*Rangel Alves da Costa
No último sábado, dia 24, estive visitando o Poço de Cima e me deparei com uma situação que desde muito eu já vinha temendo. Não só pelo abandono que encontrei numa daquelas últimas casinhas históricas do berço de nascimento de Poço Redondo, como pelo que poderá ocorrer em pouco tempo: o desaparecimento total daquele casebre.
Em diversos escritos eu já havia denunciado o estado de abandono em que se encontra o Poço de Cima. Se não fosse a abnegação de um grupo de jovens, a exemplo de Enoque Correia e João Vitor, a Capela de Santo Antônio já estaria como cova aberta em seu cemitério. Recuperada, cuidada, hoje se mostra imponente. A mesma sorte que parece não alcançar os demais marcos históricos daquela primeira povoação.
Sorte de Poço Redondo que ainda conta com o cordão umbilical de seu nascimento. Poço de Cima, com efeito, é o cordão umbilical de toda a história de Poço Redondo. Mas até quando continuará existindo o elo vivo entre o passado e o presente? Até quando estudantes, pesquisadores e outros interessados, poderão encontrar as paredes toscas que no passado acolheram os Sousa, os Lucas, os Cardoso, os Feitosa?
Apenas três casas de barro e cipó (com uma já em parte refeita em bloco) continuam existindo às margens da estrada principal. A primeira é a mais preocupante, pois logo na entrada da antiga povoação e a mais deteriorada. Cerca de um quilômetro após a saída da cidade, numa parte mais elevada, logo é possível avistar a casinha de barro, já quebrantada de tempo e nos últimos sopros de vida. Abandonada desde muito, sem qualquer morador que lhe jogue uma mão de barro, vai caindo pedaço a pedaço.
Um cenário triste e desolador. Uma visão lamentosa e agonizante. Sim, apenas uma casinha de barro com quatro cômodos e um “puxadinho” que servia como cozinha, mas uma residência familiar, um local onde famílias conviveram e pessoas foram gestadas. Casa onde no passado as vozes diziam das chuvas e das secas, onde o fogão de lenha abrasava e fazia fervilhar a panela de barro, onde a meninada se espalhava porta afora, onde a lua e o sol procuravam sossego pelas suas frestas.
Ali, perante os seus restos, é como se eu ainda ouvisse e visse o passado. Um cavalo alazão sendo amarrado num pé de pau logo adiante, a velha senhora catando remédio de raiz e flor para curar qualquer mal, o velho senhor pedindo uma xícara de café, a mulher dizendo que o cuscuz já estava pronto e que já ia ser colocado à mesa. Mas nem precisava dizer. Pelos ares o cheiro perfumado do café torrado, do cuscuz ralado, da carne cortada em varal e preparada na banha de porco. Que cheiro bom aquele cheiro de sertão antigo! Mas o que resta agora?
Resta o prazer do reencontro e a dor pela despedida. Como uma visita a um enfermo já sem esperanças, bem assim a tristeza pela certeza que não durará muito tempo para que restem somente os escombros daquela casinha histórica e ainda tão importante no livro chamado Poço Redondo. Quem dera que eu estivesse enganado, que eu estivesse alardeando demais. Contudo, não vejo esperança nenhuma. Desde muito que venho implorando para que a administração municipal tome alguma providência, no sentido de preservar não só a casinha como todo o Poço de Cima. Mas nunca fui ou sou ouvido.
Trata-se de uma propriedade particular, é verdade, mas a administração municipal possui diversos mecanismos legais para proteger seu patrimônio histórico. Poderia desapropriar, tombar, firmar convênio para realizar melhorias e não permitir o desabamento, dentre outras possibilidades. Mas nada é feito. Enquanto isso, a destruição total se aproxima e logo mais nada mais restará.
Agora o mais preocupante. Bem ao lado da casinha estão fazendo uma grande e imponente construção, talvez uma moradia luxuosa ou prédio com outra finalidade. E quem estiver diante da casinha, logo avistará a grandiosa obra em rápido andamento. E será que o seu dono permitirá que algo tão luxuoso fique bem ao lado de uma casinha velha e abandonada. Dificilmente aceitará. Por isso mesmo os seus dias contados.
Infelizmente será assim. Dói saber que não durará muito tempo para que parte da história de Poço Redondo desapareça assim. Assim como um nada imprestável e que apenas é derrubado. E pronto. E amanhã, amanhã quem quiser relembrar os seus restos que vá tirando logo uma fotografia. Apenas isso restará. Infelizmente assim.
Escritor
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