4 de jan. de 2017

OS BRINCOS DE BELA (E TUDO QUE AINDA HOJE CHORA, AINDA HOJE CHORA...)

*Rangel Alves da Costa

Quando mais novo, ainda num tempo que Noélia (de Chico de Celina) estava entre nós e mantinha um bar na atual praça do Banese, nos dias de feira a vaqueirama se reunia a tomar pinga e cerveja e aboiar. Cada toada e todo o sertão abria suas porteiras. Sentia-se o cheiro de gado, do cavalo corredor, da pele de sol lanhada de espinho, de um tempo já muito ido e de saudade.

O Bar de Noélia era famoso demais. A própria Noélia uma sertaneja digna das melhores e mais profundas recordações. Mulher digna, trabalhadora, bonita na feição e no coração. Depois do comprido balcão, o freezer, os copos e as bebidas. Mais adentro, na cozinha, o preparo de verdadeiras delícias sertanejas. Carne nova, muita, cheirosa, abrindo o apetite de quem ali adentrasse em busca de uma dose ou de uma geladinha. Num canto de balcão aquilo que mais fama trazia à dona do bar: os doces deliciosos, principalmente o de leite com bolas.

Noélia partiu repentinamente. Meu pai Alcino era prefeito à época e estava em Aracaju quando soube da notícia. Ao lado dele eu estava e senti o peso da comoção. Era muito amiga, fiel confidente, pessoa que ele confiava e gostava demais. Mesmo rapazote, eu mesmo passei a nutrir admiração especial por aquela mulher que não largava de um sorriso perante um amigo ou aquele que chegasse na sua venda. Saudades ainda, Noélia. Saudades.

Pois bem. Naquela época onde o aboio e a toada ecoaram com mais força em Poço Redondo depois da chegada de pessoas como Seu Zé Ferreira e também pela presença constante de Seu Adauto e outros endinheirados alagoanos e pernambucanos, fazendeiros que não desapartavam da presença de vaqueiros e aboiadores. Por todos os lugares se ouvia a canção plangente da vida de gado. Mas era no Bar de Noélia que mais se reuniam em cantorias.


E foi no Bar de Noélia que um dia tive o prazer de ouvir a mais famosa dupla de aboiadores de então: Vavá Machado e Marcolino, trazidos das distâncias pernambucanas por aqueles fazendeiros fincados nas terras poço-redondenses. A dupla de aboiadores era exímia em traduzir em canções matutas os sentimentos vaqueiros, os amores sertanejos e a vida simples e grandiosa do homem do campo. Naquela época, não havia rádio de pilha que não fosse aumentado o volume ao ecoar da famosa dupla.

Algumas canções são inesquecíveis, como Trovoada: “A chuva chove molhando a face da terra, a neve subindo a serra vai dar outra trovoada...”. Ou ainda Meu Beija-flor: “Meu beija-flor, meu beija-flor, nos ares se peneirou e as asas mudou de cor, e voou pra lá e pra cá...”.

Mas eu me encantava mesmo era com Os Brincos de Bela: “Ô Bela cadê seus brincos, cadê os brincos de Bela, pois Bela não tinha brinco, dei uma tiza de brinca, comprei brinco e dei a Bela. A minha namorada ainda hoje chora, ainda hoje chora, ainda hoje chora. A noite é de prata e o dia é de latão, que saudade da mulata que eu deixei no meu sertão. A minha namorada ainda hoje chora, ainda hoje chora, ainda hoje chora. Eu vi Bela chorando, fui lhe dar consolação, findei chorando mais Bela na noite de São João. A minha namorada, ainda hoje chora, ainda hoje chora, ainda hoje chora”.

E hoje, a minha namorada, que é a idade, que é o tempo, que é a vida, ainda hoje chora. E ainda chora com saudade daqueles vaqueiros, daqueles fazendeiros, daquela gente que fazia o sertão ser mais sertão. Ainda chora com saudade de Noélia, de sua panelada de carne em dia de feira, de sua cocada, de seu doce de leite com bola grande.

Deixe-me chorar, então. Tenho, sinto saudade. Por isso que ainda hoje choro, ainda hoje choro.

Escritor
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