Do acervo do pesquisador do cangaço Rubens Antonio
25 de janeiro de 1927, no “O Combate”:
Papeis invertidos.
Lampeão não depredou Limoeiro... Mas a força parahybana quasi arrasa tudo!
Uma sensaccional entrevista com o prefeito daquella cidade
.
FORTALEZA, 25 [Agencia Brasileira – Pelo Submarino] – O prefeito de Limoeiro agora chegado do interior, tem sido alvo das attenções dos reporters e dos photographos avidos de detalhes sobre a invasão dessa cidade pelo bando de Lampeão.
Depois de vaias recusas resolveu o mesmo falar aos jornaes e da forma seguinte:
Reporter: – Poderia descrever a acção de Lampeão em Limoeiro?
Prefeito: – Com muito gosto. Este bandido esteve, de facto, em Limoeiro, onde passou um dia e uma noite, esta numa fazenda afastada umas tres legoas da cidade.
Manda a justiça que se diga não ter elle nem qualquer dos seus homens praticado a menor depredação, nem desrespeitado a quem quer que fosse.
Excessos mesmos, de quem bebe cachaça, e que é uma coisa natural nessas gentes, elles não praticaram alli,
Reporter: – Mas, dizem, entraram na cidade ovacionando as autoridades.
Prefeito: – É certo que invadiram aquella localidade dando hurralis ás autoridades, como tambem é veridico ter sido a sua primeira ordem: aqui não se pega naquilo que não for nosso.
Reporter: - Constou aqui que o senhor teria estabelecido perfeita cordialidade com Lampeão.
Prefeito: - Lampeão, ao penetrar na cidade, mandou me solicitar uma audiencia especial, e, coisa interessante marcava, elle proprio, logar e hora para a realisar.
Em virtude do mêdo reinante, e procurando poupar o municipio ao saque, accedi em ter contacto com o cangaceiro. Fui muito bem recebido.
A principio, um certo respeito, depois fui tratado com muita gentileza lá ao modo do facinora, que não tardou a se acamaradar de uma maneira petulante. Mais ou menos senhor da scena, jogou com o seu intento: - precisava de dinheiro e queria o. Recursei seccamente o pedido. Elle insistiu, tendo nova recusa de minha parte. Tornou a insistir, obrigando me a dizer lhe que eu não tinha dinheiro e que o municipio tambem não tinha um real. Voltou-se para o seu ajudante de campo, um tal Sabino e disse:
- “veja só! a gente pede, torna a pedir de bons modos e recusam, quando se rouba gritam...”
A ameaça era grave e, a despeito de me pegar de surpreza não fez com que perdesse a minha presença de espirito. Depois de dar um passeio vagaroso pela quadra onde estavamos os tres pergunta me:
- “onde anda o Moysés”
“O major Moysés, respondi, não estava em Limoeiro, no momento”
Novo passeio terminado com a seguinte phrase: - Não estou satisfeito, por que não gosto de vir ao encontro de alguem ou de alguma coisa para se rmal succedido. Se encontrasse o Moysés teria que ajustar com elle umas contas velha...” Depois de assim monologar despediu-se dizendo me que pensasse sobre o dinheiro.
Mais tarde encontram-nos de novo.
Eu ia com o padre Guedes, e Lampeão com o Sabino. Lampeão abordou me de novo. Exigiu dez contos de réis. Tornei a recusar, mas notei caracteristico movimento contrafeito de Lampeão, que olhou para Sabino. Offereci-lhe dois contos, de minhas economias.
Neste momento o “ajudante de campo” interrompeu a conversação dizendo:
“Ué... dois contos... isso, moço, não é dinheiro p’ra nós...”
Tinha um ar de mofo e deboche, despido de qualquer affectação e midos de seu indifferentismo por quantias pequenas.
O padre Guedes compreendeu tudo e voltando para Sabino bateu-lhe no hombro, num gesto de camaradagem e disse-lhe: - “É pouco, mais o que se pode dar, antes pouco que nada.”
Lampeão riu-se e reolveu acceitar os dois contos de reis.
Não os trazia commigo, mas fiquei de dal-os mais tarde. Ja estavamos partindo quando o cangaceiro falou:
- “Dois contos, mas numa condição: precisamos de balas e vocês nol-as darão.” Retruquei logo: deste artigo não ha aqui na praça. Caso se convença da sua existencia me avise para que possa intervir no sentido de ser satisfeito seu pedido, e – com todo geito, prosegue o prefeito o ia evando o bandido. A minha prudencia chegava mesmo a me causar impressão. Já tinhamos andado quando Lampeão voltando se disse
– “Olhem: podem avisar por ahi que me responsabilisarei por tudo que tomarem os meus homens, salvo bebidas, pois, não as reputo genero de primeira necessidade.
Reporter: - Quando se foram os bandidos.
Prefeito: - Muita esperança tivemos de que mal recebesse os dois contos partir-se, mas dali foram aalmoçar a contento, todos elles, e depois, correram ás casas commerciaes adquirindo do melhor e pagando tudo por altos preços, sem regatearem.
Á tarde desse dia Lampeão deu donativo para a igreja e em frente desta, cercado de toda a garotada local, deu a seguinte ordem: - “Despejem esses bolsos de nickels e pratas aqui. Vocês não são burros de carga!”
De facto, sem a menor repulsa, todos despejaram seus bolsos que estavam abarrotados de prata e nickel. Em seguida passou a fazer – galinha gorda – com a meninada. Emquanto esta luctava e se esmurrava, Lampeão e os seus riam-se á vontade divertindo-se a valer, com os meninos. Foi tanto dinheiro jogado ás creanças a despeito de seu grande numero a que menos logrou apanhar pratas colhei dez mil réis. Antes disso já havia dado esmolas aos cégos e aleijados, de cedulas de dez mil réis.
Foi, no adro da igreja que fui ter com Lampeão para lhe entregar o dinheiro. Recebeu-o e ia guardal-o quando adverti:
“É conveniente contar.”
Retrucou:
- “Qual nada. Não costumo tratar com que não seja serio”.
Creia que me revoltava tudo aquillo, mas, soffria calado as affrontas para poupar a cidade ao saque.
Guardando o dinheiro disse ainda:
“Confio no senhor. Em seguida trato a bolsa de couro, a tira collo.
Com dificuldade a abriu e não menor foi a para conseguir que o dinheiro coubesse lá dentro, pois a mesma estava transbordando de cedulas graudas. Já declinava o dia. Todos nós convenceramos que, ao receber dinheiro elle levantasse acampamento. Qual nada, e travo ia continuar, para mim e todos os dalli.
De repente disse-me.
– Preciso falar para Aracaty, á noite é preciso que o telegraphista não avise coisa alguma. Quero ir consigo.
A hora aprazada lá estava Lampeão na estação telegraphica – Falou: o direto para Aracaty, ordenou para o telegraphista:
- “Repita a ligação para Russas.
- Não posso, pois não tenho linha livre...
- Reputa já disse...
E como o telegraphista tentasse subtilmente isolar o apparelho.
Não desligue o apparelho... quero falar com Russas.
Foi feita, afinal, a ligação, e, veio se a saber estarem alli forças da Parahyba. Cheio de raiva, mandou que pedisse o rapaz do telegrapho confirmação da noticia. Esta veio. Sem que ninguem esperasse falou alto:
- “Vou defender esta cidade”!
E incontinente passou a dar ordens a Sabino. Foram expedidas patrulhas, distribuidos piquetes nas estradas e atalhos da região. Tudo aquillo impressionava a todos, pois o homem se revelava tão conhecedor do lugar como nós mesmos.
Antes dessas ordens voltou-se para mim e disse:
“Bóta tudo p’ra fora. Aqui só fica eu, voce e aquelle senhor.
Referia-se ao telegraphista. Não precisava pedir nem dar ordens. Todos comprehenderam pela entonação da voz do bandido que elle estava fulo de raiva.
A meia hora que se seguiu foi para mim de angustias. Por todos os meios convencer o faccinora que elle não devia insistir em ficar alli. Mostrei-lhe que só quem tinha a perder era a população. Alleguei o modo por que tinha sentido tratar. Emfim depois de uma grande discussão acabei convencendo o homem que devia partir.
Lampeão chamou novamente Sabino transmittiu lhe contra-ordem, a qual foi recebida com contrariedade da parte deste.
Exigia, porem, que lhe indicassemos uma fazenda onde pudesse pernoitar com os seus homem, garantindo elles, que não sofreriam nem a fazenda nem os seus moradores. Era questão de palavra.
Indicaca a fazenda, partir Lampeão seguido de seus companheiros.
Era um pesadello que parecia passar.
Reporter: - Tinha, mesmo, força em Russas?
- Prefeito: - Sim tinha. Mas, antes não tivesse esta sob o commando de tenente parahybano. Quelé deu entrada no outro dia pela manhã, em Limoeiro onde praticaram todas as sortes de desatinos.
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