18 de mar. de 2019

ANTÔNIO CONSELHEIRO E A ESTRADA DE CURRALINHO

*Rangel Alves da Costa

Até os inícios do século XVIII, os sertões sergipanos constituíam-se apenas em vastidões desconhecidas, hostis e tomadas de sua vegetação nativa: a caatinga e as cactáceas alargando-se de canto a outro. Resquícios de tribos indígenas habitantes na região e marcas deixadas pela presença do homem pré-histórico.
Não havia caminho aberto entre os carrascais, estradas entremeando as distâncias, tão somente as veredas abertas pelos deslocamentos daqueles habitantes originários. Significa dizer que os sertões eram um mundo só, fechado em mataria e habitado somente por pequenos grupos humanos sem a intenção de desbravar para povoamento maior. Tanto assim que as tribos existentes acabaram se deslocando para outras regiões ou simplesmente desaparecendo pelo esgotamento dos seus.
O que se tem hoje como Alto Sertão Sergipano, desde os municípios de Nossa Senhora da Glória aos últimos limites de Canindé de São Francisco, nada mais era que um labirinto de vegetação ora esverdeada ora esturricada perante as chuvas e as estiagens. Mata fechada, perigosa demais ante o desconhecido, sem qualquer percurso aberto que permitisse o deslocamento seguro de canto a outro. O único caminho era o Rio São Francisco. E mesmo quando as primeiras estradas começaram a ser abertas desde a Boca da Mata (primeiro nome de Nossa Senhora da Glória) até onde desse o caminhar sertanejo, ainda assim o Velho Chico continuou como único meio de transporte e passagem.


Por ser o São Francisco o rio que permitia a entrada e a saída dos sertões, somente através de seu leito aquelas distâncias desconhecidas começaram a ser desbravadas e habitadas. Geralmente fugindo das revoluções litorâneas ou mesmo em busca de novas terras para o assentamento de seus rebanhos e famílias, as pessoas colocavam seus pertences essenciais em cima de embarcações e seguiam até onde o rio os levasse, aportando nas margens que lhes pareciam mais apropriadas e erguendo casebres e construindo currais para que seus rebanhos não se perdessem sertões adentro. Três destes famosos currais que deram origem a povoações foram o Curral das Pedras (Gararu), o Curral do Buraco (Porto da Folha) e Curralinho (em Poço Redondo).
Contudo, entre as margens e seus currais - até mesmo depois que foram tomando feição de povoamento - e os sertões mais além, após as serras e em meio à caatinga, não havia caminhos abertos que servissem de destino certo de lugar a outro. Aquelas pessoas que já haviam adentrado os sertões e buscado outros meios de subsistência em regiões mais afastadas das margens do rio, alcançaram seus destinos abrindo a mata com facões, facas, enxadecos e outros instrumentos cortantes. Deixaram apenas trilhas e veredas por onde passaram, sem dar a largueza suficiente para veredas seguras.
Desse modo, o percurso da beira do rio de Curralinho até o Poço de Cima (primeira povoação de Poço Redondo), por exemplo, era feito apenas por veredas abertas no mato, sem estrada aberta nem caminho seguro. Um caminho aberto, mais definido e servindo como norteamento aos viajantes, surgiria apenas após a passagem de Antônio Conselheiro e seus seguidores, lá pelos idos de 1874. Daí que o que se tem hoje como Estrada de Curralinho, não obstante a existência de outras veredas abertas em meio ao mato, na verdade surgiu com a comitiva de fé e abnegação do Santo de Canudos.
Em busca de sua Terra Prometida, o Conselheiro e seus fiéis chamaram a si o ofício de não apenas abrir estradas como de promover melhorias nas localidades de fé e religiosidade por onde passassem. Não gostava o Conselheiro de avistar cruzes despencadas pelo tempo ou destruídas ao acaso do abandono. Não gostava o pregador de encontrar igrejinhas caindo aos pedaços ou erguidas somente nos seus alicerces e bases. Não gostava o missionário de encontrar cemitérios tomados de mato, entristecidos demais pelos descasos e omissões dos homens para com os seus entes queridos. Acerca de tudo isso o Santo de Canudos se preocupou. Portanto, não era uma marchava apenas com um destino, mas uma caminhada construída também deixando para trás contribuições tão úteis e necessárias à religiosidade e à fé naqueles sertões.


A importância da passagem do Antônio Conselheiro pelos sertões sergipanos ainda está bem viva em Poço Redondo. A estrada aberta e a igrejinha reconstruída dos escombros, diz muito bem dessa abnegação daqueles fiéis e proféticos dos tempos idos. A estrada é a mesma e com o mesmo percurso, a igrejinha e a mesma e com a mesma feição. Daí a sabedoria em alguns sertanejos ao homenagear o velho missionário ainda chamando aquela via de Estrada do Conselheiro, bem como sempre denominando a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, no alto da entrada da povoação ribeirinha, de Igreja do Conselheiro.
Atualmente, seguindo pela estrada e meio à paisagem sertaneja, é como também se estivesse seguindo os passos daquele homem alto, magro, esguio, barbudo, de roupão longo e sandália nos pés, guiando o seu povo com o seu cajado. Ele já não está, mas os seus feitos continuam. E a sua fé também.

Escritor
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