*Rangel Alves da Costa
Primeiro matei uma muriçoca chata e azucrinante. Eu tinha de matá-la, e por isso confesso minha atitude extremada.
Depois eu matei uma barata repulsiva e irritadora demais. Eu tinha de matá-la, pois ou ela ou a minha paz.
Depois eu matei uma formiga impossível de ser suportada. Eu tinha de matá-la, vez que corria risco de perder meu quintal inteiro.
Depois eu matei um bicho rastejante de muitos pés e que de repente apareceu já subindo à minha rede. Eu tinha de matá-lo, e matei.
Depois matei um grilo e calei de vez o seu cricricri abominável e insuportável. Matei sim, e não me arrependo não. Eu não suportava mais aquele canto abominável.
Depois eu matei até a manhã. Acreditem, mas eu matei a manhã. Estava deitado, a janela abriu e a luz do alvorecer veio toda em meu rosto. Bati a janela e a manhã morreu.
Depois eu quis matar uma borboleta que entrou pela janela e acordou o meu sono, mas achei melhor espantá-la apenas, e para depois me arrepender.
Depois eu quis matar minha sogra. Mas eu não tinha sogra, ainda bem. Mas também sogra não é bicho. Acho que não.
Depois eu quis matar o padre que havia me casado. Mas eu nunca casei, ainda bem. Ia sobrar para o vigário acaso ele tivesse mentido com aquela história de juras de amor.
Depois eu quis matar o dono do mercadinho, da padaria, da farmácia, do açougue. Pensei que eles tinham culpa por querer matar todo mundo pelos preços cobrados.
Sim, eu quis matar todo comerciante pelos abusos cometidos a cada dia e a cada instante. Mas achei melhor não matar, e simplesmente mais nada comprar.
Depois pensei também em matar todo político. Ainda penso, mas Deus me livre ir para o caldeirão das trevas por causa de político.
Depois pensei em matar todo dono de jornal, todo jornalista mentiroso, toda prensa e todo computador. Um assassino da notícia falsa. Mas deixei pra lá, pois acredite quem quiser.
Depois pensei em matar tanta gente e tanta coisa no mundo que você nem imagina. Só nunca pensei em me matar, pois não sou besta.
Mas um dia, pela porta de trás entrou um bichão que eu ou matava ou era devorado na hora. Mas não matei. Por isso me sinto devorado a todo instante: a solidão.
Mas penso seriamente em matar a solidão. É uma questão de sobrevivência: ou eu ela. Por isso que vivo procurando a arma mais letal para dar fim a esse bicho traiçoeiro.
Vou matar a solidão sim, já decidi. E vai ser ainda hoje. Quando a noite chegar, quando ela aparecer, ao invés de sofrer eu vou acertar minhas contas com essa desgraçada.
Já tenho uma armadilha pronta. Assim que ela der sinais, no mesmo colocarei um cd de Pablo Vittar na maior altura. Duvido que ela não morra de raiva no mesmo instante!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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