*Rangel Alves da Costa
Nas suas lides de gado, entre aboios e toadas, seguindo pelos estradões ou em disparada em meio aos carrascais nordestinos, o vaqueiro foi construindo sua saga e sua história. O mesmo homem citadino ou do mato, sertanejo revestido de couro do chapéu às botas, levando consigo a tenacidade e o destemor aos perigos adiante, desde os espinhos das matas às pontudas armadilhas das catingueiras ressequidas.
O Nordeste e os sertões muito devem ao vaqueiro. Nos idos dos desbravamentos e dos nascedouros das povoações, nos currais e no cuidar dos rebanhos, a gestação de ofícios que foram se tornando primordiais. Com efeito, os ofícios vaqueiros ainda permitem que os rebanhos sejam cuidados pelos campos e suas bravuras também possam deleitar aqueles apaixonados pelas vaquejadas, cavalgadas e pegas-de-boi.
Vaqueiros de antigamente e vaqueiros modernos, e estes tão diferentes. Aqueles, sem a moderna ostentação do cavalo e da mostra de encorajamento nas disputas dos parques de vaquejada e das caatingas ao redor, viviam seus ofícios por necessidade e prazer na lide diária com o bicho. Vaqueiros das antigas e afamadas fazendas, dos grandes currais e dos tangimentos de bois e boiadas de canto a outro.
Vaqueiros que se iniciavam na vaqueirama pelo cheiro do estrume ou pelo ecoar da cancela rangendo. Ainda meninos e já estavam subindo em cavalos, tangendo gado, fazendo a separação, levando de pasto a outro. Para depois, já homens feitos, chamarem para si a responsabilidade pela condução do mundo sertanejo do boi, da vaca e do garrote. Tendo como montaria seu alazão, na moldura toda a expressividade do herói e do mito encourados: gibão, perneiras, rolós, embornais, cantis e muito mais.
Vaqueiros afamados pelo conhecimento do bicho, pelas proezas na vaqueirama, pelos destaques nas caçadas no meio do mato ou nas pega-de-boi. Na disputa para quem desembesta em busca do rabo do gado, nem sempre o vencedor é aquele que leva a rês valente ao chão, mas aquele que mostrou destemor e maestria perante os perigosos e pontudos labirintos da mata. E não importa que retorne com o rosto lanhado ou sangrando, pois importa mesmo a abnegação pela vida vaqueira.
Não há coisa mais proveitosa que encontrar um afamado vaqueiro para um bom proseado. Toda vez que encontro o amigo Elias, ou Elias de Tonho Gervásio, como é mais conhecido, eu festejo por dentro e por fora. Não há criatura sertaneja mais alegre, simpática e de prosa boa, que ele. Parece nunca estar preocupado. Também nunca foi encontrado de cara feia ou de poucos amigos.
Toda vez que o encontro é um abraço apertado. Era muito amigo de meu pai Alcino e continua meu amigo também. Aliás, com Elias meu pai proseava de quase passar o dia inteiro. No último encontro, na sexta de feira interiorana, apimentei o reencontro ao perguntar quem ele achava o maior vaqueiro de todos os tempos nas caatingas de Poço Redondo e arredores.
Pergunta mais que melindrosa perante um vaqueiro afamado, ante um verdadeiro titã das caatingas e cuja história já é cantada por todos. Mas ele, um tanto surpreendido, não pensou duas vezes para dizer:
“De todos, e digo sem medo de errar, que nenhum se igualou a Rivaldo de Janjão. Rivaldo, que dias atrás deixou o sertão mais triste e foi vaqueirar lá nos céus, foi o maior vaqueiro entre todos. E pertinho dele, quase no mesmo prumo, estava Tião de Sinhá. Dava gosto ver esses dois na verdadeira pega-de-boi, no meio do mato atrás de boi valente, vencendo os espinhos e as pontas de pau para dar cabo da empreitada. Por outro lado, quando se falava em rastejador, aquele que parece que sente o cheiro do bicho e vai atrás pelas marcas dos cascos fincadas na terra, não havia outro igual a Bastião de Timbé. Nunca houve no mundo um vaqueiro que descobrisse a presença de um boi, já passado mais de ano de seu desaparecimento, apenas pelo rastro encontrado. E Bastião de Timbé avistava a marca no chão e dizia qual era o boi e onde ele estava. E não errava não. Um ou dois dias depois, ou mesmo com mais tempo, nas lonjuras do mundo, e o boi estava lá. Não errava uma. Outro rastejador respeitado era Nofinho. Mas igual a Bastião de Timbé nunca houve um igual. E ele tá aí pra contar muito melhor essa história”. Mas quando eu perguntei sobre o que tinha a dizer sobre o vaqueiro Elias, sobre ele mesmo, quase dá gargalhada para dizer: “Deixe pra lá!”.
Deixe pra lá nada, Elias. Há que se reconhecer sua majestade e soberania na vida vaqueira. Todo animal e toda caatinga ainda reverenciam a sua passagem. Você sempre foi e sempre será reconhecido como um dos maiores vaqueiros da história sertaneja.
O bicho conhece o seu nome, a caatinga conhece o seu nome, a vaqueirama proclama seu nome. E Poço Redondo simplesmente o festeja com orgulho e gratidão.
Escritor
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