Jerdivan Nóbrega de Araújo
Para os que nunca viram um trapiazeiro, o Trapiá
(Crataeva tapia) é uma árvore de porte médio, nativa da Caatinga.
Produz flores muito belas abertas em um buquê de filetes,
envolvidos por pétalas brancas que culmina em frutos redondos dispostos em
cachos, do tamanho de um limão, e são amarelos ao amadurecer.
A polpa é levemente doce, mole e de cheiro agradável e é
comestível.
É tremendamente resistente à seca e não perde as folhas nem
mesmo nas piores estiagens. Sua altura varia de dois a vinte cinco metros
de altitude, com uma coroa de até vinte metros de diâmetro o que fornece boa
sombra, o que não era o caso do nosso, que tinha aproximadamente uns quinze
metros de altura, mas de copa muito mal distribuída.
Quando eu era criança, acho que com sete ou oito anos de
idade, tínhamos nas terras dos meus avós, sítio denominado “OUTRA BANDA”, que
se situa ás margens do rio Piancó e a oeste da cidade de Pombal, um solitário
trapiazeiro, que presenteava com a raríssima e necessária sombra os
trabalhadores que ali aravam a terra em época de invernada.
O nosso velho e solitário trapiazeiro estava enraizado bem a
frente da “Casa de Farinha”. Era cercado por cajueiros, goiabeiras e umas três
ou quatro mangueiras, destacando por sua altura entre as demais arvores. Alguns
galhos pendiam com o peso de ninhos de Cancão feitos com gravetos e ocupados
por outros inquilinos: acho que por casais de Papa Sebo ou de Anuns.
Na época da florada, para em seguida vir à frutificação,
o que ocorre entre os meses de janeiro e março, ficávamos em alerta
para fazer a colheita que seria consumida enquanto tomávamos banho no lugar
chamado “Panela”, ali nas correntezas do Rio Piancó.
O sabor do fruto do Trapiá, não é dos melhores, além da
poupa se grudar com a semente, dificultado comê-la, porem era o nosso
pé de Trapía, das prosas a sua sombra e até de subir nos galhos para enxergar
ao longe além de, como dito, esperar a época da frutificação.
Só que não éramos apenas nós que esperávamos a época dos
Trapiás: além de outros primos, tínhamos ainda os pássaros que faziam
algazarras nos galho e os bêbados que usavam os frutos como “tira gosto” em
suas cachaçadas nos barrancos do Rio Piancó, de forma que a disputa era
desigual pra nós moleques de pouca idade.
Certo dia, vendo a nossa decepção por não encontrar um único
Trapiá maduro para saboreá-lo no banho no rio, o nosso pai
nos deu uma ideia: recolher os frutos “de vez”, assim dizíamos dos frutos
prestes a amadurecer, e utilizando uma panela de barro, enterrá-los.
―- Com dois dias eles estarão prontos para serem consumidos:
disse-nos.
Desde esse dia não nos faltou o fruto do Trapiá para o
consumo nas pedras, barrancos e sombras do rio Piancó.
O que nós não sabíamos era que os outros “clientes” haviam
desconfiado de que alguma coisa estava acontecendo. Os Trapiás não chegavam
mais amadurecer nos galhos, ao tempo que nós sempre estávamos com as mãos
cheias do bendito fruto.
Eis que um dia, ao desenterramos a panela encontramos
apernas um bocado de molambo onde deveriam estar os “deliciosos” Trapiás.
Fomos investigar, e não demorou em descobrirmos que
Negro Boró de Cabina, outro primo nosso, nos viu enterrando os frutos, e no dia
seguinte chegou primeiro e fez a colheita.
Desde então, apenas mudamos o local que enterrávamos o nosso
tesouro. Se antes era em baixo do trapiazeiro, passamos fazê-lo na sombra da
velha oiticiqueira de Ana.
Um dia, voltando a “Outra Banda” que agora pertence ao meu
tio Ignácio Tavares, fui rever a velha casa de farinha, que já havia ruído, e
de lá mirei o velho trapiazeiro que decerto não esperava mais encontrá-lo. Veio
a minha lembrança a imagem do meu pai e dos meus tios ali a sombra do
trapiazeiro falando das plantações e da colheita do milho, do feijão ou do
algodão e até dos seus antepassados que antes foram os donos daquelas
terras.
Vi-me criança e até sorri com o Negro Boró roubando nossa
colheita de Trapiá. Veio a minha boca o sabor daquele fruto, que certamente não
seria o mesmo de quando éramos crianças, e deu vontade de encontrar nas
redondezas um único trapiazeiro que fosse.
Perguntei a Ignácio se nas imediações havia algum. Ele
respondeu que não tem conhecimento e que até já procurou para colher sementes e
replantá-los aqui na “Outra Banda”.
Ouvindo isto eu vi que a saudade do velho trapiazeiro não
era só minha e vi a sombra do meu pai com uma vara tentando derrubar os frutos
para enterramos naquela velha panela de barro.
Quarenta anos depois, em visita a negro Boró, o encontrei
sentado num velha cadeira preguiçosa na Rua de Baixo, lutando
contra a diabetes. Relembramos as histórias da nossa infância, e
entre tantas a da panela de Trapiá.
Falei para negro Boró que um dia eu contaria essa
história em um dos meus livros. Ele perguntou se eu teria coragem de dizer o
que encontramos dentro da panela no lugar dos Trapiás. Eu
respondi que diria que encontramos apenas molambos de panos.
―- Mas quando foi pra dizer que eu brechava as
lavadeiras na beira do rio, você foi direto ao assunto. ―-
Reclamou.
Poucos dias depois Negro Boró faleceu. Para ele eu dedico
esse texto, não por esta, mas pelas muitas presepadas que vivemos juntos quando
fomos crianças na nossa Rua de Baixo.
Jerdivan Nóbrega de Araújo. Escritor. Poeta. Advogado.
Natural de Pombal/PB
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