jovem Maria Déa, interpretada pela atriz Ana Maria (do TEB-Teatro do Estudante do Brasil), ante o desespero do seu marido, o sapateiro Lauro. Na vida real o marido de Maria Déa, que seria conhecida como Maria Bonita, era José Miguel da Silva, sapateiro e conhecido como Zé Neném.

O segundo quadro é composto por duas cenas, a primeira dá-se num acampamento na caatinga, um local não muito bem definido, debaixo de um grande Juazeiro. Dois viajantes são interpelados por Corisco, que desconfia que eles possam ser espiões delatores. À chegada de Lampião ao local, segue-se um diálogo no qual o cangaceiro designa os dois viajantes, o capangeueiro (negociador de diamantes) e o agente de seguros, para levar um recado ao interventor de Recife, uma carta de paz. Antônio Ferreira, Pernambuco, Arvoredo e Azulão os acompanharão até a residência de seu Juventino, em Barreiros, de onde seguirão viagem para Recife. Lampião pretendia cessar as hostilidades com os, por ele chamados, “macacos do governo”, trata então de propor um acordo: ele governaria o sertão a seu modo e o interventor governaria a Zona da Mata e o Litoral. Na segunda cena deste quadro o mesmo acampamento é o cenário, algumas horas mais tarde. Lampião e Maria Bonita dialogam, ela mostra-se consciente dos riscos desse modo de vida, cita exemplos de Pedra Bonita e Canudos, casos em que o governo superou a resistência e repreendeu as revoltas populares. Lampião, por sua vez, acha essas comparações infelizes, diz que seu padrinho, padre Cícero, o protege e que tem o corpo fechado para mau-olhado. Ele revela o motivo de ter deixado o ex-marido de Maria e seus filhos vivos: para que tenha em quem “desabafar” quando não puder mais aguentar as pressões da vida no cangaço, da paixão por sua mulher, do medo de uma traição. Chegam ao local Azulão, Arvoredo e Pernambuco, contam que em casa de seu Juventino, Antônio Ferreira foi mortalmente baleado acidentalmente. Lampião parece acreditar na história, porém manda os homens deixarem o bando e as armas e sumirem no mundo. Mas assim que eles viram as costas, desarmados, o chefe dos cangaceiros ordena que abram fogo contra os três homens que ele julga responsáveis pela morte de seu irmão.

Representação do casamento de Lampião e Maria Bonita na caatinga.
Representação do casamento de Lampião e Maria Bonita na caatinga, com o seu marido lhe suplicando que retorne ao lar. Da forma como a cena é retratada, nada disso ocorreu. Mas enfim é teatro!

O terceiro quadro possui apenas uma cena, o cenário é o mesmo, mas foi aperfeiçoado na tentativa de fazê-lo mais aconchegante. Volta-Seca foi fazer compra na cidade mais próxima e encontra um jornal no qual saiu a repercussão da carta enviada por Lampião para oferecer paz. Na primeira página, a foto do cangaceiro, uma matéria sobre a audácia dele em achar que pode tratar o interventor de potência a potência e a promessa do governo de represália a esse “insulto”. Sabino questiona a tentativa de paz de seu líder, diz que com o governo não tem acordo, que o chefe está esmorecendo, perdendo o vigor e a liderança. Lampião vê em Sabino uma ameaça, acusa-o de subverter seu irmão, Ezequiel, e, sem hesitar, fuzila-o com três balas à queima-roupa.

Ainda no mesmo cenário de acampamento, porém desmantelado, desenrola-se a primeira cena do quarto quadro, os cangaceiros e Maria Bonita aparecem em cena feridos e exaustos. O cerco do governo estreita-se sobre o rei do cangaço, e ele sente as consequências de querer ser um “estado dentro de um estado”. Desgastados, os três últimos homens de Lampião, Ponto-Fino, Pai-Velho e Moderno procuram água e mantimentos, já escassos. Ponto-Fino vai à busca de lenha, Moderno de água. Após um breve intervalo ouve-se um tiro, Lampião e Pai-Velho correm para averiguar a origem do disparo. Chega Ponto-Fino ao local em que Maria Bonita tinha ficado sozinha. Ele passa a assediá-la, oferecendo-lhe uma hipotética vida de calmaria na cidade de Juazeiro, proclamando que será o chefe do bando e ela será sua mulher. Maria Bonita fica indignada com tais pensamentos de seu cunhado, repreende-o. Chegam Pai-Velho e Lampião, este com uma fúria nos olhos, censura o irmão por ter atirado, justificando que o Sargento Calu está em sua caça e o tiro seria um chamariz. Ponto-Fino, ou Ezequiel, desafia o irmão, acusando-o de ter mandado matar Antônio Ferreira e questionando a morte de seu outro irmão, Livino, que não aparece na história a não ser por esta citação. Lampião, irado com a ousadia de Ezequiel, desafia-o para uma luta de faca. Segue-se a luta, da qual Lampião sai vencedor. Ponto-Fino fica muito ferido, mas não morre de imediato. Na segunda cena, mesmo cenário, cai a noite, Moderno monta sentinela, na qual é substituído pelo próprio Lampião. Em conversa com Maria, ele tenta justificar o ataque ao irmão, culpando a insolência de Ezequiel. Ela diz que pressente que o castigo está próximo, que o sangue dos inocentes reclama a vingança. Chega ao local Corisco com um pequeno bando de jovens cangaceiros, para se juntar ao Capitão Virgulino e ajudá-lo na sua retirada à grota dos Angicos.

Dez anos depois da montagem carioca da peça "Lampião", o ator Othon Bastos voltaria a interpretar um famoso cangaceiro. Desta vez seria no cinama, atuando como Corisco, no antológico filme "Deus e o diabo na terra do sol", dirigido pelo baiano Glauber Rocha.
Dez anos depois da montagem carioca da peça “Lampião”, o ator Othon Bastos voltaria a interpretar um famoso cangaceiro. Desta vez seria no cinema, atuando como Corisco, no antológico filme “Deus e o diabo na terra do sol”, dirigido pelo baiano Gláuber Rocha.

No quinto e último quadro o cenário é a Grota dos Angicos, segundo o próprio capitão, o lugar mais seguro de que ele dispunha. Lampião e Maria Bonita dialogam aos primeiros sinais da luz do dia. A mulher ambiciona deixar a vida de banditismo, ir para um lugar longínquo onde jamais se tenha ouvido falar em Lampião, este, por sua vez, afirma que seria como um atestado de covardia, coisa que ele não possuía. De repente, se ouve tiros, o refúgio derradeiro de Lampião é descoberto, ele foi traído. Ele e Maria Bonita são metralhados à morte, juntamente com os outros cabras que ainda dormiam. O fim da história de Lampião coincidiu com a decadência do cangaço. A entrada para a história, infelizmente, contou com a exposição de partes de seu corpo e dos homens de seu bando em praça pública. “As famílias dos cangaceiros do bando de Lampião, após uma longa batalha jurídica, puderam dar um enterro digno a seus parentes, vítimas da sociedade da época” (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 1969).

Lampião por Queiroz

A obra Lampião assemelha-se a um quadro expressionista da figura de Lampião. Em vez de imprimir, de fora para dentro, no texto a imagem que tinha do cangaceiro, Rachel exprimiu, com suas palavras, o sentimento que lhe despertava a história de vida do homem Virgulino. Porém, há algo a ser criticado na peça, a escassez de tempo que é dado ao público para que participe emocionalmente da ação. Prado (2001, p.94) afirma que:

De repente um cangaceiro qualquer, mal delineado psicologicamente, desconhecido da plateia, vem ao primeiro plano, revolta-se e Lampião o mata, antes que tivéssemos tempo de tomar pé no assunto […] de participar emocionalmente da revolta e do crime.

Mas isso não tira o mérito da grande Jornalista, cronista, romancista e dramaturga que foi Rachel de Queiroz, nem de sua peça Lampião. O estilo da autora é inconfundível. O Lampião de Queiroz em muito se assemelha ao imperador do sertão que se conhece hoje. Apesar de seus atos violentos, tinha também um lado humano e generoso. Ao Diário Oficial, 1995, p.9, Lampião revelou:

Tenho cometido violências e depredações vingando-me dos que me perseguem e em represália a inimigos. Costumo, porém, respeitar as famílias, por mais humildes que sejam, e quando sucede algum do meu grupo desrespeitar uma mulher, castigo severamente.

Ao mesmo tempo em que roubava e matava, dava também aos pobres, chegou a distribuir mais de um conto de réis com o povo do Juazeiro. Era desconfiado, pois tinha medo de traição por parte dos seus. “Lampião suspeitava de todos os alimentos que lhe entregavam e fazia com que fossem experimentados […] examinava com cuidado as garrafas” (GRUNSPAN-JASMIN, 2006). Católico e devoto a padre Cícero. Lampião certa vez disse (Diário Oficial, 1995, p. 9):

Sempre respeitei e continuo a respeitar o estado do Ceará, porque aqui não tenho inimigos, nunca me fizeram mal, e além disso é o estado do padre Cícero. Como deve saber, tenho a maior veneração por esse santo sacerdote, porque é o protetor dos humildes e infelizes

O homem Virgulino ou capitão Lampião não poderia se queixar da falta de menções ao seu nome, muitos foram os contos, livros, as músicas e cordéis que contaram sua história. “Era brabo, Virgulino Lampião, mas era, pra quê negar, das fibras do coração, o mais perfeito retrato, das caatingas do sertão” (Literatura de Cordel). O rei dos cangaceiros é mais uma vez retratado nessa brilhante obra de Queiroz, dessa vez com a fibra e a força características dos sertanejos.

Extraído do blog Tok de Histórias do escritor, historiógrafo e pesquisador do cangaço Rostand Medeiros

 https://tokdehistoria.com.br/2013/09/08/lampiao-a-virgula-na-historia-do-sertao/

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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