Por José Bezerra Lima Irmão
Maria Bonita nasceu no dia 8 de março de 1911 – assim afirmam Antônio Amaury Corrêa de Araújo, Alcino Alves Costa, João de Sousa Lima e Frederico Pernambucano de Mello, informação aceita por todos os estudiosos do cangaço na atualidade. Essa data serviu de referência para as comemorações do centenário do nascimento de Maria Gomes de Oliveira, a Maria Bonita, ocasião em que o mestre Amaury publicou o seu Maria Bonita – a Mulher de Lampião, sob os auspícios da Assembleia Legislativa da Bahia. Na folha de rosto, o autor assinalou os termos inicial e final da vida da personagem objeto de sua obra: “* 08/03/1911 † 28/07/1938”.
Essa data foi informada a Antônio Amaury por uma irmã de Maria Bonita chamada Antônia, que, sendo apenas três anos mais nova, tendo portanto praticamente a mesma idade, muito contribuiu para esclarecer várias minúcias sobre a vida de sua irmã.
O problema é que ninguém conseguiu localizar qualquer documento de Maria Bonita para confirmar a informação de Antônia. Foram vãs as buscas nos cartórios e paróquias de Jeremoabo, Glória (antiga Santo Antônio da Glória, em cujo município se situava a fazenda Malhada da Caiçara) e até de Senhor do Bonfim e Juazeiro.
Oleone Coelho chegou a considerar que se nem o doutor Amaury conseguiu achar certidão de identidade da cangaceira de Santa Brígida isso é sinal de que ninguém mais o fará, pois ninguém para ter como ele paciência e perseverança para rastejar esses pormenores no chão da história.
Mas Amaury fez escola. A busca foi retomada por seu discípulo João de Sousa Lima, sem dúvida um dos mais abnegados pesquisadores dos assuntos do cangaço, especialmente na região de Paulo Afonso, e nesse aspecto ninguém o supera. João de Sousa Lima dedicou-se anos a fio à pesquisa da vida de Maria Bonita, coligindo dados, entrevistando parentes e antigos moradores da Malhada da Caiçara, Sítio do Tará, Rio do Sal, Riacho e Arrastapé. O resultado desse esforço veio a lume em seu livro A Trajetória Guerreira de Maria Bonita, revelando tudo o que importa sobre a vida e a família da famosa cangaceira. Faltava, porém, uma prova que atestasse a data do seu nascimento, já que a data aceita – 8 de março de 1911 – era baseada apenas na memória de sua irmã Antônia.
Luiz Ruben de Alcântara, outro incansável estudioso, depois de quase duas décadas de pesquisas sobre o cangaço, vasculhando documentos oficiais, jornais e boletins policiais, nas bibliotecas, arquivos públicos e institutos históricos de vários estados, dá conta de sua perplexidade ante as informações sobre Maria Bonita. Luiz Ruben reuniu com o tempo um universo de elementos sobre o cangaço, e, polido e prestimoso, de forma louvável, põe à disposição dos amigos todo esse cabedal. Tudo o que se quiser, é só pedir a ele. Não conseguiu, porém, obter a certidão de batismo ou do registro civil da famosa sertaneja.
Outro grande pesquisador, Frederico Pernambucano de Mello, detentor de considerável acervo sobre o cangaço, reunido e catalogado de forma criteriosa e metódica, também não logrou êxito no tocante às certidões da Musa do Cangaço.
Com o tempo, alguns livros de registros cartorários e paroquiais se deterioraram(por incêndios, goteiras, mofo, cupins, ratos, baratas, traças) ou se extraviaram.
Há ainda a questão da dificuldade de acesso a esses livros. Não se pode ir a um cartório ou arquivo paroquial e dizer que quer ver este ou aquele livro, e de pronto verificar livremente folha por folha o que nele consta. Não é assim. O interessado precisa saber mais ou menos o que quer, em especial o nome da pessoa a ser pesquisada, o período do fato e outros dados, e então a pessoa competente do próprio cartório ou paróquia faz a busca. Muitas vezes é preciso fazer o pagamento antecipado da taxa do serviço. Quase sempre é marcada data para fornecimento do resultado positivo ou negativo da pesquisa. A busca pelo próprio interessado somente é possível à base do “jeitinho” – por amizade, confiança ou outro recurso.
O padre Celso Anunciação, notável teólogo, comunicador social, clérigo erudito, à época em que foi vigário da Paróquia de São Francisco de Assis, em Paulo Afonso, empenhou-se na busca da certidão de nascimento ou de casamento daquela Maria que tinha o mesmo nome da Menina da Galileia, sendo ele também um estudioso daquela Maria sertaneja, como a Judite que não suportava Holofernes – conforme ele mesmo justificaria a motivação da sua busca, tendo inclusive realizado em Paulo Afonso a mostra cultural intitulada “Maria Bonita em Nós”. Valendo-se da facilidade de acesso aos arquivos paroquiais, o padre Celso empreendeu várias viagens para abrir velhos livros de registros de batismos e casamentos em Senhor do Bonfim, Glória e Jeremoabo.
O pesquisador Voldi de Moura Ribeiro, em companhia do padre Celso Anunciação, achou a certidão de batismo de uma Maria (somente Maria, sem sobrenome), nascida a 17 de janeiro de 1910, filha de Maria Joaquina da Conceição.
Em virtude do nome “Maria”, e tendo esta como mãe Maria Joaquina da Conceição, havia sobejas razões para se supor que aquele seria o registro do nascimento de Maria Bonita.
Ocorre que o próprio Voldi, tendo entrevistado duas sobrinhas de Maria Bonita–Adailde Gomes de Oliveira (filha de Zé de Déia, irmão de Maria Bonita) e Maria Geuza Oliveira dos Santos (filha de Antônia Maria de Oliveira, irmã de Maria Bonita) –, assegura que “ambas foram enfáticas em afirmar que todas as irmãs de Maria Bonita tinham o nome MARIA” (Voldi de Moura Ribeiro, Lampião e o Nascimento de Maria Bonita, p. 84).
Em sua pesquisa, Voldi constatou que de fato tanto Maria Bonita como suas sete irmãs tinham todas elas “Maria” no nome, sendo na família distinguidas como Benedita Maria (Benedita), Maria Gomes (Maria de Déia), Antônia Maria (Deusinha), Amália Maria (Dondom), Francisca Maria (Chiquinha), Joana Maria (Nanã) e Olindina Maria (Dorzina).
A certidão atribuída a Maria Bonita é na verdade a certidão de Benedita Maria, a primogênita, que foi batizada simplesmente como “Maria”, identificando-se na vida adulta como Benedita Maria de Oliveira, Benedita Gomes de Oliveira ou Benedita Maria da Conceição (este foi o nome declarado ao se casar com Antônio José de Oliveira).
Voldi é um pesquisador dedicado e perspicaz. Ele obteve e publicou em seu livro a certidão de “Maria”, ou seja, de Benedita Maria (ob. cit., p. 83).
O próprio Voldi observa que Benedita ora era chamada Benedita Maria de Oliveira (conforme legenda da foto à p. 69), ora Benedita Maria da Conceição (conforme texto em negrito à p. 97). A “Maria” em apreço, ao se casar com Antônio José de Oliveira, declarou o nome de Benedita Maria da Conceição (p. 97-98).
Voldi encontrou na mesma ocasião o assentamento do matrimônio de Joanna Maria d’Oliveira (Nanã, Nanzinha, p. 96-97) e o registro de “Antônia” (sem sobrenome), que é justamente Antônia Maria da Conceição (Deusinha, p. 98-99), o que corrobora a informação de que todas as irmãs tinham “Maria” no nome, se não no batistério, mas no convívio social.
Era comum na época constar nos batistérios apenas o “nome” da criança, sem sobrenome. Lampião foi batizado simplesmente como “Virgolino”, e mesmo no registro civil foi assim que foi feito o assentamento oficial – apenas Virgolino, sem sobrenome.
Voldi Ribeiro obteve também a certidão do registro de nascimento de Maria Joaquina da Conceição (Dona Déia, mãe de Maria Bonita), e ao comentar esse achado ele deixa patente ter percebido que a “Maria” que consta na certidão atribuída a Maria Bonita é na verdade Benedita Maria. Diz Voldi:
“a. O primeiro aspecto que nos chamou à atenção foi o Registro de Nascimento, além de identificar uma coincidência com o nome exato da Mãe de Maria Bonita, tem o fato dela mesmo ter nascido no ano de 1894 e a data e o ano do seu falecimento ter sido em 16 de junho de 1964, então com 70 anos, o que nos indica que no ano do nascimento de Benedita, a primogênita provavelmente em 1909 ou 1911, a mesma estaria então com 15 anos de idade, no costume do Sertão Nordestino da época, era bastante comum uma mulher ter os primeiros filhos em torno desta idade” (sic – p. 99-100).
Ou seja, quando Maria Joaquina da Conceição (Dona Déia) deu à luz sua primogênita, em 1909 ou 1911, tinha mais ou menos 15 anos, e a primogênita foi Benedita, conforme reconhece Voldi Ribeiro.
Ora, Benedita nasceu em 1910 (portanto entre 1909 e 1911). Os autores dão realmente 1910 como o ano do nascimento de Benedita. Conforme assinalou o mestre Antônio Amaury, “... em 1910 veio ao mundo uma menina que recebeu o nome de Benedita e tornou-se a irmã mais velha da menina que nasceu no ano seguinte e que é a nossa focalizada” (ob. cit., p. 46).
Sabe-se agora, graças à descoberta de Voldi Ribeiro, que Benedita Maria nasceu no dia 17 de janeiro de 1910.
Em suma, 17 de janeiro de 1910 é a data do nascimento de Benedita Maria de Oliveira ou Benedita Maria da Conceição, nomes adotados por ela na vida adulta, e não a data do nascimento da outra Maria, Maria Gomes de Oliveira, a Maria Bonita.
Ao analisar essa certidão, João de Sousa Lima, embora a considere “prova plausível”, deixou patente seu ceticismo, ponderando que poderia se manifestar de modo mais aprofundado nessa questão “se outra documentação for encontrada trazendo referências mais palpáveis sobre a data de nascimento de Maria Gomes de Oliveira” (Revista Contexto – Educação, ano 3, nº 5, out/nov 2012, da Secretaria de Educação de Petrolina, PE).
É louvável o empenho do abnegado Voldi Ribeiro, que com essa pesquisa lançou novas luzes sobre aspectos importantes da família da primeira-dama do cangaço, especialmente ao descobrir o nome da avó materna de Maria Bonita – Francelina Maria da Silva (ob. cit., p. 99/101). Esta descoberta vem em boa hora, pois antes se supunha que sua avó materna se chamava Ana Maria da Conceição, e agora se fica sabendo ser esta a avó paterna, conforme já havia assinalado Antônio Amaury em seu consagrado Maria Bonita – a Mulher de Lampião (p. 45).
Enviado pelo autor em 2020.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário