Alcino Costa e Juliana Ischiara
Amigo é uma palavra quase morta. Palavra que praticamente já caiu no mais absoluto desuso no meio da sociedade brasileira destes novos tempos. Pobre daquele que ainda guarda em seu sentimento as virtudes da afeição e do apreço. Infeliz é aquele que carrega, nos dias atuais, a sensibilidade de ser sincero, cortês e parceiro leal das horas boas e ruins.
Ser amigo nestas novas eras da modernidade é ser ultrapassado, cafona e conservador. É ser rotulado de alguém que com sua pouca ou nenhuma inteligência não soube acompanhar as mudanças, transformações e evoluções do viver dos povos da era das grandes conquistas e notáveis feitos da ciência e da tecnologia. É assim que o mundo da inversão de valores em que vivemos classifica aqueles poucos que ainda guardam em seus espíritos o ideal sublime da confiança e da fidelidade.
Ser confiável, procurar ser digno e honrado, buscar normas que demonstre grandeza de caráter são valores que não mais merecem nenhuma deferência no mundo cão e medonho em que vivemos. Coitada daquela pessoa que se preocupa em ser correta em suas atitudes e em seus atos, pois elas não são levadas em consideração e nem classificadas como merecedoras de crédito e respeito. Vivemos num ambiente de extrema insensatez que já não permite que um ser humano arroste todos os percalços para ficar ao lado de um amigo quando ele caiu e se encontra na desgraça e jogado na rua da amargura, no abandono e no desprezo.
Contrapondo a esses valores do companheirismo e da lealdade entre os homens, existe, desde muitos anos, o poder maligno da subserviência, da mentira e do fuxico que, numa guerra infinda, vem tentando – e conseguiu – se impor e vencer a sinceridade e a amizade, jogando estes valores para a valeta onde vivem aqueles que são catalogados como antiquados e ignorantes.
Subserviência, mentira e fuxico são três flagelos que aprisionaram a dignidade e o respeito humano, jogando-os nas masmorras da insanidade daqueles que aceitam essas desgraças e as transformam em bandeira de grandiosa relevância e que tremulam nos gabinetes e escritórios, palácios e prefeituras; enfim, em todos os segmentos sociais que sucumbiram bisonhamente perante este poder maléfico que tem a magia de fazer com que a mentira se torne verdade; o dissimulado em pessoa verdadeira e acreditada; o desonesto em alguém sincero e honrado; o falso e traidor num cidadão justo e respeitável.
É muito fácil distinguir os portadores dessas maléficas desditas. Se você tem em seu poder algum cargo ou posição de destaque em qualquer setor da sociedade, o bajulador procura se encostar de mansinho, cheio de agrados e boas maneiras. A armadilha é simples, porém de uma eficácia impressionante. Conforme o aparecer das ocasiões o “cheléleu” aproveita os momentos propícios para jogar a isca tão cuidadosamente preparada. Quando isto acontece o caminho está aberto para seu projeto danoso.
Se o puxa-saco for do interior a tática é manjada mais que tem ultrapassado com certa facilidade e grande êxito todos os obstáculos; conseguindo, assim, excelentes resultados. A primeira providência é presentear “o chefe” com um queijo, um litro de mel, alguns quilos de camarão ou pitu, e tudo mais que possa ser do agrado do paladar e do ego do detentor do poder ou de alguma influência nos meios políticos e sociais. Quando isto ocorre à meta foi alcançada e o adulador consegue coisas inacreditáveis, especialmente se essas coisas tenham como finalidade perseguir e, muito mais que isso, destruir pessoas e adversários políticos.
É assim que o fuxiqueiro age. Com muito jeito e carinho o chaleira afaga o ego e a vaidade daquele que ao subir no pódio das grandes conquistas políticas e sociais entra também na bolha fantasiosa e fantástica da grandeza e da soberbia. É certo, o detentor do poder voa extasiado pelo mundo colossal, falso e imaginário dos sonhos e das ilusões. E nesse transe visionário – de humano para divindade –, jamais irá perceber que o adulador é uma serpente que tem como único objetivo inocular o seu terrível e mortal veneno em seus anseios de grandeza e com ele espalhar a discórdia dentro das hostes de uma estrutura política ou social. E lá, do alto de sua frágil e falsa bolha, aquela autoridade se rende ao encanto da adulação, do fuxico e da mentira.
Ser puxa-saco é um ofício antigo. Nos idos de Jackson do Pandeiro, o nosso célebre “Rei do Ritmo” já cantava sobre esse reles ser humano. Cantava assim:
Vou arranjar um lugar de puxa-saco
Que puxa-saco tá se dando muito bem
Tô querendo é chalerar, eu não quero é trabalhar,
E fazer força pra ninguém...
Aqui das lonjuras do Sertão do São Francisco, dos ermos caatingueiros do meu Poço Redondo, eu rogo a Deus que através de Vossa infinita bondade faças com que as autoridades, os poderes constituídos, todos enfim, procurem se livrar da maldição que carrega em seu bojo as pestes chamadas bajulação, mentira e fuxico. É com infinita tristeza que carrego a certeza de que nos dias atuais ser amigo é ser uma besta quadrada e ser bajulador, mentiroso e mexeriqueiro é ser confiável e acreditado.
Publicado no dia 13 de fevereiro de 2007, no JORNAL DA CIDADE, Aracaju
Alcino Alves Costa - O Caipira de Poço Redondo
http://cariricangaco.blogspot.com/2011/01/amigo-e-uma-palavra-quase-morta.html
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