Quem não conhece a História, acha, com certeza, que naqueles idos dias do cangaço as crianças e adolescentes já nasciam e cresciam de arma em punho, sem seus pais nunca tomarem providências para que a violência não existisse.
Puro engano, tanto de um lado como do outro, houve tentativas da ‘coisa’ não ir ao extremo que foi. Ou seja: tanto o pai de José Alves de Barros, conhecido por Zé Saturnino, o senhor Saturnino Alves de Barros, como o de Virgolino Ferreira, conhecido por Lampião, José Ferreira da Silva, principalmente o último, fizeram várias e várias tentativas para que a paz reinasse naqueles rincões sertanejos.
Abaixo veremos, segundo João Gomes de Lira, ex-volante da Força Pública pernambucana, a primeira tentativa de José Ferreira, pai de Antônio, Livino e Virgolino Ferreira, para ‘apaziguar os ânimos’... Para fazer com que a violência parasse. Isso, lá pelos idos de 1917.
João Gomes de Lira
Aquele que nos conta essa parte da História, nas entrelinhas de sua obra literária, é nada menos nada mais, que um saudoso e valoroso nazareno que participou da guerra contra o banditismo rural naquele tempo.
“(...) Por não querer barulho, no ano de 1917, para não ver seus filhos em desmantelo, José Ferreira resolveu se retirar do seu lugar, sítio Passagem (das) Pedras.
https://professorpaulocesar.blogspot.com.br/2014/08/projeto-viajando-pela-historia-de-serra.html
Para isto, falou com o professor Domingos Soriano, para procurar um lugar no distrito de Nazaré para comprar (...) Tendo o Professor apalavrado no lugar Poço do Negro, (distando) três quilômetros para o povoado de Nazaré, um terreno pertencente ao Sr. Antônio Freire. Feito o negócio, José Ferreira vende a sua terra em Passagem (das) Pedras aos Senhores Venacinho Nogueira e Néo das Barrocas, ambos residiam na ribeira do Riacho de São Domingos. Concluído o negócio, foi feito um acordo: os “Ferreira” não deveriam ir ao Riacho São Domingos, como também José Saturnino com os Nogueira não deveriam ir à Nazaré. Desse modo, José Ferreira deixou a sua querida morada(...).” (“LAMPIÃO – Memórias de um Soldado de Volante” – LIRA, João Gomes de. 1ª edição, 1990)
Na vinda da família ‘Ferreira’ para a nova moradia, essa fora observada pelo pessoal que ali morava, no povoado de Nazaré. Um dos moradores, morador de um sítio próximo a Poço do Negro, lugar onde José Ferreira havia comprado um pedaço de terra para tentar criar sua família, observa com bastante curiosidade e atenção. Esse ‘observador’ narra mais tarde para os que moravam no povoado e circunvizinhança, e não presenciaram a passagem da família, como se portavam em suas montarias os ‘Ferreira’. Esse percebe que os filhos mais velhos de José Ferreira traziam armas na cinta e outras cruzadas nas costas seguradas por suas bandoleiras. Os “Ferreira” e Zé Saturnino e seus jagunços, já haviam trocados tiros, dessa forma, tanto um lado como o outro andava armado até os dentes, prontos para qualquer coisa que ocorresse.
Assim fora observado a entrada, ou passagem, dos ‘Ferreira’ pelo povoado de Nazaré, quando os mesmos estavam rumando para sua nova moradia: “chapéu de couro quebrado na frente e atrás, barbicacho passado no queixo, roupas de mescla, blusa tipo as usadas pelos cangaceiros do Sertão, montados em possantes cavalos galopando com os rifles enganchados aos ombros. Viajavam demonstrando uma verdadeira posição de combate, distante um do outro, tática usada pelos veteranos cangaceiros do Sertão. Tudo isso foi observado pelos nazarenos, principalmente pelo jovem Aureliano Francisco de Souza (Lero Chico), que se encontrava no lugar José Dias, próximo a Nazaré, onde presenciou tudo minuciosamente, inclusive viu que, quem viajava na frente, era o Inspetor Manoel Lopes.” (Lira).
Zé Saturnino ordena que um de seus ‘homens’, chamado Tibúrcio dos Santos, fosse tocaiar os irmãos ‘Ferreira’ quando, e se, os mesmos viessem visitar uma de suas tias, Joaninha Ferreira, de quem, ou por quem os rapazes tinham grande apreço, que morava nas redondezas da fazenda Pedreira, sua propriedade, nas imediações da Serra Vermelha. A emboscada feita por Tibúrcio não rendeu nada, pois nenhum dos três irmãos, Antônio, Livino ou Virgolino, foram para aquelas paragens.
A verdade é que não encontramos prova alguma da quebra do acordo pelos ‘Ferreira’ a não ser uma ‘desconfiança’ que teve Zé Saturnino de que os seus inimigos iriam visitar uma tia, não gostando, embora fosse só desconfiança, manda alguém emboscá-los.
No acordo que gerou a primeira mudança da família Ferreira do Sítio Passagem das Pedras para o Sítio Poço do Negro, em uma parte dele ficou acordado que: nem os “Ferreira” podiam ‘fazer’, ir, para a feira-livre de Vila Bela, nem Zé Saturnino faria, visitaria, iria à feira livre do povoado de Nazaré. No acordo, os “Ferreira”, nitidamente, levam desvantagens em tudo. Primeiro por terem que vender sua propriedade por um preço muito abaixo do que valia e não ter recebido a quantia completa. Segundo, como eram almocreves, precisavam, necessitavam de uma feira mais ampla para que suas mercadorias tivessem maior saída. Porém, nos revela a história que eles não foram vender suas mercadorias em Vila Bela, cumprindo assim o que fora acordado.
Zé Saturnino, segundo a historiografia do tema, havia vendido um animal, provavelmente um cavalo, a um cidadão que morava em uma das casas do povoado de Nazaré, chamado Agripe de Manoela, que, provavelmente possuía uma propriedade rural nas imediações. Nada encontramos, lemos ou escutamos, do local em que se dera o negócio, nem tão pouco a sua data. Ocorrera-se então a venda, antes ou depois do acordo feito?
Zé Saturnino no primeiro meado do ano de 1918, resolve ir, junto com um de seus homens chamado José Cipriano, os dois viajavam armados, receber a quantia pelo animal vendido, só que na casa do comprador, ou seja, no povoado de Nazaré, desobedecendo e quebrando o acordo feito pelo seu pai entre as duas famílias.
“(...) José Saturnino, tinha vendido um animal ao Sr. Agripe de Manoela, que mora em Nazaré, e o mesmo achou por bem ir receber o pagamento do animal vendido, em Nazaré. Assim, entre os meses de fevereiro a março de 1918, José Saturnino com o companheiro José Cipriano foram para Nazaré, desobedecendo Saturnino, ao acordo que haviam firmado (...).” (Lira)
Bem, a ida de Zé Saturnino, para receber o tal dinheiro do animal vendido, ou não, não passou despercebida por um dos irmãos “Ferreira”. Naquela ocasião, Virgolino, terceiro filho de José Ferreira encontrava-se no povoado acompanhado pelo primo Domingos Paulo e, notando a presença do inimigo, junto com outra pessoa, achou ser uma afronta ao acordo feito com seu pai, José Ferreira. Desse momento em diante, Virgolino e seu primo não perdem mais nenhum movimento que fazia seu inimigo. O que danado, deve ter pensado Virgolino, estava fazendo Zé Saturnino em Nazaré acompanhado por um de seus homens, pois o mesmo, o jovem Virgolino, nada sabia sobre a venda do animal?
Um cidadão que momento também se encontrava em Nazaré, Major João Gregório Ferraz Nogueira, observa a vinda de Zé Saturnino e como Virgolino estava a lhe prestando atenção. Sabedor da intriga e do acordo entre as famílias, vai até onde encontrava-se Zé Saturnino e lhe segreda como o filho de José Ferreira o estava vigiando, portanto, que estivesse sempre alerta, tomando cuidado. O homem do sertão já é sem medo por natureza, e Zé Saturnino sem fugir a regra, não temendo a Virgolino nem a outra pessoa qualquer, fosse Ferreira ou não, responde ao amigo que não estava ali em busca de briga, porém, se isso fosse o que queriam, estava pronto para tudo.
“(...) pediu a José Saturnino que tivesse muito cuidado. Este agradeceu, porém dizendo que não os temia, que podiam vir do modo que entendessem, pois estava pronto para recebê-los do jeito que quisessem. Adiantou que não estava ali por afronta a ninguém, porque a finalidade de sua presença em Nazaré era a de receber o dinheiro de seu negócio (...).” (Ob. Ct.)
Bem, o dia vai passando e Zé Saturnino e seu jagunço ficam no povoado. Virgolino os acompanhou, de longe, todo o tempo. Vendo que o sol já havia pendido para o poente a bastante tempo, chama seu primo e saem antes dos inimigos do povoado. Sabiam a estrada que seu inimigo tomaria para retornar a sua propriedade, então, chama seu parente, escolhem um local e botam uma tocaia nele. Ao serem avistados pelos que faziam a tocaia, esses abrem fogo prematuramente, perdendo de acertarem o, ou os alvos. Zé Saturnino e seu acompanhante estavam alerta o tempo todo, nisso, ao primeiro sinal de perigo, esporearam as montarias se livrando de serem crivados de balas.
Lampião e seu irmão Antonio Ferreira
José Alves de Barros, o Zé Saturnino, não gostou nadinha da tocaia que fora vítima. Então, ao chegar a sua casa, passa a noite matutando uma maneira de ir à desforra. Ao amanhecer do dia seguinte junta dezesseis jagunços que trabalhavam para ele e saem para acertar as contas com Virgolino. Virgolino naquela manhã se encontrava na casa de uma tia, chamada Chica Jacoza, no sítio Poço do Negro. Com Virgolino estavam, naquele momento, Manoel Lopes, seu tio, os primos Sebastião, Francisco e Domingos Paulo mais uma jagunço que trabalha para eles chamado Luiz Gameleira. Faltava, por estarem a trabalho no município de Triunfo, PE, Antônio e Livino Ferreira, irmãos de Virgolino. A coisa não foi moleza. Quem veio atacar, veio disposto a acabar com tudo e com todos que na casa estivessem, porém, toparam com uma dureza danada.
Clique no link para conhecer o Levino Ferreira da Silva - http://blogdomendesemendes.blogspot.com.br/2015/07/pais-e-irmaos-de-virgolino-ferreira-da.html
Alguns autores classificam como sendo o ataque à casa da tia de Virgolino, a definição da ‘questão’ entre Virgolino Ferreira, Zé Saturnino e a família Nogueira, a qual pertencia a esposa do segundo... Nas quebras do Pajeú das Flores.
Fonte "LAMPIÃO - Memórias de um Soldado de Volante" - LIRA, João Gomes de. FUNDARPE, Recife, 1990.
“LAMPIÃO – A Raposa das Caatingas” – IRMÃO, José Bezerra Lima. 2ª Edição. Salvador, 2014.
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