Por José Mendes Pereira
31 de
dezembro, virada de ano, a lua nascera cheia no infinito, tudo prontinho como
imaginava seu Galdino Borba(gato) de Mend(onça) Filho. Iria promover uma festa
de arromba, oferecida aos seus vizinhos. Nunca tinha feito uma festa em sua
casa. E agora, a sua casa estava prontinha para receber a vizinhança.
Vasculhada, reformada, pintura novinha e bem fresquinha, e ainda com um
cheirinho agradável. Terreiro bem varrido para receber os festeiros. Os comes e
bebes tinha com farturas.
https://www.youtube.com/watch?v=KMRaq7JY0b8
Quando seu
Galdino foi comprar a tinta para pintar as paredes da sua casa pediu opinião a
alguns dos seus vizinhos fazendeiros, qual cor deveria ser usada nas paredes
para chamar a atenção dos seus convidados. Mas não usou as opiniões de cores
dadas por eles; ficara muito chateado com o Bertoldo, que opinava que pintasse
a casa com cores da bandeira do Brasil, incentivando seu Galdino ser
patriótico.
Mas seu
Galdino foi curto e grosso, dizendo-lhe que não queria saber de pátria, porque
nunca iria morrer por ela, e que ela é governada por um bando de ladrões, lá no
Congresso Nacional. E ainda disse: “- Quem quiser morrer pelo o Brasil que
morra! Sei que o Brasil é muito bonito, mas eu nunca vou morrer por ele!”.
Para o jantar
de fim de ano havia matado cinco carneiros gordos, dois porcos, dez galinhas
caipiras e dois pebas sevados.
Alguns dos
seus amigos disseram que, foi a primeira vez que viram pebas sendo mortos para
servirem jantar em virada de ano.
A festa não
foi feita dentro da casa, porque o espaço, apesar de meio grande, não
acomodaria todas as mesas e festeiros ao mesmo tempo. Assim, seu Galdino
resolveu fazê-la no terreiro da frente da casa, e estava lastrado de mesas e
cadeiras, todas adquiridas com a sua vizinhança.
Neném do Baião de Mossoró. Visitei-o várias vezes quando estava doente. Não faleceu do problema de garganta, e sim infartou no período que se recuperava da cirurgia. - Neném faleceu no dia 9 de setembro de 2011. Eu soube do seu falecimento através do poeta, escritor e pesquisador do cangaço e gonzagueano Kydelmir Dantas -http://www.mossoroemfoco.com/…/mossoro-perdeu-nenem-do-baia…;
Os tocadores
eram: o Neném do Baião um dos melhores sanfoneiros da região de Mossoró e
cidades adjacentes, e até havia tocado, várias vezes com o rei do baião Luiz
Gonzaga, quando de suas apresentações em Mossoró.
Pedro Paquete
que tinha fama de bom tocador, iria animar a festa com um triângulo, e o
Ricardo da Porteira foi encarregado de ficar a noite toda açoitando o pandeiro,
este, sempre gostou de apanhar por onde anda nas festas e encontros de cantores
sambistas.
Tanto os
filhos de seu Galdino como os de seu Leodoro Gusmão todos estavam lá. Até a
Tanilde filha de seu Leodoro, que residia na cidade do Juazeiro do Norte, terra
do meu Padim Padim Cícero, e era afilhada do seu Galdino, viera prestigiar a
festa do seu padrinho.
Assim que o
sol foi embora começou chegar gente de tudo que era de lugar. A Vanusa
Pastorinha com o seu esposo, mais uma filha de 15 anos, e uns filhos pequenos,
foram os primeiros a colocarem os pés no terreiro, onde iria ser realizada a
festa.
Raimundo Galdino da Silva meu tio avô, vaqueiro da Fazenda Mulungu, do Soutinho. - http://mendesepaiva.blogspot.com.br/
Os irmãos
Raimundo Galdino e sua esposa Maria Xaxá, vaqueiro da fazenda Mulungu, Manoel
Galdino e dona Mocinha sua esposa, vaqueiro da Fazenda Cordão de Sombra, e
Antônio Tomaz de Aquino e sua esposa, lá na fazenda Nova, hoje município de
Porto do Mangue (todas estas três fazendas de propriedade do senhor Soutinho),
chegaram montados nos seus cavalos. E ao descerem das montarias, seu Galdino
foi recebê-los, e em seguida, levou os animais para o estábulo. As famílias
destes primeiros estavam para chegar em carros. E aos poucos, o terreiro foi
sendo ocupado pelos participantes da festa, homens, mulheres e meninos.
Um que não
podia deixar de estar presente à festa era o seu grande amigo e compadre
Leodoro, que foi chegando com a sua esposa dona Gestrudes, toda emperiquitada,
vestido longo, salto alto, unhas feitas, um cabelo que foi bem cuidado pela
cabeleireira Silvana, que saiu da cidade de Mossoró para este fim, deixar a
dona Gestrudes elegantemente.
Seu Leodoro
Gusmão estava além de elegante, usando um terno em cor cinza, com o paletó mais
comprido atrás, camisa branca e gravata prata, e no bolso, um lenço branco, e
sobre, uma flor de jasmim.
Seu Galdino
também usava paletó, este de cor preta e gravata, e me parece que o seu sapado
estava lhe apertando, porque, ele andava manquejando um pouco as pernas, como
se o par de sapatos estivessem fazendo calos.
Dona Dionísia
com vestido longo e de cor branca, cabelo preso e unhas feitas, com um cuidado
para não borrá-las, pegava as coisas, usando apenas os dedos fura-bolos e
cata-piolhos. O casal estava elegante, mas nem se comparava a elegância de seu
Leodoro e da dona Gertrudes.
Os que
confirmaram as suas presenças à festa estavam todos, ninguém faltou. Só o
vizinho Pedro Tubiba que não quis participar da festa, porque andava de férias
de bebidas alcoólicas, preferiu não confirmar a sua presença.
E aos redores
das mesas os festeiros esperavam o início do forró, porque a mulherada estava
impaciente, esperando o abrir do fole (sanfona), que os três encarregados da
animação, aguardavam as ordens do seu Galdino para iniciar.
A festa era
para eles comemorarem a virada do ano, e seu Galdino já havia advertido aos
animadores que, somente tocassem músicas do rei do baião Luiz Gonzaga e do Trio
Mossoró. Não aceitava músicas de outros cantores.
Com alguns
minutos depois, seu Galdino ordenou aos músicos que podiam começar tocar.
Sanfona
aberta, festa iniciada, com a música do famoso Luiz Gonzaga e Gonzaguinha Pense
N’eu.
Seu Galdino
foi o primeiro a cair no salão com a sua dama, e logo, algumas reduzidas palmas
surgiram no terreiro. No vai e vem da dança, o sapato do pé direito da dona
Dionísia enganchou o salto em um buraco no terreiro, e ali, ela ficou tentando
tirar-lhe, mas com a foça que fez, o salto ficou enfiado no buraco. Mas ela
continuou assim mesmo, dançando. E enquanto dançava sem o salto no sapato, os
festeiros riam e gritavam, dizendo: “- Ela parece que está dançando uma valsa!”
E de repente,
ela resolveu tirar o par de sapatos, primeiro, um, e jogou para ali, depois, o
outro, dizendo: “- Sapatos de saltos altos, só para mulheres da sociedade”. E
continuou a dança, descalça mesma.
Seu Galdino
está dançando, mas muito preocupado. O Pedro Tubiba chegou à festa. Está de
olhos nele. Ele tinha garantido que não iria aparecer na festa, e até
emprestara o seu par de sapatos.
A velha
Cacilda sogra do seu famoso seu Galdino Borbagato, gritou em tom de admiração,
quando viu a filha Dionísia e seu genro dançando:
- Dança,
dança, meu noro! Dança, meu noro!
Era assim que
ela chamava o seu genro seu Galdino (Noro).
O Pedro Tubiba
ficou querendo saber quem estava no terreiro dançando, e de imediato, viu seu
Galdino que tentava ser a estrela do pedaço. Como Pedro Tubiba não tinha papa
na língua, foi até ao sanfoneiro e disse:
- Para aí,
amigo!
O Neném do
Baião parou.
Em seguida:
- Por favor,
faça um lá.
- Um lá?
Perguntou-lhe Neném do Baião.
- Sim, senhor!
E assim que
Neném do Baião apontou a nota lá na sanfona, Pedro Tubiba improvisou, dizendo:
- Dança,
dança, seu Galdino,
Mesmo sem saber dançar,
Zela bem os meus sapatos,
E amanhã vá me entregar.
Mesmo sem saber dançar,
Zela bem os meus sapatos,
E amanhã vá me entregar.
Seu Galdino
morreu, mas fez que nada lhe ofendia, sorrindo contra vontade, dizendo-lhe:
- Você é
engraçado mesmo, Pedro Tubiba!
Neném do Baião
continuou o forró, desta vez, tocando a música do Trio Mossoró – Carcará
Raimundo
Galdino, Manoel Galdino e Antonio Tomaz de Aquino estão no salão, dançando com
as suas esposas, e vez por outra, fazem o revesamento de cavalheiras.
Os comes e
bebes já haviam iniciado, e o corre-corre das pessoas para pegarem os seus
alimentos fazia gosto se ver. Duas pessoas entregavam os pratos aos festeiros
por dentro do alpendre da casa.
Alguns casais
caíram na dança, e minutos depois, foi a vez de seu Leodoro e sua amada
Gertrudes.
Quando o casal
caiu na dança, os aplausos foram assustadores. Seu Leodoro só no bico do
sapato, dominando a sua dama. As palmas foram em exageros. Ele rodopiava com a
sua esposa no terreiro, que a parte traseira do seu paletó voava ao ar livre.
Seu Leodoro
não chegou terminar o curso de dançarino na Academia da Cléa, porque quis
ingressar na vida camponesa; adorava gado, ovelhas, cabras, galinhas e outros
mais. Mesmo não tendo terminado, era um grande dançador.
Assim que ele
terminou de dançar com a sua esposa, dona Gestrudes, ela mesma o ordenou:
- Dança com
quem você quiser agora Leodoro!
Fez fila.
Todas as moças e mulheres casadas queriam experimentar o bico do sapado do seu
Leodoro Gusmão, só no chiado do sapato, apesar que o chão era barro.
Mas no meio
daquela gente tinha alguém que não estava gostando. Era o seu Galdino. Com
ciúmes, porque todas mulheres estavam admirando o dançar do casal, seu Leodoro
e dona Gestrudes.
Seu Galdino
dizia consigo mesmo que, as grandes estrelas ali era ele e dona Dionísia que
eram os donos da festa, e não, aquele velho safado e mentiroso com sua esposa,
querendo ser mais importantes do que eles.
Seu Galdino
estava inconformado. O jeito era acabar imediatamente com aquela festa. Não
iria admitir que aquele casal tomasse o seu lugar e da Dionísia em sua própria
casa.
E sem muita
demora, idealizou uma. Foi até a cozinha, procurou o seu fumo caipira, fez um
cigarro grosso, acendeu-o, e voltou para o terreiro, baforando aquela fumava
fedorenta no meio dos festeiros.
Mas ele não
estava lembrado que, a maior parte dos seus convidados era camponês, e aquilo
não lhe ofendia de jeito nenhum, quando muitos eram fumantes de fumos bravos.
Andou para
aqui e para ali, nas mesas onde as pessoas estavam, e lá, baforava fortemente,
e não conseguiu fazer ninguém reclamar ou ir embora. Para os festeiros, muitos
já haviam bebidos goles a mais, e não estava nem aí para fumaça de cigarro
podre!
Foi quando ele
imaginou o que poderia dar certo para acabar com a festa que ele não estava
gostando nem um pouco. Foi lá dentro da casa, fechou as portas e as janelas
para não dá chances a ninguém entrar nela, saiu fora pelo terreiro da cozinha,
caminhou um pouco contrário à casa, e depois, voltou às carreiras em gritos:
- Pelo amor de
Deus, pessoal, vem aí chegando duas onças pintadas pra mais de 50 arroubas!
Corram! Corram, pessoal! Livrem-se dos dentes daquelas danadas!
Os festeiros
não esperaram mais por nada, e o corre, corre, a gritaria fazia dó! Crianças
perderam mães, pais perderam filhos, todos por um só objetivo. Livrarem-se o
quanto antes das garras e dos dentes daquelas perversas.
O sanfoneiro,
Neném do Baião saiu correndo com a sanfona quase as quedas, e como esquecera de
travar (abotoar o fole), cada passada que dava, a sanfona fazia fom-fom. Ele
ficou tão desorientado, causado pelo medo, achava que o fom-fom era a onça que
corria atrás dele.
Minutos
depois, nenhum pé de pessoa, mesmo os que já estavam bêbados, tinham fugidos
para não passarem pelas mandíbulas daquelas duas perversas.
Logo que
desapareceram os festeiros seu Galdino ficou rindo dos bestas que foram embora
com medo de onças inexistentes.
- E eu brinco!
Estrelas na minha casa só a Dionísia e eu! – Dizia ele em longas gargalhadas.
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