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10 novembro 2018

REVISTA NOITE ILUSTRADA, 9 DE JULHO DE 1946. CORTESIA JOEL REIS.


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08 novembro 2018

COZINHAS E QUINTAIS

*Rangel Alves da Costa

Quanta memória boa rebusco agora. Vejo-me caminhando em direção à cozinha da casa e, um pouco mais adiante, à porta troncha que dá passagem ao quintal.
Já não avisto nem minha avó nem sua avó. Minha bisavó subiu aos céus encantada de tempo. Agora só restam as cozinhas e os quintais nas lembranças.
Na cozinha, de barro batido ou na taipa mal-acabada, o fogão de barro tomando um canto inteiro. No barro estendido, blocos ou tijolos sustentando a grelha.
Boca de fogão aberta, faminta, querendo muita lenha e muito mais carvão. A madeira queimando vai se contorcendo como de dor de partida, e para logo virar brasa e carvão.
Por cima da grelha ou apenas dos blocos, sentindo a labareda e a fúria ardente do fogo em chamas, a panela de barro, a chaleira antiga, o tacho para fazer doces.
Depois de tudo cozido, preparado, fervido, as cinzas juntadas para serem recolhidas. Mais ao lado, no outro canto, uma trempe com pote em cima.
Pote pequeno, mas de boca graúda, sempre com água suficiente para que a caneca não se afundasse tanto. Abaixo, no fundo do pote, uma rodilha sempre molhada.
E também um pano todo branquinho para tampar a boca. Quando o pote fica suado, ou a rodilha para reter a água ou a lama vai se formar mais abaixo.
Um pouco acima do pote, penduradas na parede em pequenas forquilhas, três ou quatro canecas d’água, todas de alumínio e sempre brilhosas de tanto serem arejadas.
Ao centro, uma pequena mesa de madeira velha tendo por riba um jarro com flores de plástico. Não há casinha de antigamente onde não houvesse um jarro com flores mortas.
Flores de cinzas, acinzentadas, quase sem cor, mas tão cheias de vida naquele viver humilde. Endurecidas de tempo, quebradiças dos anos, mas sempre ali.
Um alguidar em cima de uma banquinha, uma fruteira por riba do guarda-comida de pouco uso. Já envelhecido demais, mas sempre bonito na sua madeira de lei.
Mas o guardado lá dentro é de valor sem igual: um jogo de porcelana herança familiar. Tudo sempre assim, tudo sempre no seu lugar.
De vez em quando um cheiro de café torrado, um aroma gorduroso de tripa assada, um perfume especial de cuscuz de milho ralado.
Saindo desse velho e primoroso ambiente, logo adiante o quintal. Que saudade daqueles tempos dos quintais, daqueles cercados com árvores frutíferas e galinhas ciscando ao redor.
Onde estão os quintais, os belos quintais com seus cantos de plantas medicinais, do boldo, do manjericão, do mastruz, da raiz curativa pra qualquer doença?
Quintais de poleiros, de mamoeiros e cajueiros, de varais e de tanques de lavar roupa. Quintais de tronco largo para sentar, de tamborete para fumar o cigarrinho de palha, de purrão para juntar água de chuva.
Quintais de pontas de vacas e de meninos brincando de fazendeiro. Não. Não existem mais os quintais. Mas ainda assim eu vou além da porta da cozinha só para imaginar outros tempos.
Ali está uma mulher estendendo a roupa e cantarolando uma velha canção: “Tardes sertanejas que se vão, logo chamam as luas do sertão. E eu aqui tão triste, ai como dói meu coração...”. Será minha mãe? Será sua mãe? Não sei. Não sei. Só sei que dá saudade. Eu sei.

Escritor
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07 novembro 2018

SANTANA TINHA CARTAZ

Clerisvaldo B. Chagas, 7 de novembro de 2018
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 2001

 Fazendo leitura de fotografia antiga, notamos a figura discreta do cartaz. O cartaz era uma superfície de madeira de, aproximadamente, dois metros de comprimento por oitenta centímetros de largura. Possuía dois pés para se apoiar em qualquer tipo de solo e uma corda para abraçá-lo ao poste determinado. No máximo era afixado em dois lugares, mas tinha o seu ponto preferido na esquina do casarão à esquerda da Matriz de Senhora Santana. Ali era o famoso Hotel Central de Maria Sabão, como central também era o poste de luz diferenciado. O cartaz anunciava o filme do dia, primeiramente, do Cine Glória, cinema situado à Rua Coronel Lucena. Mas também anunciava os embates dos times de futebol Ipanema X Ipiranga, agremiações locais que causavam frenesi na multidão.
CARTAZ NO POSTE. (FOTO: LIVRO 230).
O cartaz ficava mais chamativo quando surgia nitidamente pintado de branco ao fundo, destacando o anúncio. Não temos lembrança de quem o colocava no ponto, mas havia um funcionário chamado Roque, no cinema, que parecia ser o transportador. O próprio Cine Glória também possuía o seu painel de anúncios de filmes, distribuídos na parede interna. Pelas grades vazadas que serviam de porta, dava muito bem para que os transeuntes ficassem bem informados das novidades. No dia em que o cartaz faltava no ponto central, criava expectativa.
Outras formas de anúncios eram realizadas na época, como por exemplo, através do sistema de autofalantes distribuídos na cidade, tanto em postes quanto no alto dos prédios. Posteriormente, o cartaz passou a servir ao Cine Alvorada, construído no Centro para substituir o Cine Glória. Nunca soubemos de nenhum vandalismo praticado nos anúncios. O cartaz era ponto de encontro de todos e por isso mesmo bastante respeitado.
Houve época em que apelidamos o lugar como A Esquina do Pecado, em alusão ao filme. Ali nos degraus das casas comerciais se reuniam naturalmente a juventude para discutir os problemas do mundo.
E a vida continua.


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05 novembro 2018

AS NOTÍCIAS QUE VOCÊS NÃO LERAM

*Rangel Alves da Costa

As notícias chegam a todo instante, em profusão, num vendaval de informações. Pela televisão, jornais, redes sociais, nos diálogos cotidianos. Aconteceu lá na Cochinchina, nos confins do mundo, mas no instante depois e já é do conhecimento de Zequilau das Verduras, lá debaixo do pé da serra.
Aliás, foi Zequilau das Verduras quem defendeu uma tese bastante original num dia de feira, em conversê com outros feirantes e vendeirins. Segundo Zequilau, ninguém sabe é de nada mesmo, ao menos se depender somente das informações que chegam a todo instante. O grosso da coisa – no seu dizer - nem é noticiado. O mundo viraria de cabeça pra baixo se a verdade passasse a ser do conhecimento de todos.
E disse mais: A notícia sobre o bueiro só fala sobre a tampa do esgoto, mas nunca da fedentina que escorre por baixo. A notícia sobre o político que rouba só mostra o crime cometido, mas não o mapa com nomes e sobrenomes de todos aqueles que permitiram que a ilicitude acontecesse. A notícia sobre a palavra do governante só mostra o que foi dito, mas não o que já foi dito e nunca foi feito. A notícia vendida e mostrada como boa, nunca mostra que a mesma notícia foi dada no passado e não surtiu nenhum efeito.
Zequilau das Verduras tem razão, plena razão. Se um fato possui várias versões ou várias realidades o envolvendo, por que a notícia dada corresponde exatamente aos interesses de quem noticia? Se uma notícia clama por isenção, com fiel apuração dos fatos e sem interesses que a desnorteie, então por que o noticiado nunca corresponde à verdade se tal verdade vai contra os desejos de um protegido? Se um fato ainda não foi devidamente comprovado, por que se antecipa a acusação?
Zequilau tem razão, e disso eu não duvido. Jornal impresso existe que só diz um lado da verdade. Jornal impresso existe que repassa uma versão como realidade e vai repetindo na tentativa de que a suposição se torne verdade. Noticiário televisivo existe que passa na peneira a informação e só noticia o que permitiu que caísse na peneira. Noticiário televisivo existe que vai cortando logo pela raiz: isso não, isso sim, esse não, esse sim, isso de jeito nenhum, isso sempre. Notícia radiofônica existe que mais parece ser voltada para um determinado tipo de ouvinte. Notícia de rádio existe que transmite a voz do “dono” da emissora e não a voz da realidade dos fatos.


Mas Zequilau ficaria ainda mais espantado se soubesse que nunca houve isenção, seriedade nem inocência no jornalismo. O cabra das verduras ficaria abismado se imaginasse que no mundo da informação há severas ordens a ser cumpridas, tanto para alavancar uma candidatura como para afundar outra, tanto para mentir como se verdade fosse como para forjar fatos ao invés de repassar o que não pode ser duvidado. Ficaria estarrecido se soubesse que jornalismo também se vende, se compra, se negocia. Ficaria boquiaberto se soubesse que em todo noticiário há uma intenção de vida e de morte, sempre sucumbindo um e erigindo outro.
Zequilau certamente nunca vai mirar os seus olhos num editorial de jornal dizendo “Eu menti!”, “Eu me vendi!”, “Eu fiz jogo sujo”. Igualmente nunca vai ler uma confissão afirmando que o jornalismo ali praticado é de pura ideologia partidária e não de compromisso exclusivo com a verdade. Nunca vai saber, através do próprio jornal ou noticiário, que alguns milhões foram ali investidos em nome de um partido, de um candidato ou de uma “ideia”. Nem nunca vai ler que o jornalismo é um leilão de quem dá mais ou que a defesa dos interesses dos jornais, rádios e televisões, sempre se mostram mais importantes que a isenção e a imparcialidade.
Daí que a notícia nem sempre destrincha a realidade dos fatos, Coada, peneirada, escolhida, passa a representar apenas os interesses ou as conveniências de alguns. Basta saber que jornais, rádios e televisões, sobrevivem de recursos, de dinheiro, de investimentos. E quem estiver disposto a pagar o preço cobrado logo passará à lista dos escolhidos, dos bonzinhos, dos inatacáveis. Se um governante investe milhões em propaganda, logicamente que será blindado contra ataques ou notícias que não sejam do seu agrado. Se um partido político paga para que outra sigla ou candidato seja atacado, e este não dobra a aposta, então o jogo sujo está feito.
Tais realidades demonstram o quanto as notícias são manipuladas até chegarem aos ouvintes, telespectadores ou leitores. Nenhuma notícia nasce santa e é repassada com santidade. Por isso mesmo muito acontece de ninguém ter real conhecimento do ocorrido. Um ataca na mentira, outro defende na mentira, e a realidade vai sendo passada ao plano da desimportância. Parece absurdo, mas as informações são quase sempre mentirosas, reinventadas ou desnorteadas. Acham que o povo não merece ser seriamente informado, mas sempre e somente manipulado.

Escritor
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03 novembro 2018

O SERTÃO E A MAGIA DA BOCA DA NOITE

*Rangel Alves da Costa

Neste momento estou em Poço Redondo, no sertão sergipano. Aqui, sem qualquer dúvida, o retrato mais expressivo do ser e do viver sertanejo. Mas não estou a passeio nem sou visitante ocasional, pois nasci aqui e até os onze anos por aqui permaneci como um calango na sua terra. Mas não abdiquei do berço de nascimento. Todos os finais de semana eu risco no seu chão como um alazão que chega afoito por mais viver.
É momento de entardecer sertanejo. Já é boca da noite, como se diz por aqui. E é na boca da noite que as cozinhas espalham os aromas de cuscuz, de tripa de porco, de toucinho, de carne seca, de ovos de capoeira, de café torrado ou empacotado. A mesma logo será posta, o menino mastigará o seu pão, a dona de casa se dará por satisfeita se a comida disponível deu ao menos para enganar a fome. Depois disso a noite cai de vez, a lua se faz maior e mais brilhosa, os noturnos se perfazem na singeleza sertaneja.
Sou conhecedor e admirador de tudo isso. Contudo, mesmo sentido perto de mim todo esse encantamento da chegada da boca da noite, algo me leva ainda mais longe ou mesmo pelos arredores de onde estou. Logo ali já é mato, já é a pequena propriedade, já é o casebre, já o sertão em seu estado mais natural. E fico imaginando daqui a magia que é a chegada do anoitecer naquelas localidades mais distantes e onde a noite praticamente termina logo após o noturno café.
Talvez por que a vida dos sertanejos das regiões mais afastadas seja mais cansativa pelos labores cotidianos debaixo do sol, a verdade é que depois da janta já é chegada a hora de fechar as portas. E nos tempos idos nenhuma porta era avistada aberta depois das sete da noite. Quando muito, apenas alguns amigos em proseado numa malhada ou noutra, uma mulher debulhando milho ou alguém dedilhando uma saudosa viola.


Atualmente, mesmo com as televisões já estando presente mesmo na maioria dos casebres e casinhas de cipó e barro, somente os mais jovens se demoram mais vendo novelas. O autêntico sertanejo não. Avista, quando muito, o noticiário e já se dá por satisfeito. Depois vai até o lado de fora acender seu cigarrinho de palha, avistar a lua grande, meditar sobre a vida e sobre o mundo ao redor, tentar avistar nuvem de chuva, mas nada disso por muito tempo. Não demora muito e já estará se recolhendo para o adormecimento dos justos. Ora, antes mesmo de o galo cantar já estará novamente em pé e pronto pra luta.
Nos tempos dos candeeiros – e sem geladeira, televisão, eletrodomésticos – a singeleza da vida sertaneja era ainda maior. Muitas vezes sem vizinhos por perto e com poucas palavras para serem partilhadas entre os da casa, a noite fechava mesmo após a última xícara de café. Quem passasse pelos arredores só avistava, quando muito, a luzinha fraca e amarelada dos candeeiros e lamparinas pelas frestas da janela. E um pouco mais tarde, como economia de gás, até mesmo as chamas eram apagadas. E o silêncio e a escuridão sertaneja se abraçavam em terna e afetiva comunhão.
Lá fora, apenas um ou outro barulho fazendo barulho, vaga-lumes passeando pelos arredores, açoites de vento trazendo folhagens. Uma coruja pia, um grilo faz seu contínuo canto. Os sonhos navegam. Os sonhos aportam e singram no mundo-sertão de secura e de sol afoito.

Escritor
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02 novembro 2018

ALUMIANDO A VIDA

Clerisvaldo B. Chagas, 2 de novembro de 2018
Escritor Símbolo do Sertão Alagoano
Crônica: 1.998

Dona Zifina cortava flandres. Fazia candeeiro. Seu Tô, com chapéu raro de Polícia Montada, retelhava casas; Salvino consertava sombrinhas; Silvino manejava o serrote: roc-roc; Pé-Espaiado era ferreiro; Zé Gancho trabalhava o Zinco; Otávio Magro vendia carne-de-sol e Dona Maria Néris rezava o ofício de Nossa Senhora. Manezinho Quiliu, vindo de Olivença, mexia com bicas; Gérson batia sola; Maria Lula vasculhava casa; Zé Preto negociava bugigangas; Seu Né cubava terras; Flora vendia esteiras; Seu Antônio e Seu Quinca eram alfaiates e, finalmente, Zé Limeira fazia malas. Não éramos uma Grécia, mas bem que a Rua Antônio Tavares e arredores funcionavam como tal.
CANDEEiRO. (FOTO: ANALISE AGORA).
Josefina, dona Zifina, de voz metálica e artesã dos flandres, confeccionava candeeiro, canecos, aros de óculos: Rats, rats, rats, trabalhava a tesoura pesadona nos dedos ágeis da avó de Oscar Silva, futuro escritor. E numa terra que passou quatro anos no escuro, o candeeiro, a placa, a candeia, eram bênçãos divinas nas noites tremendamente escuras do Sertão. Santana do Ipanema precisava do Ferreiro, era ali pertinho. O sapateiro, o barbeiro, o menino de recado... Tudo estava ao alcance de um grito forte de sertanejo. E assim deslizava o tempo tão devagar quanto o carro de boi de Lero Carreiro. E quando o vento forte fazia redemoinho, a meninada encintava o vento: “Rapadura! Rapadura!”.
Durante as noites de lua, gente nas calçadas enroladas em lençóis, contando histórias de Trancoso, de almas penadas, fazendo adivinhações, identificando as estrelas. O ferro em brasa nas janelas, levando as cinzas do carvão. Candeeiro aceso na força do querosene, do gasóleo. Aqui, acolá, a passagem tardia de um malandro de jogo; um sopro forte no ferro de engomar; Uma golada d’água da quartinha com tampa de pano bordado, na janela tomando fresca.
Benditas mãos que confeccionavam as candeias de latas e nos tiravam do escuro.
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01 novembro 2018

REVELAÇÕES AO ENTARDECER

*Rangel Alves da Costa

Estou desconhecendo a mim mesmo. Nunca mais caminhei pelas estradas e ruas, de pés descalços, pelo prazer de pisar na terra, sentir o calor do chão e estar mais aproximado do mais puro ventre.
Estou entristecido comigo mesmo. Nunca mais abri a janela para esperar borboletas, para a chegada de colibris nem pássaros do amanhecer. E sei que agora me falta aquele sorriso da flor e o beijo da brisa do amanhecer.
Estou me sentindo desumanizado demais. Chego a me perguntar se não perdi a sensibilidade, se não desacalantei o amor pelas coisas simples, se não reneguei o prazer pela jabuticaba e a sapoti de quintal.  E tão doce era beijar a boca do araçá.
Estou me distanciando de mim mesmo. Temo ter deixado ir embora a criança que sempre esteve em mim, o menino traquina que sempre gostou de brincar e de sorrir. Temo que até a memória e as doces lembranças e nostalgias tenham se distanciado de mim.
Estou me tornando cada vez mais insensível, e eis o medo maior que dá. Não desejo a lágrima petrificada nem o soluço preso, não quero olhos sem brilho nem coração que não pulse mais perante as situações de vida. E tudo parece simplesmente acontecer.
Estou sem tempo para as coisas boas da vida, estou sem encorajamento para reencontrar as coisas boas da vida. Nunca mais sentei na pedra, nunca mais conversei com a pedra, nunca mais deitei no colo da pedra e sonhei com um jardim florido e perfumado.
Estou envelhecendo demais sem ainda ter alcançado os portais da velhice. Imagino que os espelhos vão me negar o sorriso, penso que os espelhos vão acrescentar minhas rugas, imagino que de repente já serei outro, triste e alquebrado, num corpo apenas cansado.


Estou sem tempo de fazer o que sempre fiz mesmo sem ter tempo. Sempre encontrei um instante para subir à montanha, para sentar à beira das águas, para me aquecer com as brasas do pôr do sol. E sequer tenho tido tempo de olhar o horizonte e imaginar o que está além e mais além.
Estou sem tempo de pensar nas coisas boas da vida, de trazer ao pensamento o que sempre me confortou, ainda que com saudades. É como se o sabor do café torrado já não mais esteja na minha boca, é como se o perfume do café na chaleira já não estivesse ao meu alcance.
Estou sem auroras e entardeceres que realmente sejam auroras e entardeceres. Não adianta apenas acordar, levantar e caminhar pelo quarto, sem que pule a janela e vá logo beijar a primeira luz e o primeiro sol. Não adianta chegar ao fim da tarde e perante o pôr do sol apenas fingir que o avista.
Estou sem tempo para mim, sem tempo para ser eu mesmo, sem tempo para fazer o que gosto e o que me faz bem. Preciso conversar com o vizinho, falar com as pessoas que passem adiante, sentar na calçada e conversar sozinho. Preciso jogar pedrinhas no meio do nada e riscar o chão com uma varinha qualquer.
Preciso chupar picolé de graviola, de coco e mangaba. Preciso pedir um algodão doce e uma maçã do amor. Preciso de pipoca colorida e de cocada de rua. Preciso piscar o olho pra menina bonita que passa de flor vermelha no cabelo. Preciso beijar a palma da mão e depois lançar o beijar em qualquer direção.
Preciso riscar o tronco da madeira e nele desenhar coração. Preciso escrever versos rimando amor e bilhetinhos com letras miúdas e implorando ao menos um olhar. Preciso ler um livro do começo ao fim e depois reescrever o mesmo livro do fim ao começo. Preciso abrir a janela. Preciso abrir a porta.
Preciso também de um sorriso e de um espelho que não negue as verdades, mas que não doa tanto nas suas verdades.

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AS CANTORAS GÊMEAS.

  Por Saudade Sertaneja Célia Mazzei (Célia) e Celma Mazzei (Celma) nasceram em Ubá, Minas Gerais, em 2 de novembro de 1952. Irmãs gêmeas, i...