Por Sálvio Siqueira
Lampião como todo sertanejo, gostava de uma forrozeada ao som do fole, zabumba, pandeiro e triângulo. Passar as noites dançando, tocando e dizendo versos, são, ainda, costumes de muitos cidadãos que moram nas quebradas desse imenso sertão.
Como fugitivo e sabedor de que as volantes estavam em seus rastros o “Rei dos Cangaceiros” sempre procurava estar o mais próximo possível de uma via de fuga. Em sua fase baiana, ele faz do imenso Raso da Catarina seu esconderijo maior.
Raso da Catarina - http://www.pauloafonso.ba.gov.br
Muito farrista, procura sempre as propriedades próximas ao Raso para qualquer eventual ataque, cair fora e adentrar nas terras arenosas daquele deserto, onde, para quem não o conhecesse, corria o risco de morrer de fome e/ou sede, porém, sempre procurava fazer uma festança.
Em meados do ano de 1930, lá pelo mês de São João, no povoado Várzea, Lampião e sua turba vão festejarem a festa do santo, na casa de um dos grandes coiteiros da região, o Sr. Quinca, Joaquim Teixeira Lima, que era esposo da senhora Aristéia Teixeira Lima, que lhes tinham grande apreço e serem compadre do ‘Homem’, assim Lampião era conhecido na Bahia, pelo mesmo ser padrinho de uma de suas filhas, Alexandrina Teixeira Lima.
Os forrós na casa de Quinca eram de lascar de bons. Não tinham hora para findarem-se. Assim, naquela noite, o samba vira a noite e prossegue durante todo o dia. O sol há muito havia rompido a aurora quando já se notava que os cangaceiros estavam totalmente de pileque. O chefe ordena que todos peguem seus atavios e se preparem para seguirem viagem até as terras da Lagoa do Rancho onde almoçariam. Toda a cabroeira se aprontou e colocaram os pés no caminho.
Como sempre, naquela ribeira a comida era preparada pelo casal, o Sr. João Caraíba da Silva e dona Maria Pereira da Silva, sendo conhecidos por todos como João Caraibeira e Maria Grande. Casal que, por sinal, estava levando ao pé da letra o mandamento ‘crescei e multiplicai-os’, pois já eram dez as suas descendências. Desses, cinco era homem, ”Antônio. Olisso, Virgínio, Enoque e João”, e o restante mulheres, “Alvina, Cândida, Rosa, Marciana e Rita”.
Após saírem da casa onde houvera o ‘samba’, talvez devido ao mé ingerido, o grupo se dispersa muito. Alguns parece pegarem corrida, outros se atrasam muito e o restante vai ao meio. Daqueles que muito se adiantaram, chegando mesmo a ser o primeiro, foi o cangaceiro de alcunha Sabiá. Conhecedor do terreno, não teve dificuldades de sair no terreiro da casa de João Caraibeira. Na casa, naquele momento, só encontravam-se alguns dos filhos do casal cozinheiro. Um deles, era a adolescente Rira Maria de Jesus, que com seus 15 anos de idade, já tinha um corpo sedutor.
Rira Maria de Jesus vítima de estupro pelo cangaceiro Sabiá
A fera alojada no interior do cangaceiro desperta ao ver a jovem. Com perversos instintos, imaginários e obscenos, pega-a e a arrasta para fora da casa, levando a indefesa criança em direção à mata próxima a um dos lados da casa. Seus irmãos abrem o berreiro no meio do mundo e saem em uma carreira só, sem descanso, para a casa do senhor Silvestre Torres, onde seus pais encontravam-se. Lá chegando dizem o que estavam se passando em casa. Seu pai sai em toda velocidade que suas pernas podem alcançar, a fim de proteger sua filhinha.
Chegando a casa, já ciente do que se passara João Caraibeira ver Lampião chegando com o restante de seus homens. Corre para junto dele e diz o que se passa. Lampião, de imediato, ordena que Luiz Pedro e Arvoredo vão e prendam o cabra. Os dois saem para cumprirem a ordem e levam o pai de Rita com eles. Lá, Luiz Pedro pega o cabra, dar-lhes uns sopapos, joga-o no chão e quebra-lhe os dentes com a coronha do fuzil. Depois o amarra debaixo de um pé de mulungu ali perto. Vendo seu destino de frente, o cabra pede para seus companheiros o matar antes da chegada do chefe.
Lampião chega saca da pistola e atira duas vezes no cangaceiro Sabiá, e manda que Luiz Pedro o sangre. Luiz Pedro cumpre a ordem. Saem e vão comeram em quase total silêncio, deixando o corpo inerte ali desprezado, só quebrado pelo cangaceiro Mariano, que diz para o chefe mor, não concordar com o que ele fez.
O cangaceiro Mariano
Lampião então manda que Silvestre vá e enterre o corpo de Sabiá. O que faz o coiteiro acompanhado de seus filhos “Pedro, Jovino, Manuel, Joventino e Gabriel juntamente com seu genro José Justino”.
Dois anos depois, em 1932, o tenente Zé Izídio manda dizer que o senhor Silvestre vá à cova do cangaceiro, retire o crânio e leva até a cidade de Jeremoabo, BA. Assim faz o sertanejo e voltou para sua casa na Lagoa do Rancho.
Passado algumas semanas, a volante do tenente Luís Mariano chega a sua residência, na Lagoa do Rancho. Os soldados, a mando do tenente, prendem o velho José Silvestre Torres, o levam para o mato e começam uma sessão de torturas a base de pontas de punhais, facas e canivetes.
Os soldados tinham a ordem de executar o velho após as torturas, porém, de tanto cacete que levou, o velho balbuciava palavras sem nexos. Terminando por fugir pelo mato. Resolvem então, os soldados, a deixarem ele pra lá, pois acreditavam que estivesse louco, devido à ‘madeira’ que tomou.
Saindo a caminhar sem rumo, o velho Silvestre vai de um lado para outro dentro da mata, e só atina com sua casa dois dias depois. Lá chegando, é ciente de que José Justino, Jovino e Gabriel tinham levado uma grande surra. Depois da sova que levaram, foram presos e levados para Santo Antônio da Glória. De lá foram transferidos para Salvador. Só após alguns dias, é que foram libertados e puderam retornar para seus familiares.
“(...) Difícil para os sertanejos era decifrar as leis que eram impostas pelas diversas facções que percorriam os sertões nordestinos (...).” (“Lampião em Paulo Afonso” – LIMA, João De Sousa. 2ª Edição (revisada e ampliada). 2013).
Era, caros amigos, nessa situação que os catingueiros, roceiros, vaqueiros e moradores viviam. Se não cumprissem o que ordenavam os cangaceiros, o pau comia e suas vidas poderiam serem ceifadas. Se cumprissem, a volante aplicava um tratamento semelhante, ou pior, os incluíam como coiteiros e a madeira comia de esmola, o sangue jorrava e a morte vinha a galope... Nas quebradas do Sertão baiano.
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Fonte “Lampião em Paulo Afonso” – LIMA, João De Sousa. 2ª Edição (revisada e ampliada). Editora Fonte Viva. Paulo Afonso, BA. 2013
Foto Ob. Ct.
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