14 de nov. de 2018

HERÓIS SERTANEJOS

*Rangel Alves da Costa

Há bravura maior que o do vaqueiro em meio ao toco de pau e aos pontiagudos espinhos das matas e catingueiras?
Há coragem maior que a do bravo caçador que adentra os escuros da mata em busca da caça para alimentar a família?
Há esforço maior que o do lavrador, de enxada ou foice à mão, sobre o chão rachado de calor e debaixo da fornalha do sol?
Há persistência maior que a do pobre homem da terra que replanta a planta morta e depois ainda faz renascer a esperança de colher grão?
Há heroísmo maior que sofrer o sofrimento do bicho na pele e no osso, que chorar a mesma lágrima do animal, que berrar por dentro o mesmo berro de dor daquele na desvalia da fome e da sede?
Todos são heróis, são sertanejos de excepcionalidades indescritíveis. De nobreza inigualável é a vida do sertanejo, do homem da terra, do mato, dos escondidos, das distâncias matutas.
E todos são igualmente heróis, bravos guerreiros, fulgurantes Ulisses em Odisseia. Na história e no cotidiano sertanejo, não há coadjuvante, não há personagem de segundo plano no seu enredo e trama.
Todos, indistintamente, são protagonistas, atores principais nas páginas reais de uma epopeia chamada existência. De uma saga chamada sobrevivência.
No livro-sertão, cada personagem possui importância igual, cada um influencia na gestação de uma realidade a muitos desconhecida e até incompreendida, mas sempre tão comovida e comovente.


Além deste pedestal de lutas e vitórias, de sofrimentos e inglórias, há de se reconhecer o heroísmo em cada um, em cada ser nascido e vivente no mundo-sertão. Todos são, pois, heróis sertanejos. Não existe o sertanejo comum, o reles sertanejo, o sertanejo desvalido de tudo.
Mesmo na pobreza e magrez há o heroísmo da sobrevivência, mesmo na carência e no sofrimento há o heroísmo da luta por dias melhores, mesmo na angústia pela mesa sem prato e pelo prato vazio há o heroísmo dá invenção do viver, mesmo na lágrima que cai escondida e na prece que nunca é ouvida há o heroísmo pela abnegação da esperança incontida.
Há o heroísmo na acumulação de riquezas em meio hostil. Há o heroísmo na casa bonita e no móvel da sala, vez que sempre um sonho realizado. Há heroísmo no veículo na garagem e no sítio para repouso e estadia, vez que nascidos de cada pingo de suor. Mas outros heróis tão reais que chegam a assemelhar a deuses e semideuses de um Olimpo Matuto.
Mateiros, roceiros, pequenos agricultores, vaqueiros, autônomos, vendedores, pescadores, fateiras, varredoras de rua, garis, lenhadores, coureiros, bordadeiras, rendeiras, artesãos, doceiras, lavadoras de roupas, pedreiros, serventes, caçadores, feirantes, beatas, missionários, benzedeiras, rezadores, todos, enfim.
Lampião foi herói na jornada, Padre Cícero e Frei Damião heróis nas suas missões de fé, Antônio Conselheiro no seu desvario consciente por um mundo humanizado através do trabalho e da religião.
Gonzagão foi herói, Dominguinhos também. Mas também Tião, Bastião, Jucundina, Luzia, Timóteo, Pedro, João, Bastiana, Porcina, Minervina. Heróis da luta, do suor, da prece, da oração, da persistência, da vela acesa, do rosário nas mãos.
Aquela heroína que encontrei no Assentamento Madre Teresa de Calcutá: debaixo do sol, voltando da mata e carregando na força dos braços uma carrada de toco de pau para fazer lenha. Que heroína maior desse mundo-sertão!
Heróis como eu e você, que sertanejos somos sem jamais abdicar desse orgulho maior!

Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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