10 de jul. de 2023

CARLOS ANDRÉ, O GIGANTE DE MOSSORÓ

  Por Túlio Ratto

Ainda se discute e não se consegue mensurar o real estrago da pandemia na economia mundial, nem as profissões e setores que foram mais afetados. Entretanto, sem dúvida alguma, o sofrimento na classe artística brasileira é descomunal, pois envolve inúmeros artistas que já viviam na pindaíba há bastante tempo, esquecidos pelos setores culturais em todo o Brasil. Isso não é coisa somente do Rio Grande do Norte, bom que se diga. O prejuízo se torna ainda mais acentuado quando se trata de um artista na terceira idade. Aí, meu velho, é que o bicho pega pra valer.

Nosso bate-papo especial nesta edição é com o mossoroense Oséas Lopes, nosso querido Carlos André. Com 82 anos, ele até se vangloria de não tomar remédio algum. “Sou juventude acumulada, só tomo caldo de cana com pastel”, sustenta.

Grande na altura — cerca de 1,90 — e no talento, Oséas “Carlos André” Almeida Lopes é um dos maiores artistas que o RN já concebeu. O artista, como muitos, está nessa luta diária do isolamento social. Um desafio ainda maior para ele, acostumado a viajar o Brasil inteiro realizando shows. E foi exatamente sobre o que ele tem feito na ‘quarentena’ que iniciei o nosso papo, ao que respondeu sem titubear:

— Nada! É duro para quem vive da arte. Só a mão de Deus mesmo. A não ser aqueles que estão na onda, na mídia ou que estão com muito dinheiro reservado, né? E mesmo assim ainda fazendo shows, na loucura mesmo. Não precisa fazer esses shows, pois eles têm muito dinheiro. Agora quem não tem?

A trajetória de Carlos André já é bastante conhecida, mas é sempre prazeroso relembrar a sua introdução à música. Filho de uma prole de 16, do comerciante Messias Lopes de Macedo e da senhora Joana Almeida Lopes, Oséas trabalhava em Nonato Aires, uma oficina de carroceria de caminhão, seu primeiro emprego. Pintava aqueles “frisos” de madeira que tem nas carrocerias, de verde, vermelho… “E enquanto eu pintava, ficava cantando as músicas de Luiz Gonzaga. E sempre passava por ali nosso amigo que já se foi, o Canindé Alves. E ele certo dia disse que seria o aniversário da Rádio Tapuyo e perguntou se eu queria participar. ‘E o que é que eu vou fazer’, perguntei. E ele responde: o que você está fazendo aí: cantar. E fui. Souza Luz e João Newton da Escóssia faziam parte da diretoria e me contrataram. Lá fiquei do ano de 1956 até 1959. O melhor salário de Mossoró era o de Oséas Lopes cantando.

Foi durante um encontro em evento do aniversário de uma rádio da cidade do Crato-CE que Oséas recebe convite de Jackson do Pandeiro para trabalhar no Rio de Janeiro. “Resolvi realizar meu sonho e fui morar no Rio de Janeiro. Jackson havia me dito que o procurasse, deixou até o endereço dele, e que me ajudaria. Souza Luz, da rádio Tapuyo, chamou-me de maluco quando disse que iria embora para o Rio. E perguntou como é que eu ia pro Rio sem conhecer nada e deixando o salário que eu ganhava em Mossoró”. O cantor resume essa fase da história na Cidade Maravilhosa para uma pergunta:

— Se eu tivesse ficado em Mossoró, como seria hoje? Rádio à época pagava salários a artistas, músicos, a todos, e hoje? Estava rodando bolsinha, né, bicho?

Quando pergunto se o grupo dos jovens forrozeiros, com Oséas Lopes, Hermelinda e João Batista, já existia antes dele ir ao Rio de Janeiro e sobre o fim, ele diz que já existiam “Oséas Lopes e Seus Cangaceiros do Ritmo”, mas que tiveram de mudar o nome ao chegar ao Rio, pois esse nome para gravar o primeiro disco não ficava legal. Surgia aí o Trio Mossoró. Sobre o fim, diz que nunca teve um ponto final no grupo. Ainda estão juntos até hoje.

Em 1962, quando lançaram o primeiro disco intitulado “Rua do Namoro”, abriram-se as cortinas para conquistas importantíssimas no cenário musical brasileiro, como o troféu Elterpe, em 1965, pela música “Carcará”, do segundo disco do Trio, “Quem foi vaqueiro”. Esse prêmio era o de maior importância da Música Popular Brasileira à época. Dois anos depois, “Carcará”, de autoria de João do Valle, seria regravado por Maria Bethânia. “Eu me sinto orgulhoso de ter levado o nome de Mossoró para fora do estado. Porque naquela época, nos anos de 1960, ninguém sabia que existia a cidade de Mossoró no Rio Grande do Norte”.

Em livro biográfico de Carlos André, escrito pelo professor Almir Nogueira, o cantor Raimundo Fagner apresenta o livro dizendo: “O Trio Mossoró conseguiu colocar a cidade de Mossoró no mapa”. O grupo gravou 12 LP’s e 4 compactos.“No início dos anos de 1960, existia um cavalo que ganhava tudo no Rio, e que tinha o nome de Mossoró. Daí eles pensavam que a gente estava homenageando o cavalo. É mole? (risos).”

“No início dos anos de 1960, existia um cavalo que ganhava tudo no Rio, e que tinha o nome de Mossoró. Daí eles pensavam que a gente estava homenageando o cavalo. É mole? (risos).”

Carlos André lembra com carinho do auge do Trio na Região Sudeste do Brasil e fala que um sobrinho dele conseguiu recortes das manchetes de jornais da época no Rio e São Paulo. “Enviei para os nossos amigos de Mossoró Herbert Mota e o Paulo Linhares — com fotos e que falava sobre nós. O Rio Hit Parade mostrava os grandes sucessos, como os de Roberto Carlos e a onda daquela época. E o Trio Mossoró estava no meio. Tinha também o programa Hoje é Dia de Rock. Eram o Erasmo, Roberto, Eduardo Araújo… Só a nata do Rock. O produtor/apresentador do programa, Jair de Taumaturgo, era fã do Trio Mossoró. Tanto que nos colocava juntos com eles no programa de Rock. “Aí lá vem o Trio Mossoró, todos com chapéu de couro na cabeça e os caras tudo no rock” — conta aos risos.

Algo que vira e mexe vem à tona em nossa conversa é a questão da valorização ou desvalorização do grupo em sua terra natal. Carlos André lembra que antes da pandemia foram fazer um show em São Paulo e quando chegaram ao aeroporto duas garotas em uma camioneta receberam o Trio para acompanhá-los até o hotel e se colocaram à disposição para passeios pela cidade, se eles quisessem. “Parecia até Mossoró, ó, bicho?”, ironiza, e diz que enviou o material para a ex-prefeita Rosalba, queria mostrar aquela recepção. No palco, ele conta, foi preciso até segurança, pois era grande a multidão para ver ao show, “e de jovens, universitários. Por que isso não acontece em Mossoró, meu Deus?”, pergunta desapontado. Lembra ainda que quando foi fazer show em um São João, de Mossoró, nem camarim tinha para ficar. Até teriam direito, se pagassem pelo camarim. “É mole? Isso dói na gente.” Em outra ocasião, relembra que o cachê do Trio deveria pagar todas as custas, como translado, hotel, alimentação. E, caso não aceitassem, o secretário de cultura mandara avisar que não seriam contratados.

Carlos André, sua grande mágoa seria essa indiferença com que Mossoró tem com o seu nome e o nome do Trio?

“Dos governantes? Total. Vou aproveitar para desabafar agora. Na época que o produtor de TV Zé Messias veio a Mossoró, fui com ele assistir ao espetáculo Chuva de Balas, depois da apresentação dele o convidaram para ver a peça, e disseram que pra mim não tinha um lugar lá na frente, que só tinha pra ele. É uma vergonha, bicho. O amigo Herbert Mota sempre me diz que tudo tem sua hora, que minha hora vai chegar. Mas a minha hora será quando eu partir? É como meu amigo Nelson do Cavaquinho falava, que depois que eu partir só quero reza. Se você pode fazer algo por mim, que faça agora. Quem mais fez divulgação do nome de Mossoró fomos nós, eu e o Trio Mossoró. E não sou reconhecido. Quantas mensagens e e-mails enviei para Rosalba e ela nunca me deu uma resposta? Nunca. Mas eu adorava o pai dela porque era meu grande amigo. E ele sempre dizia que estava chegando a minha vez. Quando ela se elegesse a algo eu seria lembrado. Nunca chegou”.

Apesar de hoje morar em Recife-PE, Carlos André sempre foi muito presente em Mossoró e diz, quando pergunto sobre nossos destaques mossoroenses na música, que “temos muitos talentos, mas que também não são reconhecidos. A injustiça existe. Orlando Peres e Ilo de Souza são grandes talentos. Tinha um sanfoneiro em Mossoró que me falava que tocava no São João e recebia R$ 300 reais para ele e banda. Isso é uma vergonha. Quem conhece Mossoró sabe que aqui é um celeiro de grandes artistas. Não dá nem pra elencar tantos talentos. Temos muitos. Mas é aquela coisa, sem incentivos o negócio não anda, bicho!”, finaliza desapontado.

Nosso mais ilustre cantor se emociona ao falar sobre o irmão Cocota. “Há cinquenta anos eu gravei uma música. A Praça dos Seresteiros seria uma grande homenagem ao meu irmão. Mas foi engavetada pela prefeitura. O nosso irmão ‘Cocota’ cantava muito também. Daí criou-se uma espécie de escolinha. Já fazia um relativo sucesso no rádio. Tudo incentivado por nossa mãe. Naquela época ela ‘mandou’ logo os meninos aprenderem algum instrumento”.

Sobre o impulso dado a Luiz Gonzaga quando o rei do baião começava a desacelerar na carreira, alerta-me que não fica bem ele mesmo falar, mas, emenda: “Em 1983 eu estava com a corda toda no Rio de Janeiro como cantor e produtor. Em reunião com o presidente da gravadora RCA, soube que muitos iriam ser dispensados, inclusive o Luiz Gonzaga e o Nelson Gonçalves, pois há quase uma década iam mal nas vendas. Defendi os dois, eles não poderiam ser dispensados. O que esses dois já haviam feito pela gravadora não está escrito… Então assumi a responsabilidade de ser produtor musical de Luiz com a missão de fazê-lo retomar a carreira de sucesso. E deu certo”.
Até o ano de 1987, Carlos André produziu os discos “Danado de bom” (1984), “Luiz Gonzaga & Fagner” (1984), “Sanfoneiro macho” (1985), “Forró de Cabo a Rabo” (1986) e “De Fiá Pavi” (1987), álbuns com vários sucessos que imortalizaram o velho “Lula” e que renderam a Gonzagão discos de ouro e platina.

Coincidentemente, em 1984, mesmo ano do lançamento de “Danado de bom”, Carlos André lança o disco dele com a música Siboney, que estourou nas paradas. Ele fala que esteve em Mossoró para lançar os dois discos, dele e de Gonzagão, e, ao chegar à recepção de uma rádio, pediu pra falar com o programador. Foi atendido. Disse que estava vindo do Rio pra fazer divulgação do disco de Luiz Gonzaga, que até então já havia vendido um milhão de cópias, e o seu, recém-lançado. O programador pegou os discos, disse obrigado e virou as costas.

— Na minha cidade eu passar por isso? — lamenta.

A minha irmã Hermelinda diz que não consegue ser assim. Diz que eu sou macaco de Mossoró pra ter que aturar isso. É uma vergonha o que eles fazem com a gente”.

Encerro o bate-papo com Carlos André pedindo suas considerações finais e ressaltando que seu talento, trabalho, pioneirismo, o que o Trio Mossoró representa para a cidade deveriam ser — e nós torcemos muito para que isso ocorra —, lembrados pela nova administração. Acredito que o novo prefeito deva saber sobre essa longa história de sucesso e que o mossoroense tem o dever de lutar e defender o nome do Trio Mossoró e seus integrantes, pois foram vocês que mais divulgaram o nome de nossa cidade pelo Brasil. Posso até queimar minha língua, estar superestimando o novo prefeito, Allyson Bezerra, mas arrisco em dizer que vocês serão, enfim, reconhecidos.

— Se Deus quiser. Eu sonho com isso, Túlio. O povo gosta do Trio Mossoró, gosta de Carlos André. Tem você e tem outros amigos que querem que ocorra esse contato com a nova administração. E eu vou. Quero conhecer esse moço, esse rapaz, porque eu vejo aqui pela internet, os bairros com malfeitos, ele já está andando. Ele vai marcar, vai mudar Mossoró realmente. Pelo que eu vejo através da internet, ele já está mudando.

Oséas Carlos André Almeida Lopes nasceu no dia 28 de outubro de 1938, em Mossoró/RN. Foi um dos fundadores do Trio Mossoró, em 1959. Trabalhou nas rádios Tapuyo, Mayrink Veiga e Nacional. Nos anos 1970, seguiu carreira solo com o nome de Carlos André, quando fez enorme sucesso e chegou a vender mais de 1 milhão de cópias com o compacto duplo “Apaixonado”, pela gravadora Beverly, que trazia no seu lado B a música “Se meu amor não chegar”, que até hoje “quebra as mesas” de norte a sul do país.

Compositor de sucesso, com mais de 100 músicas gravadas, Oséas Lopes também ficou conhecido como produtor musical, tendo trabalhado com dezenas de artistas de forró, entre eles Luiz Gonzaga, com quem produziu 5 LPs. O primeiro, Danado de Bom, vendeu mais de um milhão de cópias em seis meses. Sanfoneiro Macho, Forró de Cabo a Rabo, Forró de Fia Pavi, Duetos Luiz Gonzaga & Raimundo Fagner foram alguns outros trabalhos desta parceria.

Outro grande nome do forró que passou pelas mãos do produtor foi Dominguinhos e a sua “Olha isso aqui tá muito bom”, com a participação de Chico Buarque de Holanda. Também temos nessa lista Genival Lacerda com “Severina Xique Xique”, Luiz Vieira, Jorge de Altinho, Alcimar Monteiro, Trio Mossoró, Antônio Barros & Cecéu, Zito Borborema, Eliane, a Rainha do Forró, Sirano e Sirino, João Gonçalves, Bastinho Calixto, Jair Alves, Quinteto Violado, Grupo Carrapicho de Manaus, Pinduca, Manoel Serafim, Nordestinos do Ritmo, Hermelinda, Nonato do Cavaquinho, Teixeira de Manaus, André Amazonas e Nando Cordel, entre outros.

Além do forró, Oséas Lopes também produziu diversos cantores românticos, como Cauby Peixoto, Nilton Cesar, Vanusa, Luiz Ayrão, Silvinho, Núbia Lafayete, Trio Yrakitan, Paulo Diniz, Lana Bittencourt, Orlando Dias, José Ribeiro, Balthazar, Fernando Mendes, Odair José, Waleska, Leonardo Sullivan, Anísio Silva, Bartô Galeno, Genival Santos, Roberto Muller, Adilson Ramos, Adelino Nascimento, Ivanildo Sax de Ouro, Messias Paraguai, Claudia Barroso, Valdirene, Abílio Farias, Banda Labaredas e Alípio Martins.

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