28 de out. de 2018

EX-VOTOS (O CANGAÇO E OS MILAGRES SERTANEJOS)

*Rangel Alves da Costa

Difícil imaginar, mas na Estrada de Curralinho, nas distâncias sertanejas de Poço Redondo, um inusitado local de beirada de estrada serve como exemplificação maior de como a fé do povo transforma um cenário de vingança sangrenta em local de local de fé. Debaixo de um pé de pau estão fincadas duas cruzes de soldados mortos em agosto de 37 pelos homens comandados por Corisco numa vingança perpetrada contra a morte do cangaceiro Pau-Ferro.
Sisi e Tonho Vicente, soldados que serviam no destacamento policial do distrito de Poço Redondo (e que nada tinha a ver com a força policial que atirou contra o cangaceiro), foram emboscados e mortos. Depois disso, a concepção sertaneja de ”malvadeza cometida contra inocentes”, fez com que o local se tornasse em verdadeiro santuário de adoração e de pedido de curas. Segundo relatos, muitas curas já foram conseguidas através da intercessão das Cruzes dos Soldados.
Prova maior são os ex-votos deixados no local. Ex-votos (que significa “por força de uma promessa”) são oferendas deixadas no local como forma de agradecimento pelas graças alcançadas. E ali, ao redor das cruzes, mãos, pés, membros, tudo em madeira, mostrando que mãos foram curadas, pés foram salvos, membros retomaram suas forças. Assim a fé do povo. E não há como negar a crença pelo milagre.
 Como dito, tudo teve início com uma vingança cangaceira. A morte do cangaceiro Pau-Ferro gerou um revide tamanho que até hoje as cruzes da estrada de Curralinho testemunham aquele troco de sangue. Tudo começou na Fazenda Quiribas, em Poço Redondo. Um grupo de cangaceiros, dentre os quais Corisco, Mariano e Zé Sereno, repousa tranquilamente nos arredores de um riacho quando é avistado pelo soldado Miguel Feitosa, ali apenas de passagem. Retornando imediatamente, o militar avisa ao comando sobre o ocorrido.
Um pequeno agrupamento militar é formado e segue em direção ao coito. Ao chegar ao local, logo percebe que o pequeno número de soldados sequer pode assustar aquele grande numero de cangaceiros. Então decide recuar. Recuou, mas já distante - e fora do alcance da cangaceirama - dois soldados resolvem atirar na direção dos cangaceiros. Um tiro acaba acertando e matando o cangaceiro Pau-Ferro.


Foi a motivação para que a fogueira se tornasse em odiosa labareda. A cangaceirama correu no encalço da soldadesca, porém sem alcançar. Mas a vingança estava jurada, não demoraria muito para que os homens da caatinga farejassem os culpados pela morte do companheiro e dessem o troco merecido.
Mas a vingança foi feita em dois que sequer haviam participado daquele episódio. Os soldados Tonho Vicente e Sisi destacavam na povoação de Curralinho, naqueles idos de 1937 um lugarejo ribeirinho próspero e porto principal da chegada e partida de todo tipo de mercadoria daqueles sertões de Poço Redondo, então distrito de Porto da Folha, quando de lá partiram na companhia de outro soldado, Miguel Feitosa, aquele mesmo que havia informado sobre a presença do bando.
Chegando de canoa de Propriá, Miguel Feitosa certamente desembarcaria no porto de Curralinho e logo tomaria a estrada normal, sempre utilizada por todos, para chegar a Poço Redondo. Contudo, imediatamente foi avisado que daquela feita não fosse de jeito nenhum pela conhecida estrada, pois a cangaceirama estava por todo lugar. E foi por isso que buscou a companhia protetora dos soldados Tonho Vicente e Sisi.
No dia seguinte, segunda-feira, Tonho Vicente e Sisi se prepararam para retornar e, dessa feita junto com alguns feirantes, pela estrada normal. Após a feira na povoação, muitos feirantes seguiam aquela estrada para embarcar em Curralinho em busca de novas mercadorias. Os primeiros que foram passando foram logo presos pela cangaceirada à espreita. Não lhes interessavam estes, pois simples sertanejos, mas sim os soldados que pudessem aparecer.
E não demorou muito para que as expectativas dos cangaceiros se confirmassem. Logo surgem perante aqueles olhares ávidos por vingança. A confirmação de que se tratava de soldados surgiu da troca de sinais, mas de repente se percebe que um estranho está em meio aos dois militares. Este foi poupado, mas não Tonho Vicente e Sisi. O primeiro, baleado, correu e foi alcançado em seguida. Já o segundo, depois de preso, amarrado e interrogado, também não teve destino diferente.
Ainda hoje, duas cruzes marcam o local da emboscada e onde foram enterrados os dois soldados. Quem segue pela estrada de Curralinho, do lado direito de que vai em direção ao rio, facilmente avista o retrato póstumo daquela vingança cangaceira. E além das duas cruzes, também avistará outro retrato impressionante: a devoção atual pelos dois soldados mortos.
Com efeito, muitos moradores chegam ali adoentados, desesperançados, aturdidos pelas consequências da vida, e se entregam a orações e promessas. E os ex-votos estão ao redor das cruzes para ninguém duvidar. Cabeça em madeira, pé e mão, fitas, rosários, dádivas da crença de um povo, ainda que nem sempre saiba dos fatos que originaram a atual devoção.

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27 de out. de 2018

UM POVO-PRESA DAS RAPINANTES


*Rangel Alves da Costa


As aves de rapina ou rapinantes são muito perigosas. São vorazes, carnívoras, carnicentas, devoradoras, cruéis e insaciáveis. Basta saber o que fazem os abutres, os gaviões e os carcarás: pegam, matam e comem. Possuem bicos curvos, afiados, famintos e sedentos quanto os mais malvados punhais. E atacam precisamente perante as presas mais frágeis, mais desvalidas, já sem forças para reação ou defesa.
Pelos sertões, principalmente em tempos de seca grande, tais carnicentas possuem vítimas em fartura. Por todo lugar a um bicho só no couro e osso, há um animal caído, há um resto de sopro de vida para ser apagado de vez. Como exímias farejadoras, as rapinantes logo sentem o cheiro da morte e começam, lá do alto, a rondar suas presas. E num instante, em voos rasantes e velozes, já estarão enfiando suas garras, os seus bicos e seus punhais, pelos corpos estremecidos. O sangue jorra, as entranhas são abertas, o fim.
Um terrível e macabro festim, mas é assim que acontece. Quase um canibalismo animal. Ou será uma lei da sobrevivência levada ao extremo? A verdade é que depois do regabofe carnicento, e ainda com os bicos respingando vísceras, sangue e restos putrefatos, os voos são levantados para, muito acima das copas das árvores, os olhos de labaredas continuarem caçando outras vítimas. Insaciáveis, sempre querendo mais, de repente avançam umas sobre outras, e se matam e se devoram. E as que sobrevivem já estarão prontas para atacar novamente.
Sim, parece mesmo uma história macabra demais. Mas como já dito, é assim mesmo que acontece. Porém tudo pode ser visto de outra forma, com as rapinantes sendo transformadas em outras coisas e espécies muito conhecidas por todos. E também a presa, que deixa de ser o desvalido bicho para ser transformado em desvalido homem. Assim, de repente a própria seca pode ser a grande devoradora, o governante pode ser o grande predador, o político pode ser o mais terrível dos carnicentos. O sertão e o sertanejo como espécies fraquejantes que recebem os bicos afiados de tais visitas.
Sim, ser humilde, ser carente, ser empobrecido, ser necessitado, ser à desvalia, a presa está em ti. Sim, ser algoz, ser governante, ser do poder, ser mandante, ser político, ser poderoso, ser de desmedida voracidade, o predador está em ti. De um lado, o escravizado, o submetido, o subserviente, o enfraquecido, o fragilizado. E do outro, o senhor dono do mundo, o mandachuva, o carrasco, o capataz, o verdugo. E tantos bicos afiados, vorazes, ferozes, para estraçalhar vítimas que sequer podem se sustentar.
Há uma terrível selva. Seja nas relações político-eleitoreiras, empregatícias, de mando e autoridade, no cotidiano, há sempre um gavião querendo devorar um pobre trabalhador, há sempre um carcará querendo estraçalhar com um frágil humano, há sempre um gavião querendo abocanhar um desvalido, há sempre um urubu querendo destripar o que já não tem forças nem pra se sustentar.
Qual o valor que o do alto dá ao que está embaixo? Qual o respeito que o poderoso tem por aquele que vive à sua mercê? Qual a dignidade que o mandonismo oferece ao que vive como seu serviçal? São predadores devorando presas. Muitas vezes, não precisa ferir, sangrar, matar, mas tão somente tratar como escravo ou um reles aquele ser humano que deve, acima de tudo, ser valorizado e respeitado.
A verdade é que o desvalido sofre, padece, sangra. Mas a voracidade do predador nunca diminui.

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26 de out. de 2018

UMA HISTÓRIA DE POBREZA E SOLIDÃO


*Rangel Alves da Costa

Seria a pobreza condição humana capaz de afastar o reconhecimento do desvalido por outras pessoas, até mesmo em igual condição?
Seria o nada ter, o viver na miserabilidade, sobrevivendo apenas do mínimo necessário para se manter em pé, algo tão terrível e capaz de negar o auxílio na hora extrema?
Seria o viver sozinho, o ter poucos amigos, morar nas distâncias dos centros urbanos e nas ruas de areia e barro, a justificativa para o abandono?
Seria o abandono e a falta de reconhecimento as consequências da pobreza, ou seria a pobreza a causa de tudo ruim que possa acontecer?
Seria humanamente justo que alguém por ser pobre, morar nos cantos da cidade, venha a falecer e não ter ninguém que acorra para uma prece, para velar o morto?
Ou seria apenas consequência da crescente falta de cristandade no coração das pessoas, carência de senso humanitário ou pouco caso com quem morre ou deixa de morrer?
De qualquer modo que possa ser visto, verdade é que um velho, senhor de mais de oitenta anos, partiu dessa vida e na hora do velório não havia uma só pessoa velando o morto.
Era pobre, vivia numa casinha que mais parecia um barraco caindo aos pedaços, viúvo, sem filhos, morava sozinho. Mas havia muitos parentes seus no lugar.
Aparentemente tinha muitos amigos. Ao entardecer, quando deixava sua moradia e seguia até a praça principal da cidade, sentava sempre no mesmo banco de esquina e logo era cercado por muitos.
Sua pobreza e simplicidade não afastavam sua reconhecida sabedoria, seu dom para repassar aos mais jovens as mais diversas lições sobre a vida e ensinar os melhores caminhos perante as tortuosas estradas.
A um dizia sobre a importância de preservar uma vida justa e digna para ter sempre o reconhecimento da comunidade; a outro discorria sobre os malefícios dos vícios e da vida desregrada; e ainda a outro falava apenas sobre sua vida de tantas lutas e do nada que havia conseguido.


Sem medo nenhum, dizia sobre o tempo, ainda rapazote, quando se meteu a ser jagunço do coronel mais importante e poderoso da região. Nunca havia matado ninguém, mas já tinha visto muito sangue de inocente escorrer.
Contava também do tempo que inventou de ser cangaceiro do bando de Lampião e só não foi lutar debaixo do sol porque no dia que ia se apresentar a cangaceirada havia deixado às pressas o coito onde estava escondida.
E assim levava sua vida conversando com um e com outro, ensinando e ouvindo, repassando lições dos tempos antigos e da vida presente. Até sobre porções de ervas medicinais o velho dialogava.
Mas numa daquelas tardes não compareceu ao seu banco de todo entardecer. Nunca mais voltaria ali. Aqueles que o procuraram naquele dia não sabiam que o velho amigo havia falecido quase chegando ao meio-dia.
Morreu sentado diante do barraco, sentado num banquinho. Vizinhos avistaram e correram para acudir. Já era tarde demais. Um caixão de ripas foi providenciado pela assistência social e o corpo estendido por cima de dois tamboretes na saleta apertada da moradia.
Duas ou três pessoas passaram por ali, para o último adeus. Mas depois do entardecer não apareceu mais ninguém. Nem vizinhos, amigos da praça ou outros conhecidos. E quanto mais o tempo passava mais a solidão do falecido aumentava.
A noite chegou e nenhuma vela acesa. Nenhuma beata acorreu para a sentinela, nenhum canto de despedida foi entoado. Apenas o vento soprando pela porta aberta. E lá dentro a solidão da solitária morte.
Sem uma vela, sem uma prece, sem um adeus, apenas a morte velando o morto, apenas a morte…

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24 de out. de 2018

NO PASSADO SERTANEJO, UM CASO ARREPIANTE DE ADULTÉRIO E MORTE

*Rangel Alves da Costa

Num tempo em que o adultério (a transgressão da fidelidade conjugal, através da traição) era crime, ocorreu nos arredores da cidade de Poço Redondo um caso pra lá de estarrecedor, envolvendo morte e consequências religiosas.
Não recordo bem se na região das Areias, Queimadas ou outra localidade, mas a verdade é que um marido flagrou a esposa em traição, em pleno ato sexual, e tacou fogo nos dois, na dita e no amante. E matou os dois, um por cima do outro, sem tempo de desapartarem. Preservando os nomes, eis que as famílias ainda estão presentes, fato é que, para a época, o contexto da ação criminosa acabou provocando, além da perplexidade, as discussões mais acirradas.
Acirradas por que uns defendendo a ação do marido traído, vez que as provas dos fatos estavam nos dois corpos nus, um por cima do outro, dentro do mato, sem qualquer chance de se afirmar ter havido uma relação de outra natureza que não a sexual. Já outros, de vertente mais piedosa, viam apenas uma ação criminosa incabível e que, por isso mesmo, merecendo todas as sanções penais.
Mas aconteceu assim, segundo ainda hoje é repassado. Os amantes já estavam acostumados e ter encontros sexuais pelos matos, pelas matarias catingueiras pelos arredores de onde moravam, pois quase vizinhos. Toda vez que o marido saía para se demorar mais um pouco, a esposa prontamente corria aos locais combinados e lá já estava à sua espera o amante.
Ação costumeira, eis que caiu na percepção de alguns, que passaram a desconfiar da traição. Quer dizer, alguns sabiam daqueles encontros, mas o marido não. Aliás, como sempre acontece até hoje. Pois bem. Talvez alguém já conhecedor do caso, prontamente alertou o traído sobre o que estava acontecendo. Este aguardou o momento certo para dar o bote, para perpetrar o flagrante. Não se imaginaria, porém, que a sua intenção não era apenas flagrar, mas matar os amantes.


Assim, o marido avisou que se ausentaria e chegaria tal hora. Saiu fora de casa e se escondeu pelos arredores, espreitando tudo. Então avistou ela saindo e adentrar pelos matos. Aguardou o tempo suficiente para que o encontro se transformasse em safadeza. Foi devagarzinho, pé-ante-pé, cuidadosamente para não ser percebido, e mais adiante já avistou os dois no bem-bom.
Como dito, os dois nus, um por cima do outro, no maior deliciamento do mundo. Foi o momento da ação. Tomado de ódio e fúria, com os olhos sangrando de raiva e o coração gritando de dor, ele nem pensou duas vezes. Aproximou-se mais, mirou a espingarda e tacou fogo. Certamente mais de um tiro. Foram pipocos tão grandes que as rolinhas e os bichos do mato desandaram no oco do mundo. Um gavião ficou na copa da catingueira onde estava e somente para dizer “Eu sabia que isso ia acontecer. Safadeza só dá nisso”.
Os tiros foram tão certeiros que não deu nem tempo de os amantes saírem da posição. Morreram encangados, como se diz. Depois de o serviço feito, o traído, e já transformado em assassino, abandonou o local e deixou os dois corpos lá estendidos. Com a descoberta do crime, pessoas daquela comunidade logo cuidaram de transportar os corpos para a cidade. A intenção era deixa-los na igreja para que depois fosse providenciado o enterro.
Contudo, ante a chegada daqueles corpos vítimas de adultério, o padre de então (um frei muito conhecido) não aceitou de jeito nenhum que os dois fossem colocados dentro da igreja. Então, como nada mais havia a ser feito, os amantes sem vida foram estendidos na calçada, um pouco além da porta do templo religioso. E foi um não acabar mais de conversas. Muitos diziam do desacerto do padre em não os ter aceitado dentro da igreja. Outros, de feição mais conservadora, afirmavam que era o chão mesmo e não numa casa sagrada que os dois pecadores deveriam ficar.
Há de se dizer que a visão daqueles amantes mortos e estendidos perante a porta, acabou provocando as mais intensas reações de ordem moral. Para muitos, ali estavam demonstradas as consequências da traição conjugal, do adultério, da safadeza, e que, portanto, a sociedade e os casais deveriam se espelhar naquele exemplo. Mas, como se tem até hoje, aquele espanto passou e tudo foi ficando cada vez pior.
Outras reações são dignas de nota. A esposa do falecido se aproximou da amante morta jazendo ao chão, puxou-lhe os cabelos e passou a dizer impropérios indescritíveis, até que foi afastada à força por pessoas que estavam ao redor. E soube-se depois que a falecida estava grávida. Mas nunca se soube se do marido ou do amante. Este, pelo cometimento de crime em defesa da honra e pelas provas irrefutáveis, livrou-se de duradoura cadeia.
Até hoje tal episódio é relembrado. Rememorado, porém jamais tido como exemplo para a diminuição das traições conjugais. Com efeito, se todo marido ou companheiro traído matasse a traidora e o amante, não haveria cadeia que desse. Foi tudo assim. Ou mais ou menos assim.

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20 de out. de 2018

OS FILHOS NUNCA ENVELHECEM PARA OS PAIS

*Rangel Alves da Costa

Certa feita, após descer do alto de uma montanha, um sábio se viu perante uma pergunta intrigante de seu discípulo. “Senhor, por que os filhos nunca envelhecem para os pais?”.
Reflexivo por alguns instantes, mas logo o sábio respondeu: “Qualquer entendimento sobre isso, deverá sempre partir da certeza de que o filho nunca desaparta do seu ventre paterno e nem se afasta completamente do cordão umbilical. O ventre é a junção materna. O cordão umbilical é a junção paterna. Por isso mesmo, por mais que os filhos cresçam, tornem-se adultos ou mesmo envelheçam, sempre continuarão como raízes fincadas no solo de seus pais. Se minha mãe ainda estivesse entre nós, mesmo na minha velhice eu ainda seria o seu menino. Do mesmo modo seria com meu pai. E com você é igual. Jamais deixará de ser o menino, senão a criança, dos seus”.
De pleno sentido as palavras do sábio. Os filhos, por mais idade que alcancem, jamais estarão completamente emancipados perante os pais. É como tivessem de viver sempre sob a proteção dos seus. É como se os pais não confiassem ao mundo ser dono daquilo que procriaram e gestaram como filho eterno, e não como pessoa que possa mudar com a idade.
De vez em quando eu ouço pais já envelhecidos tratando seus filhos como se fossem meninos. Não no cuidado em si, mas na forma de expressar um sentimento de apossamento daquele ser como eternamente seu. Perguntados onde os filhos estão, dizem que seus meninos estão viajando, trabalhando ou coisa parecida.
As mães possuem uma abnegação ainda mais forte. Mesmo que os filhos já tenham casado ou saído do lar familiar desde muito, mas basta uma visita de reencontro para que a mãe comece a trata-los como verdadeiras crianças. E pergunta se está bem, se está se alimento direito, se está sentindo alguma enfermidade, se está se cuidando.


Passa a fazer sentido a expressão segundo a qual o amor dos pais é eterno. Faz mais sentido ainda pela constatação de que os filhos nunca são vistos como pessoas adultas, emancipadas, já donas de seu próprios destinos, mas apenas como filhos. Aquele mesmo menino cuidado no passado será o mesmo menino em qualquer idade que tiver.
A verdade é que os pais simplesmente não aceitam abdicar de sua cria, muito menos para o mundo. Situações existem onde as esposas ou esposos dos filhos casados se tornam verdadeiros estorvos aos pais. Cria-se uma espécie de ciúme ou de proteção que acaba interferindo na relação entre os casais.
Neste sentido, os pais sempre imaginam que nada do que o mundo lá fora ofereça será melhor do que o encontrado em casa. A mãe prepara uma comidinha especial por que o seu filho vai chegar. O pai caça antigos brinquedos para trazer relembranças. O filho, já na idade adulta, sempre fica meio sem jeito, ou mesmo sem entender. Mas não pode fugir dessa proteção especial que lhe é dedicada.
Do mesmo modo que os pais toda hora saem à porta quando suas crianças estão brincando na rua, logo adiante da casa, assim também quando seus adolescentes ou de mais idade saem para a rua ao anoitecer. Os pais até que deitam, até que tentam dormir, mas não há jeito. Sempre cheios de preocupação, só conseguem dormir com a certeza de que já houve retorno.
Talvez até que os pais sintam vontade de que seus filhos jamais saiam de casa, jamais se afastem de suas presenças, jamais tenham um próprio destino. Parece absurdo, mas não é. Perante as ameaças do mundo e a fragilidade do ser, os pais se acham no dever de ser escudo e proteção. Daí tanto cuidarem de seus meninos, de suas meninas, de suas ternas crias.
Também um gesto de amor, de eterno e infinito amor.

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17 de out. de 2018

PIONEIROS ADOLFO MEIA-NOITE

por Yoni Sampaio

Em 1877, quando Antonio Silvino tinha apenas 2 anos de idade, Adolfo Meia-Noite já dominava a região como cangaceiro. Ele com seus dois irmãos Manoel e Nobelino, por uma questão de honra, tiveram que se armar contra o desafeto conhecido como padre Quaresma (apelidado de padre, não se sabe por quê) - um comissário de polícia, subdelegado naquela época. A razão dessa animosidade: uma paixão amorosa.


Adolfo era o galã da vila, disputado pelas garotas da localidade e, por inveja, o subdelegado traiçoeiramente o prendeu na localidade Varas, enviando-o à Ingazeira.

Como não havia segurança nas cadeias daquela época, é colocado em um tronco. Quinze dias se passaram sem que seus familiares soubessem, porque o mesmo se achava incomunicável.

Através de um conhecido foram informados que Adolfo tinha sido fichado como ladrão de cavalo e que, se não o libertassem, ele iria morrer. A essa altura Adolfo não sabia qual a razão de estar preso, até que o tenente responsável por sua prisão lhe disse:
Você conhece Padre Quaresma?
Sim, disse o preso.
Pois ele mandou um presente.
Ele respondeu:
Nada tenho a receber de um homem que me botou aqui sem eu merecer.
Então o tenente lhe deu vinte lapadas com uma vara de espichar couro. A partir daquele momento ele ficou sabendo por quem e por que estava preso. E veio o desejo de vingança que tanto prejuízo causou a si e à família.

A partir daí a vingança prevaleceu, sendo o comissário a primeira vítima e, em conseqüencia, sua família se viu obrigada a se mudar.

Por mais de cinco anos Adolfo e seus cangaceiros dominaram o Pajeú. Não só por esse trio era formado o grupo; Oiticica - cangaceiro de destaque - que também era seu parente, tombou em combate contra os “Quicés” que moravam no sítio Tamanduá e foram testemunhas contra Adolfo, quando foi preso. Nesse combate os ‘Quicés’ perderam dois membros da família. Eram eles parentes de Praxedes José Romeu, muito valente. Sob o comando de Praxedes cercaram a fazenda Volta e, por não encontrarem Adolfo, assassinaram o seu irmão Pacífico, que além de criança era retardado. Daí por diante o “granadeiro” falou.

Adolfo chegou a comandar dez cangaceiros. Não se registrou nenhuma Vila ou Cidade que ele não tivesse assaltado. Mas, ainda se vê no distrito de Jabitacá suas tradicionais trincheiras construídas de pedras soltas. As que mereceram mais atenção foram as da serra do Brejinho.

Sobre aos nomes dos seus cangaceiros pouco se sabe, a não ser o de “Manoel do gado”, antigo marchante; e Almeida, filho natural da serra da Colônia, assassino frio que matou um primo do sítio Extrema por uma simples rapadura.

Adolfo não estava presente e censurou essa atitude. Era Almeida de inteira confiança do chefe. Num certo dia pediu para visitar a família e quando retornou vinha “peitado” para matar Adolfo. Mas, foi mal sucedido, ganhando a morte pela infidelidade. Adolfo foi considerado a ovelha negra da família.

Outra versão sobre Adolfo Meia-Noite - “Era considerado um homem manso e romântico. Seu grande pecado foi a paixão que tinha pela prima, filha de um rico e poderoso fazendeiro daquelas ribeiras que, não achando ser o negro merecedor da donzela, mandou prendê-lo e açoitá-lo ao tronco colonial.

Quando foi liberado do castigo, seu pai, sabendo do ocorrido, recusou-lhe a bênção porque ele não havia lavado sua honra com o sangue do tio. Na mesma noite, Adolfo esgueirou-se para dentro da casa do tio e o matou, fugindo em seguida para o vale do Rio Pinheiro. Como havia matado pessoa influente na região, virou foragido da justiça tendo que passar o resto de sua vida a fugir da polícia, levando consigo os irmãos Manuel e ‘Sinobileiro’.

Apesar de ter se tornado cangaceiro, Meia-Noite era tido como homem justo e pacífico. Isto ficou evidenciado num episódio em que ele e seu bando prenderam o negro Periquito, que levara consigo alguns bens do seu patrão.

O bando pressionava Periquito, querendo o dinheiro que este levava, quando Adolfo colocou-se contra aquela situação, dizendo aos companheiros:
Vocês não vêem que se ele leva dinheiro, este não lhe pertence?
E dirigindo-se ao escravo pergunta:
Levas dinheiro contigo?
Sim, senhor - respondeu periquito.
- Levo 500 mil réis do Sr. Paulo Barbosa.
Ao ouvir esta resposta o bando se excita, mas o cangaceiro os repele:
Vá embora. Se precisar de alguma quantia, irei tomá-la do seu senhor, e não de você, que não é dono, pois se eu o fizer, certamente seu amo não irá acreditar na sua estória, e irá castigá-lo."

Adolfo morreu na Paraíba, em confronto com a polícia.

[O cangaceiro era neto do inglês Richard Breitt, traduzido logo pela gente da terra como Ricardo Brito, (embarcadiço, que chegando ao Recife, com 11 anos, no início do século XIX, internou-se pelo interior, no lugar Volta e não mais regressou. Ligou o seu destino ao de uma sertaneja, da família Siqueira Cavalcanti, conforme informações, e, segundo outras, a uma descendente do mameluco Amorim, que provinha dos índios da serra de Jabitacá. Richard Breitt depois de muitos anos foi convidado a regressar a sua terra, Londres, para receber grande fortuna, de herança que lhe pertencia. Por amor à família tudo renunciou. Chegou a ir até o porto da capital, mas lembrando os filhos, foi tirando os troços de volta já na hora da partida). Chegou à decadência devido a um dos seus netos - o temido Adolfo Rosa Meia-Noite (filho de sua filha Riqueta com Leandro) ter se tornado cangaceiro.]

Fonte: "Jabitacá" - Dois documentos para a sua história (Yoni Sampaio);
Pescado no açude: Afogados da Ingazeira

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15 de out. de 2018

NOS CAMINHOS DA PROMESSA E DA FÉ

Por *Rangel Alves da Costa

Pouco mais das duas horas da madrugada e os ribombos de fogos começaram a ecoar. Após o amainar dos estrondos, logo as vozes eram ouvidas bem adiante. Diversas pessoas, muitas, que foram chegando, reunindo-se no local marcado para o início de um ofício caracterizado pela devoção, fé, crença e religiosidade do povo nordestino: caminhada em louvor a Nossa Senhora Aparecida.
Mas não uma caminhada comum, de um local a outro dentro da própria comunidade ou pelas estradas nos arredores da região, mas seguido um percurso intermunicipal de mais de cem quilômetros. Saindo dos limites das terras de Poço Redondo, no sertão sergipano, e atravessando divisas, cortando estradas, até chegar à sede do município cujo nome homenageia a Santa e Padroeira do Brasil: Nossa Senhora Aparecida.
Tal caminhada surgiu como pagamento de promessa. Após uma graça alcançada, supostamente pela intercessão da santa devotada, iniciou-se a sagrada obrigação de a todo ano, à véspera do dia dedicada à santa, seguir caminhando até o santuário naquela cidade sergipana. No ano inicial, apenas umas poucas pessoas decidiram acompanhar, mas já neste ano um grupo muito maior decidiu acompanhar o pagamento de promessa pelas estradas sertanejas da religiosidade e da fé.
Tenha-se, porém, que o cumprimento da promessa não se dá apenas com a caminhada de pessoas que vão parando para descansar assim que os cansaços e os suores da distância cheguem. Tudo é estratégica e logisticamente programada. As pessoas caminham, mas veículos de apoio proporcionam toda assistência que necessitem. Após a chegada ao santuário e os ofícios religiosos, o retorno se dá nestes veículos. Não há mais uma exaustiva e cansativa caminhada, mas apenas a boa e espiritual sensação de dever cumprido.
Mas como dito, logo após das duas da madrugada, no trecho defronte aonde me acomodo na cidade sertaneja de Poço Redondo, eis que sou acordado do sono tranquilo na rede pelos fogos e pelas vozes. Gente e mais gente chegando, tudo em preparativos para a caminhada de fé, até que todos seguiram em direção a igreja matriz. Ali foram para serem abençoados por Nossa Senhora da Conceição, padroeira local, na caminhada. Entoando cantos, levando rosários de fé, com os corações tomados pela devoção, em seguida tomaram os caminhos distantes.
Tudo isso aconteceu no último dia 11, às vésperas do Dia da Padroeira do Brasil, a Nossa Senhora Aparecida, que com sua força de transformação e de reparo nas linhas tortas da vida, torna possível que cada vez mais gente ao seu manto se entregue em busca de cura, salvação ou simplesmente para agradecer a certeza de sua intercessão. No dia seguinte já estavam no santuário. Neste dia, as promessas foram pagas, os agradecimentos chegaram acompanhados das palavras da alma.
E tanto na ida com no retorno, apenas a caminhada. Nenhum cansaço, nenhuma dor, nenhum sofrimento. Eis os caminhos da fé e da devoção.

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12 de out. de 2018

NOVO LIVRO SOBRE O CANGAÇO NA PARAÍBA – SÉRGIO DANTAS LANÇA SEU QUINTO LIVRO SOBRE O TEMA


O livro ‘LAMPIÃO NA PARAÍBA – NOTAS PARA A HISTÓRIA’ não foi concebido com a intenção de se tornar uma obra revolucionária. O objetivo do autor foi apenas elaborar um registro perene e confiável sobre a atuação do célebre cangaceiro em terras paraibanas. Com 363 páginas e cerca de 90 fotografias de personagens envolvidas na trama – e lugares onde os episódios ocorreram -, o trabalho certamente será de grande utilidade aos estudiosos de hoje e de amanhã.
Dividido em 19 capítulos, com amplas referências e notas explicativas, tenta-se recontar, entre outros, os seguintes episódios:
“A invasão a Jericó; fazendas Dois Riachos e Curralinho; o fogo da fazenda Tabuleiro; os primeiros ferimentos sofridos por Lampião; as lutas com Clementino Furtado, o ‘Quelé’; combate em Lagoa do Vieira; Sousa: histórico do assalto e breve discussão sobre as possíveis razões políticas para a invasão da cidade; a expulsão dos cangaceiros do município de Princesa; combates em Pau Ferrado, Areias de Pelo Sinal, Cachoeira de Minas e Tataíra; o cangaceiro Meia Noite; Os ataques às fazendas do coronel José Pereira Lima; morte de Luiz Leão e seus comparsas em Piancó; confronto em Serrote Preto; Suassuna e Costa Rego; a criação do segundo batalhão de polícia; Tenório e a morte de Levino Ferreira; ataque a Santa Inês; combates nos sítios Gavião e São Bento; chacina nos sítios Caboré e Alagoa do Serrote; Lagoa do Cruz; assassinatos de João Cirino Nunes e Aristides Ramalho; Mortes no sítio Cipó; fuga de paraibanos da fronteira para o Ceará; confronto em Barreiros; invasão ao povoado Monte Horebe; combates em Conceição; sequestro do coronel Zuza Lacerda; o assalto de Sabino a Triunfo(PE) e Cajazeiras (PB); mortes dos soldados contratados Raimundo e Chiquito em Princesa; Luiz do Triângulo; ataques a Belém do Rio do Peixe e Barra do Juá; Pilões, Canto do Feijão e os assassinatos de Raimundo Luiz e Eliziário; sítios Vaquejador e Caiçara; Quelé e João Costa no Rio Grande do Norte; combates com a polícia da Paraíba em solo cearense; o caso Chico Pereira sob uma nova ótica; Virgínio Fortunato na Paraíba: São Sebastião do Umbuzeiro e sítios Balança, Angico e Riacho Fundo; sítio Rejeitado: as nuances sobre a morte do cangaceiro Virgínio”.
A obra certamente não abrangerá o relato de todas as façanhas protagonizadas pelo célebre cangaceiro no estado da Paraíba. Muito se perdeu com o passar dos anos. Os historiadores de ontem, em sua maioria, não tiveram grande interesse em dissecar os episódios por ele protagonizados no território do estado.
A presente obra busca resgatar o que não se dissipou totalmente na bruma do tempo.
Lançamento em Natal do livro de Sérgio Dantas “Antônio Silvino – O Cangaceiro, O Homem, O Mito (2006)”.
LAMPIÃO NA PARAÍBA – NOTAS PARA A HISTÓRIA, Polyprint, 2018, 363 pgs. Disponível em outubro de 2018.
Sobre o autor: Sérgio Augusto de Souza Dantas é magistrado em Natal. Publicou os livros Lampião e o Rio Grande do Norte – A História da Grande Jornada (2005), Antônio Silvino – O Cangaceiro, O Homem, O Mito (2006), Lampião Entre a Espada e a Lei (2008) e Corisco – A Sombra de Lampião (2015).
PARA ADQUIRIR LAMPIÃO NA PARAÍBA – NOTAS PARA A HISTÓRIA,  VENDAS A PARTIR DE OUTUBRO DE 2018, SENDO REALIZADAS EXCLUSIVAMENTE PELO PROFESSOR FRANCISCO PEREIRA, DE CAJAZEIRAS, PARAÍBA, QUE ENTREGA PARA TODO O BRASIL PELO CORREIO.
CONTATOS ATRAVÉS DO E-MAIL fplima1956@gmail.com, franpelima@bo.com.br OU Whatsapp 55 83 9911-8286
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11 de out. de 2018

MARIA CELESTE ESTÁ ANIVERSARIANDO HOJE

Por Fernando Neeser

Hoje, Maria Celeste filha de Corisco e Dadá completa 81 anos. Parabéns a ela!


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10 de out. de 2018

MAIS UM LIVRO

Por Francisco Pereira Lima

Mais um livro na praça: FLORO NOVAIS: Herói ou Bandido? De Clerisvaldo B. Chagas & França Filho. Este livro estará disponível a partir de amanhã no Cariri Cangaço São José do Belmonte e segunda feira dia 15/10 Para todo Brasil. Preço R$ 40,00 com frete incluso. 124 páginas. Franpelima@bol.com.br e fplima1956@gmail.com e Whatsapp 83 9 9911 8286.

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8 de out. de 2018

OS ELEITOS

*Rangel Alves da Costa

É neste domingo, dia 07 de outubro, dia de disputa eleitoral, e o pleito vai se estender até o entardecer. Depois disso, a divulgação das pesquisas de boca-de-urna, o disse-me-disse, as expectativas e, enfim, as apurações e o aparecimento dos primeiro resultados. Ante as novas tecnologias, não demora muito e toda a apuração já estará concluída. Muitas vezes, não há nem tempo de o candidato ir à farmácia comprar um turbilhão de calmantes ou adquirir lenços para as lágrimas doces ou amargas demais.
Com a primeira parcial apresentada em painel no centro de apurações, logo se terá o sorriso largo ou a tristeza apresada. As urnas são santas, dirão uns. As urnas são traiçoeiras, dirão outros. As mãos trêmulas tentam anotar números, resultados, fazer cálculos. Não conseguem. O nervosismo é demais. A vida do candidato está ali. Depois de meses e meses de porta em porta - mentindo descaradamente -, indo de canto a outro, prometendo muito e gastando pouco, agora a hora do tudo ou do nada.
Tem gente que não acredita no que avista e logo põe as mãos à cabeça em total desespero. Os saltos e os murros pelo ar são sempre sinais de números bons que acabaram de surgir. Num canto, um pleiteante está totalmente estático, paralisado. Não, aquilo não pode ter acontecido. Nenhum voto na seção que votam sua esposa e sua amante. Alguma coisa deu errada, lamenta-se enquanto refugia-se para o quase desmaiar. Um copo d’água não serve. Quer mesmo é morrer. Vai saindo de fininho e nem se lembra das dívidas que deixou para trás. Estava certo de pagar tudo antes mesmo de tomar posse. E agora?
As expectativas aumentam. As primeiras urnas sinalizam o destino dos candidatos, mas não define. Muita água ainda pode rolar debaixo da ponte, como chega um para esperançar um pleiteante já cabisbaixo e desiludido. Outro se aproxima para dizer que o berço eleitoral do candidato ainda não foi totalizado e que, por isso mesmo, ele pode dar a volta por cima. Já outro vai logo correndo atrás de fogos, já vai chamando o candidato de deputado, senador ou governador. E relembrando na hora aquele emprego prometido. O quase-eleito - e como sempre acontece - já mudou o discurso, já não força sorrisos, agora tanto faz aquela gentalha que nele votou.


Noutros idos, após o término da votação, logos os preparativos das festanças tomavam rumo. Numa disputa política local, num tempo de voto de cabresto e curral fechado, as lideranças locais se digladiavam não pela vitória de dois da mesma localidade para tomar assento na assembleia legislativa, mas pela vitória de um e a derrota do outro. A maior vitória do ferrenho opositor era a derrota do outro. O sucesso deste seria um fracasso total ao seu grupo político, que certamente se fragilizaria a partir da debandada de falsos amigos e eleitores.
Assim, terminada a eleição, o coronel Miguelino Cabreúva mandava matar cinco bois para a festança de comemoração do fracasso de seu opositor. Cinco bois, meio mundo de cajuína e aguardente, fogos de não acabar mais. Naquela eleição, ao invés de apoiar qualquer outro candidato de fora, esmerou-se mesmo em fazer política para tirar votos do inimigo. Onde soubesse que havia uma família propensa a apoiá-lo, logo era encaminhada uma comitiva de jagunços com dois contos à mão e um recado bem dado: Se votar no coronel Torquato não sobra nem pó!
Por sua vez, ciente de já estar vitorioso, o coronel Torquato Quixabeira preparava uma comemoração ainda maior. Ele queria porque queria mostrar a seu desafeto quem mandava ali. Ademais, o poder local não podia continuar dividido entre dois coronéis. E agora, sendo eleito deputado da região, forçaria a todo custo a queda do opositor. Por isso mesmo havia vendido de porteira fechada uma de suas tantas fazendas, redobrado o número de seus pistoleiros, e tudo para ganhar a eleição no dinheiro ou na bala. Vixe Maria, dizia o vigário Miguelino em meio à trincheira sangrenta.
Quem se deu melhor nessa disputa de mando? Tanto faz. Em política, quem é eleito nem sempre sai vitorioso, quem perde nem sempre sai totalmente derrotado. Na vitória há um fardo pesado demais a ser carregado. Ao menos para aqueles com algum compromisso ou seriedade. Não é nada fácil mostrar que valeu a pena ser votado, pagar promessas, não se desnortear muito daquilo que se mostrou enquanto candidato, mas principalmente continuar sendo respeitado pela população e eleitores.
Já os não eleitos, muitos destes se posicionam com pedras à mão e mirando determinadas janelas. E permanecerão derrotados acaso não façam do insucesso uma lição. Não adianta apenas fazer oposição. Tem que mostrar que poderia fazer melhor. Contrariamente ao que se imagina, oposição política exige demonstração de ação e capacidade para as futuras escolhas, e não apenas enlamear nomes, administrações e governanças.
Ao final deste domingo, os eleitos ou escolhidos para o segundo turno já estarão conhecidos. E certamente com fogos e lágrimas. Mas é o povo quem acende o pavio ou entrega o lenço. E assim deveria ser mais reconhecido, bem como suas motivações para eleger ou derrotar.

Escritor
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