7 de jul. de 2018

MULHERES NO CANGAÇO: 80 ANOS DA MORTE DE MARIA BONITA E LAMPIÃO - www.joaodesousalima.blogspot.com

Por João de Sousa Lima

Há caminhos que são descaminhos
Bárbaros trajetos com sabor de aço
Histórias escritas em pergaminhos
Capítulos eternizados no cangaço

(João de Sousa Lima)

Amanhecer do dia 28 de julho de 1938, manhã nublada e fria. No coito da Grota do Angico, alguns cangaceiros dormiam e outros agiam na lentidão da fadiga e envolvidos pela friagem da neblina gerada pelo mês chuvoso.

Os policiais volantes comandados pelo tenente João Bezerra e seus imediatos, o aspirante Francisco Ferreira de Mello e o sargento Aniceto Rodrigues armavam o cerco final ao Lampião e Maria Bonita, Rainha do Cangaço e mais alguns companheiros que também tombaram naquela manhã, em um total de 11 cangaceiros. No confronto a polícia sofreu uma só baixa, perecendo o irmão de armas, o soldado Adrião Pedro de Souza.
Doze pessoas totalizaram as mortes daquele dia e que por tantos anos se busca subsídios para análises e entendimentos dos fatos que permanecem cercados de tantos mistérios.
Era o fim de uma página da história do banditismo rural Nordestino. Era o fim do cangaceiro de maior destaque dentro deste contexto histórico. Era o fim de um capítulo onde a mulher teve grande referência enquanto estilo de vida diferenciada das vidas de tantas sertanejas que viviam nas escondidas veredas dos sopés de serras das caatingas bravias.
   
Pode-se dizer que Maria Gomes de Oliveira, a Maria Bonita, Rainha do Cangaço, rompeu parâmetros na sociedade e se fez diferente. Dentre tantas mulheres Lampião escolheu uma baiana da Malhada da Caiçara, povoado pertencente a Santo Antônio da Glória do Curral dos Bois e que desde 28 de julho de 1958, pertence a Paulo Afonso.
Maria Bonita foi eternizada por tantos artistas populares do Brasil e uma dessas referências artísticas foi através da arte do poeta repentista Otacílio Batista como “A Morena da Terra do Condor”, em música gravada por Amelinha e também Zé Ramalho, em alusão aos poemas do conterrâneo poeta baiano Castro Alves, o Poeta dos Escravos, que inseria suas poesias em defesa da diferenças sociais, seguindo a corrente literária do “Condoreirismo”, que defendia os direitos dos oprimidos. Poema marcante dessa linha quando escreveu “Espumas Flutuantes”. Outra vertente que ele seguiu foi a do Romantismo-Lírico-Amoroso, também defendendo em versos os direitos do Povo:
  
O cangaço enquanto fenômeno social ganhou ênfase através dos diversos artistas populares que divulgavam as infinitas peripécias vividas nesse período.
A expansão dos fatos se deu através das cantorias dos repentistas, dos folhetos dos cordelistas, dos xilogravuristas, músicos, grupos de danças, artistas circenses e outros segmentos.
Foram formas distintas de propagação dos fatos históricos e esse alastramento aconteceu justamente onde a concentração do povo era mais frequente: nas diversas feiras, latadas, circos e ruas.
A mídia mais simples se encarregou de colocar no imaginário popular as façanhas vividas no cangaço, episódios decorridos nas mais ermas matarias catingueiras, transformando e mitificando os grupos e subgrupos de cangaceiros, principalmente as mulheres que a esse mundo diferenciado se lançaram, muitas delas, quase inocentes meninas, para viverem tantas e perigosas aventuras, à margem da lei.
Maria Gomes de Oliveira, a Maria de Déa, em referência ao apelido de sua mãe, Dona Déa, de nome batismal Maria Joaquina Conceição Oliveira, foi sem sombras de dúvidas, por ser a companheira do chefe supremo do cangaço, o famoso Lampião, a mais famosa mulher cangaceira. No cangaço ela foi a Maria do Capitão ou a dona Maria. Ficou imortalizada como Maria Bonita, apelido esse oriundo dos versos cantados e rimados pelos policiais volantes, que vivam nas inacabáveis persigas das diferentes veredas com seus combates ferrenhos e quase diários.
Maria Bonita foi a mais expressiva cangaceira. Tivemos outras de renome como no caso de Dadá de Corisco, Lídia de Zé Baiano, Nenê de Luis Pedro, Inacinha de Gato, Durvinha de Virgínio e Moreno, Mariquinha de Ângelo Roque, Catarina de Nevoeiro, Aristéia de Catingueira, Otília de Mariano, Maria de Pancada, Dulce de Criança, Moça de Cirilo de Engrácia.
Várias outras mulheres passaram por esse mundo tão conturbado e de futuro duvidoso. Muitas delas perderam suas vidas nos combates, outras foram assassinadas por seus próprios companheiros. Sofreram perseguições, foram baleadas, feridas, humilhadas, mal amadas, maltratadas. Outras viveram seus amores, tiveram filhos, foram mães sem o direito de ser mãe no sentido mais figurado e sublime da palavra mãe. Dentre todas as dores das mulheres a maior foi ser mãe e não exercer a função de cuidar de sua prole, não poder zelar de seus pequenos, ver secar no seio o leite materno destinado a alimentar seus inocentes.
À mulher ficou resguardado somente o direito de seguir seus homens, seus grupos, fugindo das duradouras perseguições dos rastejadores contratados dos grupos policiais. No dizer sertanejo: “Uma vida sem futuro”.
Mas as mulheres não puderam fugir a esse capitulo da nossa historiografia sertaneja, se bem que levou tempo para acontecer a entrada feminina nessa conjuntura.
Perguntamo-nos às vezes o que levou as mulheres a encarar uma forma de vida tão violenta e longe das perspectivas geradas pelas famílias com seus conceitos, educação traçada dentro das normas rígidas das religiões e das tradições de um Nordeste desassistido.
Algumas me confidenciaram que seguiram esse caminho por amor, umas poucas segredaram que foram forçadas, por motivos diferentes, uma só falou que foi porque achou bonito o “TRAJAR” dos cangaceiros, se embelezou pela profusão de cores nos bordados e a grande quantidade do metal nobre amarelado, correntes, anéis, alianças, moedas e brincos de ouro.
Dentre todas elas, sem exceções, em seus depoimentos, a pior coisa foi não poder cuidar dos filhos. Suas crianças eram todas deixadas aos cuidados dos padres, coronéis, coiteiros e amigos.
As Mulheres viveram no cangaço uma aventura sem precedentes e deixaram seus nomes registrados na página da história dos levantes do Nordeste do Brasil.
Foi Maria Gomes de Oliveira, a famosa cangaceira Maria Bonita, morena nascida no povoado Malhada da Caiçara, terras na época do cangaço pertencentes a Santo Antônio da Glória e hoje à Paulo Afonso, a mulher mais referenciada no contexto histórico do mundo feminino cangaceiro.
A data de nascimento de Maria Bonita se divide entre 1910 e 1911, registrado por vários pesquisadores em tantos livros, pondo em dúvida também o dia 08 de março. A verdade é que ela encontrou a morte ainda muito jovem, morrendo na trágica manhã do dia 28 de julho de 1938, na Grota do Angico, em Poço Redondo, Sergipe, com sua idade variando entre 27 ou 28 anos de vida.
Quantas e tantas mulheres viveram esse capitulo para, inocentemente, escreverem suas próprias histórias. Histórias de amores roubados e permitidos, histórias de lutas e fugas, de tiros e mortes, de caminhadas incessantes e dormidas incertas, de filhos gerados na rispidez das matas pontiagudas e ferinas. Histórias de servidão e desilusão.
Muitas delas adentraram no movimento, no esplendor de suas inocências de meninas-moças, trajando as vestes das “Mulheres das Caatingas”, levadas, talvez, pela ilusão de uma vida melhorou no mínimo, uma vida diferenciada das que vivam nos sopés das serras de suas moradas.
Ao período destinou-se o estigma de andarilhos errantes, acobertados apenas pela razão de suas decisões individuais. Sem entendimento adequado do andar “À MARGEM DA LEI”. Donas de seus mundos imaginários, pequenos e próprios.
A mulher cangaceira marcou seu tempo, escreveu sua história, traçou seu perfil de mulher obstinada e diferenciada das mulheres de sua época. Todas elas deixaram por insignificante que possa parecer, seus rastros marcados eternamente nas infindas veredas circundadas de pedras e espinhos do Sertão Nordestino.
À frente de seu tempo, a mulher cangaceira deixou vestígios no registro da história do Brasil.
Tempo presente, agora em 2018, marca 80 anos da Morte de Lampião e Maria Bonita, tantas e quantas análises surgiram sobre o fatídico dia 28 de julho de 1938, inúmeros registros, apreciações diversas, umas abalizadas e outras desprovidas dos critérios sérios que a história merece.
Nas fendas pedregosas da Grota do Angico, fato certo, que a morte lacerou doze corpos, onze cangaceiros e um soldado encontraram seu dia final. Entre os cadáveres duas mulheres, duas almas femininas adornando o quadro funesto dos últimos momentos do Rei do Cangaço.
Entorpecida, a Grota do Angico perpetua seus mistérios e um grito feminino paira no ar, como último refúgio de dor, na etapa final do cangaço...

João de Sousa Lima
Paulo Afonso 06 de junho de 2018
Membro da ALPA – Academia de Letras de Paulo Afonso - Cadeira 06.
Membro da SBEC- Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço.
Membro do GECC – Grupo de Estudos do Cangaço do Ceará
Membro do IGH – Instituto Geográfico e Histórico de Paulo Afonso
Membro do Instituto Geográfico e Histórico do Pajeú.

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