*Rangel Alves da Costa
Num tempo em que o adultério (a transgressão da fidelidade conjugal, através da traição) era crime, ocorreu nos arredores da cidade de Poço Redondo um caso pra lá de estarrecedor, envolvendo morte e consequências religiosas.
Não recordo bem se na região das Areias, Queimadas ou outra localidade, mas a verdade é que um marido flagrou a esposa em traição, em pleno ato sexual, e tacou fogo nos dois, na dita e no amante. E matou os dois, um por cima do outro, sem tempo de desapartarem. Preservando os nomes, eis que as famílias ainda estão presentes, fato é que, para a época, o contexto da ação criminosa acabou provocando, além da perplexidade, as discussões mais acirradas.
Acirradas por que uns defendendo a ação do marido traído, vez que as provas dos fatos estavam nos dois corpos nus, um por cima do outro, dentro do mato, sem qualquer chance de se afirmar ter havido uma relação de outra natureza que não a sexual. Já outros, de vertente mais piedosa, viam apenas uma ação criminosa incabível e que, por isso mesmo, merecendo todas as sanções penais.
Mas aconteceu assim, segundo ainda hoje é repassado. Os amantes já estavam acostumados e ter encontros sexuais pelos matos, pelas matarias catingueiras pelos arredores de onde moravam, pois quase vizinhos. Toda vez que o marido saía para se demorar mais um pouco, a esposa prontamente corria aos locais combinados e lá já estava à sua espera o amante.
Ação costumeira, eis que caiu na percepção de alguns, que passaram a desconfiar da traição. Quer dizer, alguns sabiam daqueles encontros, mas o marido não. Aliás, como sempre acontece até hoje. Pois bem. Talvez alguém já conhecedor do caso, prontamente alertou o traído sobre o que estava acontecendo. Este aguardou o momento certo para dar o bote, para perpetrar o flagrante. Não se imaginaria, porém, que a sua intenção não era apenas flagrar, mas matar os amantes.
Assim, o marido avisou que se ausentaria e chegaria tal hora. Saiu fora de casa e se escondeu pelos arredores, espreitando tudo. Então avistou ela saindo e adentrar pelos matos. Aguardou o tempo suficiente para que o encontro se transformasse em safadeza. Foi devagarzinho, pé-ante-pé, cuidadosamente para não ser percebido, e mais adiante já avistou os dois no bem-bom.
Como dito, os dois nus, um por cima do outro, no maior deliciamento do mundo. Foi o momento da ação. Tomado de ódio e fúria, com os olhos sangrando de raiva e o coração gritando de dor, ele nem pensou duas vezes. Aproximou-se mais, mirou a espingarda e tacou fogo. Certamente mais de um tiro. Foram pipocos tão grandes que as rolinhas e os bichos do mato desandaram no oco do mundo. Um gavião ficou na copa da catingueira onde estava e somente para dizer “Eu sabia que isso ia acontecer. Safadeza só dá nisso”.
Os tiros foram tão certeiros que não deu nem tempo de os amantes saírem da posição. Morreram encangados, como se diz. Depois de o serviço feito, o traído, e já transformado em assassino, abandonou o local e deixou os dois corpos lá estendidos. Com a descoberta do crime, pessoas daquela comunidade logo cuidaram de transportar os corpos para a cidade. A intenção era deixa-los na igreja para que depois fosse providenciado o enterro.
Contudo, ante a chegada daqueles corpos vítimas de adultério, o padre de então (um frei muito conhecido) não aceitou de jeito nenhum que os dois fossem colocados dentro da igreja. Então, como nada mais havia a ser feito, os amantes sem vida foram estendidos na calçada, um pouco além da porta do templo religioso. E foi um não acabar mais de conversas. Muitos diziam do desacerto do padre em não os ter aceitado dentro da igreja. Outros, de feição mais conservadora, afirmavam que era o chão mesmo e não numa casa sagrada que os dois pecadores deveriam ficar.
Há de se dizer que a visão daqueles amantes mortos e estendidos perante a porta, acabou provocando as mais intensas reações de ordem moral. Para muitos, ali estavam demonstradas as consequências da traição conjugal, do adultério, da safadeza, e que, portanto, a sociedade e os casais deveriam se espelhar naquele exemplo. Mas, como se tem até hoje, aquele espanto passou e tudo foi ficando cada vez pior.
Outras reações são dignas de nota. A esposa do falecido se aproximou da amante morta jazendo ao chão, puxou-lhe os cabelos e passou a dizer impropérios indescritíveis, até que foi afastada à força por pessoas que estavam ao redor. E soube-se depois que a falecida estava grávida. Mas nunca se soube se do marido ou do amante. Este, pelo cometimento de crime em defesa da honra e pelas provas irrefutáveis, livrou-se de duradoura cadeia.
Até hoje tal episódio é relembrado. Rememorado, porém jamais tido como exemplo para a diminuição das traições conjugais. Com efeito, se todo marido ou companheiro traído matasse a traidora e o amante, não haveria cadeia que desse. Foi tudo assim. Ou mais ou menos assim.
Escritor
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