9 de abr. de 2022

OPINIÃO CANGACEIRA: PEQUENA REFLEXÃO SOBRE A TRAMA PARA À INVASÃO DE MOSSORÓ

 Por José Cícero


Mesmo após 95 anos muito ainda se discute até hoje e sem muito consenso, acerca do real motivo que deflagrou a invasão de Mossoró-RN pelo bando de Lampião somado aos jagunços de Isaías Arruda e dos irmãos Marcelinos. Fato ocorrido no dia 13 de julho do ano de 1927.


São fartas e díspares como se ver as muitas versões surgidas e que tentam elucidar a verdadeira motivação de tal acontecimento. Talvez o mais debatido e emblemático que compõe a densa e polêmica literatura história do cangaço lampiônico.

Ao meu juízo, não apenas uma, porém duas foram as motivações que mais se aproximaram da verdade que acaso se procura. A primeira seria política, enquanto a segundo, puramente financeira na qual se incluem, além do coronel Isaias Arruda, Massilon Leite e o próprio Virgulino Ferreira, com todo o seu exército de facínoras que comandava. Contudo, para que se possa melhor compreender este cipoal de acontecimentos é preciso,, com o perdão do pleonasmo, começarmos pelo começo. Senão vejamos: Ora, desde 1924 que os ânimos políticos se acirravam a partir da região de Pereiro, entre os poderosos daquela região. Décio Holanda e o cel. Francisco Pinto, este último, por sinal parente de Rodolfo Fernandes, então prefeito de Mossoró, famoso por ter organizado a resistência contra os cangaceiros. E que, inclusive, morreria cerca de três meses após este episódio.

É provável que Décio Holanda teria interesse no enfraquecimento do poder político dos Fernandes como forma de derrotar seu arquinimigo o cel. Francisco Pinto. De modo que a invasão da cidade potiguar seria sua principal estratagema.
Soubera, inicialmente do bando de Isaías por meio do jagunço aventureiro Massilon Leite nativo da vizinhança que anos antes já havia promovido algumas maldades criminosas e outras estripulias, por pequenos vilarejos nas redondezas; tanto na PB quanto no próprio RN; a exemplo de Canto do Feijão, Uiraúna, bem como Apodi, Itaú e Gavião. Cometendo com seu grupo de malfeitores, roubos, destruição, estupros e até assassinatos de desafetos.Há que diga, inclusive, que parte do dinheiro obtido nestes saques violentos fora dividido com o cel. Isaías, cujo encontro ocorreu na fazenda Ipueiras onde residia o seu braço direito na Aurora, seu primo José Cardoso. De tal sorte que, por conta desta divisão de lucro se supõe ter havia entre ambos uma parceria criminosa.

Não costumo acreditar muito em certas coincidências colocadas na conta do destino. E sim nos propósitos buscados e estabelecidos pelos desejos e a vontade ambiciosas de poder dos homens. De maneira que, coincidência ou não, no dia exato da partilha Lampião já se encontrava arranchado para descanso por quase um mês no seu famoso coito. Isto é, no sopé do serrote do Diamante sob às atenções e os cuidados do sitiante Miguel Saraiva. Tido como aliado de José Cardoso e vaqueiro do próprio coronel.

Lampião viera antes da serra do Mato da Goianinha, terra do velhacouto seu amigo cel. Santana. No Diamante aguardava via Ipueiras armas e munições oriundas de Missão Velha. O que indica que o capitão já sabia da trama engendrada. Sabendo da presença de Virgulino Massilon arquitetou a ampliação do plano inicial. E assim convenceu Isaías a se associar a nova empreitada; como ainda, a aquiescer o rei do cangaço a participar. Traçou planos de mapa, cantou vitória, fez contas e contou pabulagem sobre a suposta facilidade do ataque. Apresentou numericamente o lucro das suas últimas investidas aquela região comandando jagunços do seu pequeno grupo.
Além de armas e balas guardadas nos porões do seu palacete em Missão Velha onde morava, o prefeito Isaias ainda forneceu 30 contos de rés. Sendo assim o verdadeiro patrocinador do malsinado plano. Conforme disseram; ainda armas e munições recebidas do deputado Floro Bartolomeu, remanescentes da época da formação dos Batalhões Patrióticos.

Pelas conversas de Massilon e a quantidade de dinheiro obtida em Apodi o coronel não somente admoestou Lampião, como também acreditou que lucraria por baixo, três vezes mais da quantia empregada. Além de também agradar os interessados do rio grande. Fez recomendações a Zé Gonçalves e Antonio de Rita sobre a jagunçada que seguiria com o bando de Lampião para à ribeira potiguar. Somente os mais corajosos e experientes. Mandou recado aos Marcelinos pras bandas do Chiqueiro das Cabras na zona rural de Missão Nova.

Depressa formou-se ali um verdadeiro conglomerado de aventureiros, bandoleiros, Jagunços e cangaceiros. Gentes da pior espécie dispostas a matar e a morrer por ouro e por dinheiro; todos sob o comando de Lampião. Portanto, além do bando de Virgulino e dos subgrupos de Sabino Gomes, Jararaca, Massilon, João 22 e do próprio Isaías, incluíram-se ainda dois empregados de Zé Cardoso. Entre os quais o jovem Antonio, morador da Ipueiras que mais tarde receberia de Lampião o apelido de Asa Branca; o mais jovem dos cabras que integraram o bando de malfeitores.
Do riacho das Antas de Aurora também fizeram parte do conluio: Zé Cocô e José Roque, vez que um terceiro de nome Antonio Soares terminou ficando no Diamante por ter adoecido na véspera.

Deixaram a Ipueiras no dia 9 pela madrugada tomando os rumos do RN. Estavam armados até os dentes.Mal sabiam o que de fato os esperava. E assim, logo após deixarem dos limites territoriais do Ceará, como nunca se viu; Lampião pareceu inebriado pela aventura de pisar o solo do RN pela primeira vez na vida. Ao ponto de não se importar tanto com os desmandos, as depredações, a bebedeira e o rastro de violência promovida pelo bando durante o percurso. Estava em curso a marcha para Mossoró. Para o rei do cangaço tudo ali pareceu estranho. Quem sabe, uma novidade até mesmo para quem era tido como grande estrategista, autêntico "preá" das caatinga sertaneja.

O resto desta história todos já sabem. Como do seu total fracasso, dada a heroica resistência mossoroense comandada pelo destemido prefeito Rodolfo Fernandes. Como das mortes dos cangaceiros Colchete e Jararaca logo na chegada. Bem como da volta do bando para Aurora acuado e perseguido pelas volantes de três estados. Chegando em alguns embates como da serra grande à proporção de quatro soldados para um cangaceiro. Ainda, da chegada à fazenda Ipueiras onde aconteceu a suposta traição do coronel. E onde houve o cerco do bando com o incêndio do pasto, o tiroteio e a célebre tentativa de envenenamento da comida oferecida por Zé Cardoso a mando de Isaias e major Moisés.

Muitas coisas ainda hoje não se sabe. Muitas indagações ainda sem respostas. Como o covarde assassinato no grotão da Catingueira, do jovem vaqueiro do Jatobá, pego como guia por Massilon. Quando registros dão conta de que o mesmo desertara ainda antes de Limoeiro na altura sitio Letrado.
Perguntas que ainda ecoam como rimbombear de balas nos ouvidos e no juízo de leitores e pesquisadores deste pedaço importante da história do cangaço. Tais como: Houve mesmo a traição de Isaías? O cel. tramou de fato a morte do seu amigo Lampião negociando-a com o governador Moreira da Rocha? O major Moisés Leite de Figueiredo, por sinal cunhado do coronel facilitou a fuga de Lampião junto com seu bando como acusou a imprensa da época?

Por que razão as volante, senão do Ceará não tomaram parte diretamente do cerco e do 'fogo da Ipueiras'?

Que outros potentados e autoridades da região também apoiaram a invasão à Mossoró? Ou será que tudo isso não passou de uma grande farsa?
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Prof. Escritor, pesquisador e poeta.
Aurora - CE.

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José Cícero Silva

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