Por Genilson Alves da Silva
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Introdução
A história
é uma cocha de retalho cada pedaço se completa e dar novo espaço e nova
tonalidade para aquilo que se quer construir. Pois queremos trazer questionamentos e
soluções e não só questionar o poder público e a forma de fazer política
daquela época, e sim entender cada indivíduo no seu espaço e lugar esse
é o papel do historiador sendo meramente imparcial naquilo que busca. O cangaço
surgiu entre o final do século XIX e começo do XX (início da república O
período que vai de 1889 a 1930 que é conhecido como a República Velha). Surgiu,
no Nordeste Brasileiro, grupos de homens armados conhecidos como cangaceiros.
Estes grupos apareceram em função, principalmente, das péssimas condições
sociais da região nordestina. O latifúndio, que concentrava terra e renda nas
mãos dos fazendeiros, deixava às margens da sociedade a maioria da população,
sem contar que os oprimiam. Se não já bastasse a seca predominante na
região nordeste, as cargas de impostos altíssimas que assolava o povo
sertanejo.
A palavra
cangaço tem um significado bastante expressivo no meio rural, como podemos
observar que essa palavra vem da palavra = canga (peça de madeira usada para
prender junta de bois a carro ou arado; jugo). Que serviria para ara a
terra ou fazer outros tipos de atividades. Podemos observar que a canga que é
para serem colocadas em animais. Mas estavam sendo colocadas na população pobre,
literalmente estava sendo colocadas nas costas da população brasileira e
especial na região nordeste a exploração, era clara de si ver, com a seca,
fome e sem contar pelos altíssimos impostos cobrados pelo governo brasileiro
aos seus co-cidadãos. Os mais prejudicados eram os sertanejos. O governo sempre
colocou a sua canga nas costas do povo e contínua.
Para entendermos
melhor a cronologia histórica dos fatos, que a parti disso o governo federal
coligado ao governo de Acioly no Ceará que era extremamente ligado ao padre Cicero
Romão Batista. O mesmo comunicou o interesse do então presidente da república
velha de querer acabar com o Carlos Prestes, convidando Virgulino a ser capitão
do exército aqui no Nordeste brasileiro. A Coluna Prestes foi um movimento
político, liderado por militares, contrário ao governo da República Velha e às
elites agrárias. Este movimento ocorreu entre os anos de 1925 e 1927. Teve este
nome, pois um dos líderes do movimento foi o capitão Luís Carlos Prestes.
Ele (Lampião) ganharia a patente de capitão, dinheiro, armas e muita munição,
com o objetivo de acabar com a Coluna Prestes, mas isso nunca ocorreu. Com isso
oficializou as ações de Lampião na sua atividade de justiceiro. Ele nunca
ficou de frente com a Coluna de Carlos Preste. Utilizou tudo que ganhou em
favor de seus próprios interesses, passando a sim a ser o senhor
dos sertões. Ou melhor, governador dos sertões nordestinos, Lampião.
Continua...
O destemido
por todos. ‘’Aqui ainda Lampião não era conhecido por suas ações. O governo do
presidente Artur Bernardes, sendo presidente do Brasil, esse embate de
discursos levou a um processo representacional que propiciou a oscilação da
imagem de Lampião de bandido sanguinário a um exímio patriota, adepto das armas
para extirpar do solo nacional a “erva daninha” – a Coluna Prestes. Daí então
o que contou com a participação do governo nordestino como principal
financiador.
O cangaço se
caracterizou por ter como principal líder Lampião (Virgulino Ferreira da Silva).
Os cangaceiros eram homens que andavam pelas cidades em busca de fazer justiça
e de vingança. A falta de emprego também foi o que motivou a essa pratica do
cangaço, da mesma forma alimentos que eram bastante escarço e a cidadania
que não era respeitada nem pelos cangaceiros e nem tão pouco pelo
governo. Motivações essas que saiu causando o desordenamento da rotina
dos camponeses. Por exemplo: Motivo da pratica do cangaço:
Alimentos que
eram bastante escarço.
Desemprego.
Fome.
A cidadania
que não era respeitados nem pelo governo e nem tao pouco pelos cangaceiros.
Impostos altíssimos.
A seca.
Estilo próprio
de se vestir,
•
Os cangaceiros usavam roupas e chapéus de couro, portanto
Entender o cangaço, é entender a forma que cada um dos sertanejos
foram obrigados a viver com a realidade daquela época. Uns permaneceram
em suas propriedades trabalhando para os coronéis, outros se debandaram nos
bandos do cangaço. Portanto, podemos entender o cangaço como um fenômeno
social, caracterizado por atitudes violentas por parte dos cangaceiros, por
parte das volantes. (Polícia militar hoje.) Estes, que andavam em bandos
armados, espalhavam o medo e o terror pelo sertão nordestino. Os cangaceiros
promoviam saques a fazendas, atacavam comboios e chegavam a sequestrar
fazendeiros para obtenção de resgates.
Aqueles que
respeitavam e acatavam as ordens dos cangaceiros não sofriam mal algum, pelo
contrário, eram muitas vezes ajudados. Esta atitude, fez com que os cangaceiros
fossem respeitados e até mesmo admirados por parte da população da época. Os
cangaceiros não moravam em locais fixos. Possuíam uma vida nômade, ou seja,
viviam em movimento, indo de uma cidade para outra sempre pela a caatinga para
não serem vistos pela volante. Ao chegarem às cidades pediam recursos e ajuda
aos moradores locais. Aos que se recusavam a ajudar o bando, sobrava à
violência. Como não seguiam as leis estabelecidas pelo governo, eram
perseguidos constantemente pelos policiais (volantes). Usavam roupas e chapéus
de couro para protegerem os corpos, durante as fugas, pela vegetação cheia de
espinhos e galhos secos da caatinga. Além desse recurso da vestimenta, usavam todos os
conhecimentos que possuíam sobre o território nordestino (fontes de água,
ervas, tipos de solo e vegetação) para fugirem ou obterem
esconderijos. O cangaço tinha a sua própria definição, regras. Como, os
cangaceiros eram homens que andavam armados e em bandos pelo sertão nordestino
nas primeiras décadas do século XX.Tinham suas próprias regras de conduta e
suas próprias leis. Vagavam de um local para o outro (não possuíam residência fixa),
vivendo de saques e doações. Eles eram temidos pelas pessoas e espalhavam o
medo por onde passavam. Frequentemente enfrentavam as forças policiais do
governo. Também tinham um estilo próprio de se vestir, de acordo com a época e
a região que viviam, ou seja, que estavam inseridos. Os cangaceiros usavam
roupas e chapéus de couro, pois andavam muito pela catinga. Este tipo de
vegetação possui muitos espinhos e esta roupa fornecia proteção aos
cangaceiros. Aqui não podemos deixar de falar que eles também tinham o seus líderes
e que havia vários bandos, entre eles o que se destaca entre é o de Virgulino
Ferreira da Silva. (o lampião).
1. Contextualizando
e Entendendo os Fatos ocorridos no Cangaço
Segundo a
Pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco a Sr.ª Semira Adler Vainsencher,
relata em sua pesquisa que, ‘’ Virgulino Ferreira da Silva nasceu no dia 7 de
julho de 1897, na Fazenda Ingazeira, situada no município de Vila Bela (hoje,
Serra Talhada), no sertão de Pernambuco. Foi o segundo filho de José Ferreira
da Silva e de Maria Selena da Purificação. O seu nascimento, porém, só é
registrado no dia 7 de agosto de 1900. Tinha como irmãos: Antônio, João,
Levino, Ezequiel, Angélica, Virtuosa, Maria e Amália. Todos cresceram ouvindo
e/ou presenciando estórias de cangaceiros, e Antônio Silvino lhes serve de
exemplo maior. Naquela época, o sertão quase não possuía escolas e
estradas, viajava-se a pé, a cavalo, em burro e em jumento.
Dizer que os denominados coronéis (os proprietários de terras) imperavam
sob o peso da prepotência como os verdadeiros chefes políticos, sem nunca
sofrer represálias porque a força do Estado estava sempre do seu lado.
Neste sentido,
eram eles que davam a palavra final, ou seja, elegiam, destituíam, perseguiam,
condenavam, absolviam, torturavam e matavam. Em períodos de crises econômicas,
os coronéis recebiam ajuda do Poder Público. Isto era uma recompensa, um
benefício recebido, por causa dos eleitores que controlavam mediante os
"votos de cabresto" - aqueles votos fornecidos a um candidato, e
garantidos pela palavra-de-ordem dos poderosos, que impõem nomeações e
asseguram a hegemonia da classe política local, sem se importar com a
competência profissional dos nomeados.
Vale ressaltar
que diante de todas as dificuldades imposta pelo sistema daquela época a
família de lampião era muito simples e trabalhadores certo que, Ele apesar de
muito inteligente, Virgulino abandona a escola para ajudar a família no plantio
da roça e na criação de gado. Ele trabalhou com o pai, na infância e parte da
adolescência, cuidando de gado, com transporte de mercadorias em longa
distância, utilizando burros como meio de transporte de carga. Trabalhou até os
20 anos de idade, como artesão. Torna-se famoso nas vaquejadas. Gosta muito de
dançar, de tocar sanfona, compõe versos e adora um rifle. Sabe costurar muito
bem em pano e couro e confecciona as próprias roupas.
Ele tinha 19
anos quando entrou para o cangaço. Dizem que tudo começou através de disputas
com José Saturnino, membro da família Nogueira e vizinha de terras. Lutando
contra essa família durante muitos anos, Virgulino e seus irmãos já se
comportavam como futuros cangaceiros, não tardando a entrar em conflito com a
polícia. A decisão de viver e morrer como bandido, contudo, só foi tomada,
mesmo, quando a polícia mata José Ferreira da Silva - o patriarca da família -
enquanto ele debulhava milho. Disse Virgulino: "vou matar até morrer"
– prometeu ele, cheio de ódio e desejo de vingança. E assim agiu por quase três
décadas. Em uma das primeiras lutas do bando, na escuridão da noite, Antônio
(um dos irmãos Ferreira), espantado com o poder de fogo do rifle de Virgulino,
que expelia balas sem parar e mais parecia uma tocha acesa, gritou o seguinte:
Espia Levino! O rifle de Virgulino virou um lampião! A partir desse dia, a
alcunha do famoso cangaceiro passa a ser Lampião. Aqui podemos perceber que os
cangaceiros não moravam em locais fixos. Possuíam uma vida nômade, ou seja,
viviam em movimento, indo de uma cidade para outra.
Ao chegarem às
cidades pediam recursos e ajuda aos moradores locais. Aos que se recusavam a
ajudar o bando, sobrava à violência. Atuou em sete Estados Bahia,
Sergipe, Pernambuco, Alagoas, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, com
fama de semear o terror e a morte no sertão. São famosos os
fracassos dos “macacos” do governo federal nas operações preparadas para
capturá-lo e as o gradativo aumento do oferecimento de recompensas
a quem o matasse, aumentavam sua fama. Admirado pela sua valentia e
ousadia, acabou convertido em herói. Neste contexto surge Lampião, que
subverteu a ordem imposta, mesmo que não fosse esse seu objetivo. Lutou contra
os Latifundiários que por 4 séculos imaginavam-se intocáveis, passaram a ter
medo de sua presença e o terror das consequências do não atendimento de suas
exigências.
Virgulino
consegue realizar seu maior sonho, com a intermediação do Padre Cícero Romão Batista: adquirir a patente de capitão,
no Batalhão Patriótico do deputado Floro Bartolomeu, o batalhão das forças
legais. Além de alimentar sua vaidade pessoal, a patente funcionaria como uma
espécie de salvo-conduto, permitindo o bando circular pelas divisas dos estados
do Nordeste. Aproveitando aquela oportunidade, Virgulino solicita, também, para
os companheiros Antônio Ferreira e Sabino Barbosa de Melo, os postos de 1o. e 2o.
Tenentes. Acatada a solicitação, os membros do bando abandonam as roupas
costumeiras, vestem a farda de soldado e, como autoridades constituídas, passam
a ter o dever - por mais irônico que isto possa soar -, de defender a
legalidade e proteger a população nordestina. Tudo isso foi redigido pelo Padre
Cícero e assinado, a pedido deste, no dia 12 de abril de 1926, pelo
engenheiro-agrônomo do Ministério da Agricultura, Dr. Pedro de Albuquerque
Uchoa. Feliz da vida aos 28 anos de idade, o jovem Capitão Virgulino reúne a
família para tirar fotografias.
Oficialmente,
ele recebe a missão de combater a Coluna Prestes - A Coluna Prestes foi um
movimento político, liderado por militares, contrário ao governo da República
Velha e às elites agrárias. Este movimento ocorreu entre os anos de 1925 e 1927.
Teve este nome, pois um dos líderes do movimento foi o capitão Luís Carlos
Prestes grupo que vinha percorrendo o País durante o governo do presidente
Artur Bernardes. No entanto, após se distanciar uns 6 quilômetros de
Juazeiro, Lampião decide se embrenhar na caatinga, em busca de combates mais
lucrativos, deixando para trás o prometido a Padre Cícero e as
responsabilidades para com o Estado. E os soldados do governo foram chamados de
"macacos", porque saíam pulando quando avistavam os cangaceiros.
Segundo Rui
Facó (1936) no livro cangaceiros e fanáticos, na página, 48 no 3ºcapitulo,
no 1º parágrafo, faz referência ao cangaceiros e diz: - num meio em
que tudo lhe é adverso, podia o homem do campo permanecer inerte,
passivo, cruzar os braços diante de uma ordem de coisas que
se esboroa sobre ele? No 2º parágrafo, Euclides da cunha já
compreendera que “o homem do sertão [...] esta em função direta da terra’’
(p.141). Se a terra é para ele inacessível, ou se quando possui uma nesga
de chão vê-se atenazado pelo domínio do latifúndio oceânico, devorador de
todas as suas energias, monopolizadoras de todos os privilégios, ditador das piores torpezas,
que fazer, senão revoltar-se? Pega em armas, sem objetivos claros sem
rumos certos apenas para sobreviver no meio que é o
seu.
Dando
continuidade ao pensamento de Rui Facó ele no 3º parágrafo diz que, então
espantados os homens das classes dominantes não sabem explicar por
que ele se revoltou. Ele, sempre cordato e humilde mesmo, que não
falava ao senhor sem tirar da cabeça o largo chapéu de palha ou
de couro, toma de uma arma, tornar-se um cangaceiro, arregimenta companheiros de
infortúnio e forma um grupo - um bando. Por quê?
Já na página
49 dando continuidade ao 4º parag. Da página 48, Nina Rodrigues a firmava que
‘’a criminalidade do mestiço brasileiro [está] as mas condições antropológicas
da mestiçagem no Brasil‘’.(1957,P. 158). Vários autores nordestinos, sem dar
atenção às causas econômicas e sociais, recorrem as explicações para eles as mais
fáceis, adotada por um cientista, a mestiçagem constituía um fato irremovível,
seus resultados no Nordeste – o cangaço e fenômenos correlatos
– jamais teriam remédios. Na pág. 49, parag. 2º segundo o autor
, diz que é interessante observar como até mesmo
conhecedores da situação local, homens nascidos e
criados ali, narram fatos e episódios diante dos quais se
supõe que tirarão as conclusões logicas , e no
entanto a conclusão é contraria à própria realidade
descrita . é o caso , entre outros , de Xavier de oliveira,
filho do cariri. Reconhece ele textualmente: ‘’ o homem honesto e
trabalhador de outrora é um bandido agora, por causa de uma
questão de terra,’’(1920, p. 24). Acrescentava quanto as condições
de trabalho: no cariri. Em certa cidade, há o que se chama feira
de trabalhadores. Centenas de homens, reunidos em praça pública, enxada no
ombro, prontos para o trabalho. Chega o fazendeiro, escolhe o mais
robusto (é como se escolhesse bois para o corte) e os leva a
roça . Os outros, em número de centenas, ficam sem trabalhar, sem comer,
eles e suas mulheres e seus filhos’’(ibid. ,. P ,28-29).
Estes homens é
a conclusão lógica tinham forçosamente que ser revoltados. sem terra,
sem ocupação certa a mais brutal exploração de seu trabalho,
revoltar - se - iam qualquer que fosse a dosagem de seu
sangue, sua origem racial, o meio físico que atuasse sobre seu
organismo. Mas o simples efeito de causa o autor vem apontar
neste 1ºparag. Da pág. 51 onde continua dizendo que as causas
profundas: de tudo isso a ausência da justiça, analfabetismo,
precariedade de comunicações e transportes, baixos salários –
quando tudo isto já resultava da tremenda desigualdade
social, do débil desenvolvimento do capitalismo, do lentíssimo incremento
das forças produtivas, da concentração da propriedade da terra, que
dava poder econômico ilimitado a uma insignificante minoria
da latifundiários. A grande massa dos habitantes da
região não dispunha de recursos normais para viver, nem
mesmo tinha a possibilidade de vender com segurança sua
força de trabalho.
Quando
conseguia, era em condições tais que correspondiam à
semi–servidão. Como poderia haver justiça, simples
recursos jurídicos, sem falar em justiça social, para
explorados e oprimidos em tais condições ?
o aparelho da judiciário estava sob o controle direto dos sobas
locais, os juiz lhe era um dependente, muitas vezes menos do que
isso, um lado. Diz Xavier de oliveira, em 1919: No sertão não há lei, não há
direitos, não há justiça[...] Quanta vez, ali, não é removido, de
uma para outra comarca, um juiz que proferiu uma sentença contra um político,
Influente , cabo eleitoral ou chefe de bando do presidente ou do governador do
estado? Oliveira, 1932, p. 22 . E narra episódios de
demarcações de terras mandadas fazer por certo magistrado sob uma
chefia local, e desfazia pelo mesmo magistrado quando o município
se encontrava sob outro governo.) Segundo o autor Rui Facó
parag. 2º da pag.
52 diz: como poderia,
pois haver alfabetização, instrução, educação popular? Além disso, para que? O
interesse do grande proprietário de terra é manter no lado obscuro a população
local. Ele quer braços servis e não cabeças que pensem. Ninguém necessita
de saber ler e escrever para pegar numa enxada. O bolso dos
potentados local. O governo do estado ou do município não dispunha
de verbas para gastar com escolas . As verbas iam para os bolsos
dos potentados locais, Seus familiares e parentes. Mesmo que fundassem
escolas uma ou duas na sede do município, para os filhos dos ricos ou
remediados, os filhos dos pobres não podia frequentá-las. Para os pobres segundo Rui
Faco eram privados de comprar certos matérias, coisas elementares, como
por exemplo: um par de sapato ou uma roupa.
Quanto mais livros e material
escolar. E quando seus pais tinham trabalhos garantidos ou um lote
de terra eles teriam que ajudar desde o mais velho ao mais novo , todos.
Enfrentar os duros labores da terra.
Quanto aos
meios de comunicação e transporte, como poderiam existir se o latifundiário era
o feudo quase fechado, se pouco produzia ou produzia
apenas para o consumo familiar ou local? Os meios de transporte
comuns eram os animais, o lombo do burro ou o carro de boi, que passavam
por quaisquer caminho qualquer picada no campo. Ainda
hoje muitos acreditam que foram simplesmente as
estradas, o caminhão, que acabaram com o cangaço. Esquecem os
jagunços de floro Bartolomeu foram conduzidos de trem de Iguatu
a fortaleza, que lampião viajou com seu bando em
caminhões e ocupou cidades servidas de telégrafo.
No entanto um
bom conhecedor do nordeste e lúcido estudioso de seus problemas
sociais repetia nos anos, de 1920, que ‘’a repressão [ ao
cangaceirismo] é neste extenso território um
problema de fácil transporte ‘’( Almeida, 1937).segundo o autor Faco
no 1º parág. da pág. 53 na linha 9º diz: desenvolvem-se, bem ou
mal as forças produtivas, e esse desenvolvimento, embora
lentíssimo, é que constitui a força motriz das transformações
operadas que atingem o meio social. Não é que a estrada e o caminhão
espantem o cangaceiro. A estrada e o caminhão trazem para a
cidade o cangaceiro de amanhã.
A indústria o
entrosa em suas engrenagens, os próprios meios de transporte o
absorvem ou o conduzem para os novos cafezais que se
abrem no norte do Paraná. A estrada e o caminhão já
resultavam, eles mesmos, daquela mudança. Por que não é só no monopólio
da propriedade fundiária que reside a matriz do cangaço; é em todo o
atraso econômico. No isolamento do meio rural, no imobilismo social, na
ausência de iniciativas outras que não fossem as do
latifundiário e as deste eram quase nenhuma. Pode-se imaginar
o que representou como fator de comoção interna no cariri o
surgimento de uma cidade cuja população nos primeiros
vinte anos de seu nascimento era maior do que a de meia
dúzia das cidades clássicas do vale, como aconteceu em
juazeiro. Era uma subversão para o latifúndio nordestino.
Segundo
o autor ele chama a atenção dessa verdade que compartilha com todos
nós hoje quando ele diz: tem-se opinado também que o
cangaceirismo advinha da ausência de policiamento nas
regiões interioranas profundas. Segundo Faco, ele deixa
bem claro que todos os fatos provam o contrário : quando a polícia
apareceu para combater o cangaço, teve o mérito de
exacerba-lo. Por todo este interior do brasil, onde quer
que a polícia tenha chegado para perseguir cangaceiros ou ‘’fanáticos‘,
praticou contra as populações rurais crimes mais
hediondos do que os cangaceiros mais sanguinários. A primeira coisa que
fez foi colocar-se incondicionalmente a serviço de um dos potentados
locais , a serviço portanto de suas intrigas , seus ódios , suas perseguições.
Não se
compreendia, ou não se queria compreender, pois que interesses
materiais dos mais abjeto egoísmo não o permitiam, que havia
aquela convulsão, abrangendo tão grandes massas humanas por todo o
nordeste e não só no nordeste é que deviam existir necessidades
sociais que as instituições entorpecidas não podiam satisfazer. Não se tratava de crimes individuais não era portanto
um crime , mas um problema social a enfrentar. Não é ainda a revolução social,
mas são o seu prologo. São os elementos regenerados daquela sociedade estagnada, em processo de putrefação. Revivem-na, dão-lhe
sangue novo, põem-na em movimento, preparam-na para o advento de uma nova
época. São ainda elemento unificador por excelência de uma região mais do que o
nordeste, todo um imenso território interiorano que se desagregava,
dentro de si mesma, em feudos quase fechados e paralisados. Não era ainda uma
luta diretamente pela terra, mas era uma luta em função da terra
uma luta contra o domínio do latifúndio semifeudal.
Segundo
foco na pag. 56, nesse 3º cap. Diz os bandos de cangaceiros que
saem dentre aqueles semi-servos vivem dispersos, lutam
por objetivos isolados e, não raro, enfrentam-se uns aos
outros, destroem-se mutuamente . Tornam-se presas de seus próprios
inimigos de classe, os grandes proprietários rurais, donos de
fazendas de gado ou de lavras de minérios. No surgimento e o
incremento do cangaço são a primeira réplica ruína e a decadência
do latifúndios semifeudal, de que também são resultante.
Naquela
sociedade primitiva, com aspectos quase medievais semibárbaros, em
que o poder do grande proprietário era incontestável, até mesmo uma forma
de rebelião primaria, como era o cangaceirismo, representava um
passo à frente para a emancipação dos pobres do campo. Constituía um
exemplo de insubmissão. Era um estímulo as lutas. O cangaço precede os
grandes ajuntamentos de ‘’fanáticos ‘’que tiveram seus pontos culminantes
em canudos e no contestado.
No bando
de Lampião tinha indivíduos de todos os tipos: gordos, magros, ruivos,
louros, morenos, altos, baixos, negros e caboclos. Alguns, inclusive, eram
jovens demais: Volta Seca (11 anos), Criança (15 anos), Oliveira (16 anos). O
mais idoso era Pai Velho, com 71 anos de idade. Lampião arranjava, facilmente,
armamentos e munições, mas, como o fazia, era um segredo que não contava a
ninguém. Uma parte das armas automáticas, para combater a Coluna Prestes, foi
adquirida através do Deputado Floro Bartolomeu e do Padre Cícero. Os demais
armamentos do bando foram arranjados mediante a intervenção de amigos.
Um acidente
provocado pela ponta de um pau cega o olho direito do Capitão Virgulino, um
órgão (olho), que, anteriormente, já se apresentava problemático devido à
presença de um glaucoma. Enxergando com um olho, apenas, Lampião se vê obrigado
a ficar sempre enxugando, com um lenço, as lágrimas que pingam do olho vazado.
A despeito dessa deficiência, ele nunca deixou de ser um excelente
estrategista. Dizem que foi uma brincadeira de mau gosto da família Ferreira (o
corte da cauda de alguns animais) a gota d’água que desencadeou uma afronta
irreparável com o fazendeiro José Saturnino, proprietário das terras vizinhas e
membro da família Nogueira. Sendo mais numerosos e tendo o apoio do governo,
essa família termina por expulsar os Ferreira de suas terras.
A partir de
1917, Virgulino e a sua família passam a conviver com intensos tiroteios e
emboscadas, não podendo morar em um lugar específico: são obrigados a vagar
pelo sertão e levar uma vida de nômades. Em meio às lutas e fugas, falece Dona
Maria Selena, no Engenho Velho. E, no início de agosto de 1920, o patriarca da
família - José Ferreira - é fuzilado pela volante do sargento José Lucena,
enquanto debulhava milho. Naquele mesmo dia, então, os Ferreira fazem um
juramento: o seu luto, até a morte, iria ser o rifle, a cartucheira e os
tiroteios.
Quando sabia
da existência de um coronel perverso, Lampião não perdia a oportunidade de
queimar-lhe as fazendas e matar-lhe o gado. Nas incursões em vilas e povoados,
o grupo saqueava, dizimava e matava. As violências cometidas pelo bando eram
inúmeras: tatuagem a fogo, corte de orelha ou de língua, castração, estupro,
morte lenta, entre outras. Muitos habitantes abandonavam definitivamente as
suas propriedades, tornando desertas as caatingas, já que elas estavam
entregues a soldados e cangaceiros. Virgulino Ferreira era bastante
impulsivo.
Às vezes,
passavam-se meses sem se ouvir falar nele, pensando-se, inclusive, que tinha
morrido. Mas, de repente, ele surgia do nada com o seu bando, como um tremendo
furacão, lutando contra as volantes, incendiando fazendas, roubando e matando
com a maior naturalidade. Em algumas ocasiões, seus gestos eram generosos:
confraternizava com as pessoas, organizava festas, distribuía dinheiro, pagava
bebida para todos. Em uma de suas paradas para descansar, perto da Cachoeira de
Paulo Afonso, conheceu Maria Deia, filha de um fazendeiro de Jeremoabo, na
Bahia. Há cinco anos ela era casada com José de Neném - um comerciante da
região - mas nutria uma paixão platônica por Lampião, mesmo sem nunca o ter
encontrado.
Alguns afirmam
que foi a própria mãe de Maria Deia que segredou a Lampião sobre essa paixão.
Já outros dizem que foi Luís Pedro - integrante do bando - que insistiu para o
rei do cangaço conhecê-la. Na realidade, o fato é que Virgulino caiu de amores
ao vê-la. E, impressionado com a sua beleza, passou a chamá-la de Maria Bonita.
Em vez de três dias, ficou dez na Fazenda Malhada da Caiçara. Com a
concordância dos pais, que apoiavam o desejo da filha, Maria Deia coloca as
suas roupas em dois bornais, penteia os cabelos, despede-se para sempre do
marido, e parte com Lampião rumo à caatinga. Era o ano 1931 e ela tinha 20
anos. Pouco tempo depois, Maria Bonita engravida e sofre um aborto. Mas, em
1932, o casal de cangaceiros tem uma filha. Chamam-na de Expedita. Maria Bonita
dá à luz no meio da caatinga, à sombra de um umbuzeiro, em Porto de Folha, no
estado de
Sergipe. Lampião foi o seu próprio parteiro.
Como se
tratava de um período de intensas perseguições e confrontos, e a vida era
bastante incerta, os pais não tinham condições de criá-la dentro do cangaço. Os
fatos que ocorreram viraram um assunto polêmico porque uns diziam que Expedita
tinha sido entregue ao tio João, irmão de Lampião que nunca fez parte do
cangaço; e outros testemunharam que a criança foi deixada na casa do vaqueiro
Manuel Severo, na Fazenda Jaçoba.
O Capitão
Virgulino adora ser fotografado e filmado. Neste sentido, consente que Benjamim
Abraão, um fotógrafo libanês, conviva durante meses com o seu bando e colete
muito material sobre o cangaço. Esse fotógrafo, contudo, é assassinado por um
coronel, e grande parte do seu acervo é destruída. Maria Bonita sempre insistia
muito para que Lampião cuidasse do olho vazado. Diante dessa insistência, ele
se dirige a um hospital na cidade de Laranjeiras, em Sergipe, dizendo ser um
fazendeiro pernambucano. Virgulino tem o olho extraído pelo Dr. Bragança - um
conhecido oftalmologista de todo o sertão - e passa um mês internado para se
recuperar. Após pagar todas as despesas da internação, ele sai do hospital,
escondido, durante a madrugada, não sem antes deixar escrito, à carvão, na parede
do quarto: Doutor, o senhor não operou fazendeiro nenhum. O olho que o senhor
arrancou foi o do Capitão Virgulino Ferreira da Silva, Lampião.
Além das
emboscadas planejadas para liquidá-lo, cabe ressaltar que Lampião conseguiu
sobreviver ao veneno e ao fogo. Do primeiro, contou com a dosagem fraca que lhe
deu, somente, um inconveniente desarranjo intestinal; do segundo, apesar de
chamuscado, conseguiu escapar pulando. Mas foi ferido à bala diversas vezes.
Excetuando-se João, todos os irmãos de Virgulino morreram antes dele. Em 1926,
Antônio foi morto em Serra Talhada, no encontro com uma volante
pernambucana. Outra volante desse mesmo estado matou Levino Ferreira. O último
a falecer foi Ezequiel, gravemente ferido pela polícia de Sergipe.
Mas, quando Lampião
percebeu que seu irmão estava se ultimando e sofrendo, saca do próprio revólver
e dispara um tiro de misericórdia bem em cima de sua testa. Em outra luta
contra a volante pernambucana, na vila de Serrinha, próximo a Garanhuns, Maria
Bonita foi baleada. Como estava perdendo muito sangue, Lampião deu ordem para
encerrar a luta imediatamente: pega a amada nos braços e segue rumo ao
município de Buíque, onde ela é tratada na vila de Guaribas. Vale deixar
registrado que o bando de Lampião resistiu durante quase 20 anos, brigando com
grupos de civis que o perseguiam e com a polícia de 7 estados nordestinos. Por
todo esse tempo, assaltou propriedades de grandes fazendeiros, atacou
povoados, vilas e cidades, roubou, pilhou, torturou e matou os seus adversários.
Segundo
a revista eletrônica de ciências sociais - É impossível compreender a
“Medicina” dos sertões sem conhecer da vida do sertanejo. Seu mundo estranho,
suas crenças e, sobretudo o abandono ao qual essa parte do Brasil desde o
império, até os dias atuais esteve submetida. Em “Os Sertões” Euclides da Cunha
(S/d: 80) diz que “o sertanejo é, antes de tudo, um forte”. Só um “gigante”
seria capaz de sobreviver em um meio tão hostil: A luta pela vida assume o
caráter selvagem dos combates constantes com a terra árida e infértil. Sem
expectativas de chuva, resta ao pobre apegarem-se as novenas de S. José já que
as autoridades só aparecem nas eleições, época de angariar voto.
Diante daquela
trágica realidade dá-se a transformação do homem: Brutal e cruel como a seca,
forte como mandacaru. Em quanto o mundo moderno progredia, restavam os nossos
sertões estacionados. Condenados a um primitivismo social e individual, vivendo
em casebres sem reboco onde barbeiros encontravam viveiro ideal para
disseminação da doença de Chagas. Sem saneamento básico, submetidos às
enfermidades que lhe tornavam a vida insuportável. Quando não morriam de
gastroenterite na infância, cresciam magricelas, deficiente em vitaminas e alma
sobrecarregada de decepções.
Acostumado à
subalimentação crônica, à fome e à sede aguda, o jagunço adquire condições para
não queixar-se quando lhe é dado enfrentá-las (Lima 1965). “Fez-se homem, quase
sem ter sido criança. Salteou-o, logo, intercalando-lhe agruras nas horas
festivas da infância, o espantalho das secas no sertão” (Cunha: S/d, 82). Um
médico naquelas bandas, geralmente filhos das autoridades regionais, era quase
um Deus. Diante da adversidade transfigura-se o homem, e da figura vulgar do
tabaréu, surge inesperadamente um “titã acobreado”, num desdobramento
surpreendente de força e agilidade extraordinárias (Ibid: 80).
Sejam na forma
de jagunços, capazes de resistir em Canudos a inúmeras investidas do governo;
seja na forma de Cangaceiros: Pereira, Brilhante, Silvino, Lampião, Corisco;
que marcharam diretamente para a violência e atacaram sempre que julgaram
necessário. "O itinerário de Lampião ‘bandido brasileiro’ é o de um
revoltado social que se torna herói popular. Um revoltado incapaz, por falta de
cultura, de teorizar sua própria prática de delinquente e de propor uma leitura
política para ela. Mas um rebelde que se insurge concretamente, de armas na
mão, contra a hierarquia do poder no sertão, contra a justiça de classe, contra
a ordem dos ‘coronéis’, contra uma sociedade colonial, e que, na sua escala,
opta por uma contra sociedade, a do cangaço” (Le Monde: 1999).
É assim
constituída a alma do tabaréu: sujeito a agressividade permanente do clima e da
terra e ao abandono sócio – econômico. Está a sua disposição uma “Medicina
rústica”, permeável á crendices: onde médicos e remédios, são necessariamente
substituídos por curandeiros, beatos, preparados “mágicos” ou rezas que em
enumeras vezes bastavam ao sertanejo. Segundo historiador Frederico
Pernambucano de Melo o isolamento fez com que o cangaceiro vivesse de forma
medieval, no que diz respeito aos seus costumes, insensibilidade perante a
morte e trato com o sangue.
O menino
sertanejo habituado a auxiliar seu pai a sangrar os animais com facas
rudimentares para obtenção do seu sustento, quando adulto utiliza o mesmo
método para dizimar o inimigo: “(...) Lampião, por exemplo, sangrava uma pessoa
como o jovem fazia para matar um bode. Quando o bando castrou um de seus
inimigos, a assepsia foi a mesma aplicada aos animais: cinza, sal e pimenta” (
O Estado de São Paulo: 1998).
Essa
insensibilidade e instinto em situações de emergência, aliados a certo
tirocínio cirúrgico, demonstrado por alguns integrantes dos bandos de
cangaceiros e ainda ao conhecimento básico da farmacopeia do sertão; foram fundamentais
para manutenção da vida e reabilitação dos feridos de combates nos ermos da
caatinga nordestina. Em Aglaê Lima (1970:131), Lampião representava o
cirurgião, clínico, ginecologista, parteiro e até dentista do bando. Essa mesma
ideia, fruto da imaginação recreativa de muitos autores e da fantasia popular
permeada pela mítica do cangaceiro, foi difundida por inúmeros autores
estudiosos do movimento: “Praticavam extrações dentárias com pontas de punhais
e alicates.
Em seguida
bochechos de mandacaru. Raspa de juá evitava o aumento da cárie. Lampião, Zé
Baiano, Lavareda e Virgínio eram os cirurgiões do cangaço” (Ibid: 138). Dos
remanescentes do Cangaço, uma figura peculiar e extremamente curiosa foi sem
dúvida Dadá, companheira de Corisco; valente e destemida, deu contribuições
significativas para o resgate histórico sobre a vida de Lampião e seu bando. Em
depoimentos fornecidos ao escritor Antônio Amaury, um dos maiores pesquisadores
do assunto, a cangaceiro declara que desconhece Lampião removendo balas,
amputando membros, realizando partos complicados e muito menos arrancando
dentes. “Arrancar um dente ainda não ‘amolecido’ pela piorreia é trabalho
hercúleo (...)”. Portanto, afirmar que lampião ou qualquer outro cangaceiro era
‘dentista’ é pura balela.
O sertanejo,
de um modo geral, tem dentição forte, bem calcificada, haja vista sua grande
ingestão de cálcio, através de leite e derivados.
Pelo
menos até aparecerem as afecções odontológicas endêmicas no sertão nordestino.
Pois “um dente já sem sustentação, comido pela placa bacteriana e pela
piorreia, esse até uma criança o arranca” (Araújo e Fernandes: 2005, 80). Com
base em relatos históricos podemos dizer que em inúmeros momentos, com um pouco
de bom censo e muita coragem, vários procedimentos médicos improvisados, foram
realizados de forma empírica e inclusive com algum êxito pelos cangaceiros; no
entanto jamais poderemos nomeá-los “paramédicos”, mas seres munidos de um
relevante instinto de sobrevivência e que atribuíam sua saúde ao fechamento do
corpo, aos patuás e tinham ao seu dispor a farmacopeia aprendida com seus pais
e avós.
Nesse
particular, merece destaque a já citada Dadá que em muitos momentos mostrou
habilidade cirúrgica admirável, apesar de nunca ter frequentado se quer uma
escola de ensino médio. Em fevereiro de 1939, nas proximidades da fazenda Lagoa
da serra-se, Corisco foi atingido por um projétil de arma de fogo que
atravessou o braço direito e logo após o esquerdo, resultando em fraturas
expostas e grande hemorragia. Passado algum tempo, começou a apresentar braços
arroxeados pelos hematomas, edema e perda de consciência. Dadá aplicou-lhe uma
mistura de pó de fumo nas feridas para aliviar a dor (Ibid: 25-36). A analgesia
deu-se provavelmente devido ao encobrimento das terminações nervosas que
estavam expostas.
Dadá afirma
que posteriormente formou-se um abscesso na área lesada, fez uso de um emplasto
com farinha de mandioca e quando o pus superficialismo procedeu a drenagem
(Araújo:1969-1970). A farinha de mandioca quente funcionava como um vaso
dilatador local, possibilitando uma maior irrigação sanguínea e chegada de
células de defesa que ao liberar moduladores químicos contribuiriam para a
resolução do quadro. “Depois Dadá flambou, na chama de uma vela, a lâmina de um
canivete e fez uma incisão na altura do cotovelo esquerdo de corisco. A
abundante secreção sanguinolenta vazou o braço do cangaceiro ‘desinchou’ e o
alívio da dor foi quase completo” (Araújo e Fernandes: 2005 33). Embora a
atitude corajosa de Dadá ao drenar os abscessos e desbridar os ferimentos de
Corisco, livrou-lhe de uma septicemia, deixou a desejar do ponto de vista
funcional.
A partir do
episódio, o vingador de lampião só podia atirar com arma pequena, estava
impossibilitado de segurar o fuzil (Ibid: 35). Lesões em abdome por arma de
fogo ou arma branca eram fechadas com agulha de costurar couro (Oliveira: 1970
134). A retirada dos projéteis era feita sem anestesia: “(...) Zé Sereno notou
um ‘caroço’ no pescoço de novo tempo e perguntou: Que caroço é esse no seu pescoço,
cumpadi? Será a bala do Ontoím do pau preto? (...) Nisso, botou a faca no fogo,
derramou cachaça no gume, espremeu o ‘caroço’ entre o indicador e o polegar e
deu pequeno talho: A bala pulou longe!” (Araújo e Fernandes: 2005 68). Em Aglaê
Lima (1970: 137) “Extraiam-se as balas a cru na ponta do punhal, a luz dos
candeeiros.
Para a sede
excessiva quando se sentia perder a visão, os lábios grossos, a boca espumante,
conseguida a água, deveria ser servido aos goles, misturada com rapadura”. Uma
entidade bem conhecida dos médicos em geral é o choque hipovolêmico. Síndrome
decorrente da má perfusão tecidual, caracterizada pela diminuição da volemia,
secundária a hemorragia, diarreia e trauma; o tratamento inicial consiste em
debelar a fator causal e repor volume (Borges e Cols.: 2005 41-44). O tabaréu
do sertão, empiricamente utilizava a água com rapadura para evitar o mal; ou
ainda água de genuíno e arnica: “Andaram mais um pouco e Corisco teve uma
lipotimia (sensação de desmaio) decorrente da hemorragia dos seus ferimentos.
Pararam, Dadá deu-lhe uma dose de cachaça de quixabeira, misturada com arnica e
água de genuíno. Logo a ferida voltou a si, criou forças e retomaram a
caminhada” (Araújo e Fernandes: 1995, 30).
Nesse caso, é
pouco provável que o choque hipovolêmico tivesse se instalado, já que é fato, a
impossibilidade de reverte o quadro já estabelecido sem no mínimo, uma
reposição volêmica rápida com a substância predominantemente perdida, além de
oxigeno terapia (Borges e cols.: 2005, 41-44).Em meados de 1927, Lampião fugiu
para o Raso da Catarina na Bahia. Em suas andanças, chegou a uma das regiões
mais secas e inóspitas do Brasil, o povoado de Santa Brígida, onde vivia Maria
de Déa, que mais tarde seria conhecida como Maria Bonita: Primeira mulher a fazer
parte do cangaço (Os Caminhos da terra: 1998).
A
novidade abriu espaço para que outras mulheres acompanhassem os cangaceiros;
trazendo consigo um grande problema para o bando, a gestação e o parto. “A
gravidez no cangaço era uma grande preocupação para os grupos. Além de serem
redobrados os cuidados com a segurança do bando, eles procuravam lugares ermos,
fora da rota de volantes, mas próximos a costeiros de confiança e,
eventualmente, de uma boa parteira” (Araújo e Fernandes: 1995, 87). As crianças
não eram amamentadas pelas mães naturais, mas deixadas com amigos de confiança
em coitos seguros.
Assim ocorreu
com Expedita Ferreira, filha única de Lampião e Maria, que logo após o
nascimento foi entregue pelo pai a um casal que já tinha onze filhos; durante
os cinco anos e nove meses que viveu até o falecimento dos seus pais, só foram
visitados três vezes (Os Caminhos da terra: 1998). A vida no cangaço já era
perigosa e sacrificante para homens feitos; imagine para uma criança indefesa.
Em Antônio Amaury e Leandro Cardoso (1995: 87-89), o auxílio de parteiras
constituiu exceção no cangaço, a falta de assistência ao parto, em algumas
situações implicou em óbito dos recém-nascidos. Assim das gestações de Maria
Bonita, somente uma criança conseguiu sobreviver; justamente a que veio ao
mundo pelas mãos de uma parteira.
O parto
transvaginal, normalmente evolui de forma espontânea; para isso, é preciso que
o canal, as contrações uterinas, musculatura abdominal e pélvica, além do feto
e seus anexos interajam de forma harmônica. O surgimento de anormalidades
nesses fatores pode levar a distorcias, determinando impossibilidade de
progressão do parto por via natural, culminando com morte da mãe e, ou do
concepto na ausência de assistência adequada (Borges e cols.: 2005 1190-1191).
Como exemplo,
temos o de Adelaide de Criança que morreu em 1936 nas caatingas sergipanas,
após uma provável distorcia ( Costa: 2002, 147-149). Segundo Aglaê Lima (1970:
137), os partos eram realizados em condições precárias e sem os mínimos
cuidados com mãe e filho: “As bandidas tinham partos normais, sem nenhuma
higiene”.
O umbigo do
menino era cortado com unhas e não contraíam tétano”. Inúmeras afecções
poderiam colocar em risco de vida a cangaceira grávida nos ermos da caatinga,
sem médicos e assistência pré-natal: o abortamento e suas complicações,
diabetes gestacional, trauma abdominal, hipertensão materna; além de
descolamento prematuro da placenta, choque hemorrágico e apresentações
anômalas 3. Embora não tenha registros precisos, tudo leva a crer que a
mortalidade materno-fetal nos bandos não era desprezível, já que não havia o
mínimo de planejamento familiar, assistência pré-natal e assistência ao parto.
Tripé esse responsável pela redução da morbidade e mortalidade perinatal nos
dias atuais (Borges e cols.: 2005 1109). Os anais do cangaço registram ainda
fatos curiosos; empiricamente os tabaréus eram capazes de perceber a gravidade
de alguns quadros, realizavam diagnósticos e até prognósticos.
Dessa forma,
quando um projétil de arma de fogo penetrava o abdome e o sangue saia de cor
escura, significa gravidade, o que muitas vezes se confirmava pela morte do
enfermo (Oliveira: 1970 134).
A
explicação desse fato deve-se a uma provável lesão de uma veia calibrosa, como
a veia cava ou veia hepática, ou ainda uma lesão de órgão maciço, como o fígado
o que levaria a uma grande perda sanguínea e até morte por choque hipovolêmico
(Araújo e Fernandes: 1995 90). Outra prática curiosa utilizada para o
prognóstico de lesões no abdome era cheirar a ferida; no caso de cheiro de
fezes o prognostico era sombrio. “Se os intestinos foram perfurados, tratava-se
de preparar a rede para enterrar: fedeu a cocô, fede a defunto” (Oliveira: 1970
134).
As lesões do
intestino grosso, em virtude da flora e das características anatômicas e
fisiológicas do órgão são acompanhadas de índices consideráveis de mortalidade.
Para se ter uma ideia, na Guerra Civil Americana a mortalidade devido as lesões
de cólon estava próximo de 100% e durante a I Guerra Mundial ficou em torno de
60% (Erazo: 1998). Nesses casos, o material fecal leva a uma irritação do
peritônio, ocasionando uma peritonite fecal, com evolução para septicemia e
morte (Araújo e Fernandes: 1995 90-91).
1.1 A
morte de lampião
A morte
de Virgulino Ferreira da Silva ocorreu no dia 28 de julho de 1938,
Conforme o costume de anos a fio, o bando acampou na fazenda Angicos, situada
no sertão de Sergipe, esconderijo tido por Lampião como o de maior segurança.
Era noite, chovia muito e todos dormiam em suas barracas. Na madrugada do dia
28, a volante chegou tão de mansinho que nem os cães pressentiram. Quando
um do cangaceiro deu o alarme, já era tarde demais.
Não se sabe ao
certo quem os traiu. Entretanto, naquele lugar mais seguro, segundo a opinião
de Virgulino, o bando foi pego totalmente desprevenido. Quando os policiais do
Tenente João Bezerra e do Sargento Aniceto Rodrigues da Silva, abriram fogo com
metralhadoras portáteis, os cangaceiros não puderam empreender qualquer
tentativa viável de defesa. O ataque durou uns vinte minutos e poucos
conseguiram escapar ao cerco e à morte.
Dos 34
cangaceiros presentes, 11 morreram ali mesmo. Lampião foi um dos primeiros a
morrer. Logo em seguida, Maria Bonita foi gravemente ferida. Alguns
cangaceiros, transtornados pela morte inesperada do seu líder, conseguiram
escapar. Bastante eufóricos com a vitória, os policiais saquearam e mutilaram
os mortos. Roubaram todo o dinheiro, o ouro, e as joias. A força volante, de
maneira bastante desumana, decepa a cabeça de Lampião. Maria Bonita ainda
estava viva, apesar de bastante ferida, quando sua cabeça foi degolada.
O mesmo
ocorreu com Quinta-Feira e Mergulhão: tiveram suas cabeças arrancadas em vida.
Feito isso, salgaram os seus troféus de vitória e colocaram em latas de
querosene, contendo aguardente e cal. Os corpos mutilados e ensanguentados
foram deixados a céu aberto para servirem de alimento aos urubus. Guardadas as
devidas proporções, após ter passado, praticamente, cento e cinquenta anos da
Revolução Francesa, os brasileiros retrocederam ao século XVIII, decepando
cabeças como fizeram com Luís XVI e Maria Antonieta.
Percorrendo os Estados nordestinos, o coronel João Bezerra exibia as cabeças - já em adiantado
estado de decomposição - por onde passava, atraindo uma multidão de pessoas.
Primeiro, os troféus estiveram em Maceió e, depois, foram ao sul do Brasil. No
Instituto de Medicina Legal de Maceió, as cabeças foram medidas, pesadas,
examinadas, pois os criminalistas achavam que um homem bom não viraria um cangaceiro:
este deveria ter características sui generis.
Ao contrário
do que pensavam alguns, as cabeças não apresentaram qualquer sinal de
degenerescência física, anomalias ou displasias, tendo sido classificados, pura
e simplesmente, como normais. Do sul do País, apesar de se encontrarem em
péssimo estado de conservação, as cabeças seguiram para Salvador, onde
permaneceram por seis anos na Faculdade de Odontologia da Universidade Federal
da Bahia. Lá, tornaram a ser medidas, pesadas e estudadas, na tentativa de se
descobrir alguma patologia.
Posteriormente,
os restos mortais ficaram expostos no Museu Nina Rodrigues, em Salvador, por
mais de três décadas. Durante muito tempo, as famílias de Lampião,
Corisco e Maria Bonita lutaram para dar um enterro digno aos seus parentes. O
economista Silvio Bulhões, em especial, filho de Corisco e Dadá, empreendeu
muitos esforços para dar um sepultamento aos restos mortais dos cangaceiros e
parar, de vez por todas, essa macabra exibição pública. Segundo o
depoimento do economista, dez dias após o enterro do seu pai violaram a
sepultura, exumaram o corpo e, em seguida, cotaram-lhe a cabeça e o braço
esquerdo, colocando-os em exposição no Museu Nina Rodrigues.
O enterro dos
restos mortais dos cangaceiros só ocorreu depois do projeto de lei no. 2867, de
24 de maio de 1965. Tal projeto teve origem nos meios universitários de
Brasília (em particular, nas conferências do poeta Euclides Formiga), e as
pressões do povo brasileiro e do clero o reforçaram. As cabeças de Lampião e
Maria Bonita foram sepultadas no dia 6 de fevereiro de 1969. Os demais
integrantes do bando tiveram seu enterro uma semana depois. Virgulino morreu
aos 41 anos de idade.
No entanto,
contabilizando-se os riscos enfrentados durante 20 anos de cangaço, a
alimentação incerta, as emboscadas, os ferimentos, a falta de assistência
médica, entre outros, pode-se afirmar que o rei do cangaço viveu mesmo muito
tempo.
Vale
registrar, por outro lado, que Lampião e Maria Bonita possuem parentes próximos
em Aracaju: sua filha, Expedita, casou com Manuel Messias Neto e teve quatro
filhos (Djair, Gleuse, Isa e Cristina). Por fim, a grande inteligência de
Virgulino Ferreira da Silva, bem como o seu valor como estrategista valem a
pena ser ressaltados. Mais de sessenta anos após sua morte, ele continua sendo
lembrado na música, na moda, na literatura de cordel, no teatro, no cinema, em
escolas, em museus, em conferências e debates.
O temido
cangaceiro, indubitavelmente, o mais importante e carismático de todos, deixou
gravado nas caatingas sertanejas um pedaço da história do Nordeste do Brasil.’’ . (Fonte: VAINSENCHER, Semira Adler. Lampião (Virgulino
Ferreira da Silva). Pesquisa Escolar.), Online, Fundação Joaquim Nabuco,
Recife. Disponível em: http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar.
Acesso em: 23/03/2014 As 15h30minhs. Recife, 24 de julho de 2003. (Texto
atualizado em 19 de março de 2008). O fim do cangaço realmente aconteceu
em um momento onde o Brasil estava envolvido pelo ideal nacionalista e
autoritário de governar do Estado Novo, período republicano brasileiro de 1937
a 1945.
O governo
classificou os cangaceiros como subversivos e reforçou as políticas de
repressão a níveis federais. Em finais da década de 30, já era repelida de
maneira significativa as ações dos bandidos. O próprio cangaceiro Lampião,
maior sustentáculo do cangaço independente do período foi exterminado em 1938,
tendo logo depois sua cabeça exposta em espaço público como sinal de coibição
aos bandoleiros. Pouco depois, em 1940, morre um dos últimos grandes líderes,
Corisco, conhecido também como “diabo louro”. Sua morte é reconhecida
simbolicamente como o fim do cangaço. ( ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A
Invenção do Nordeste e outras artes. 5 ed. São Paulo: Cortez, 2011. Pp. 143 –
144.).
1.2 A
medicina popular do Cangaço
A medicina do
cangaço não difere em nada, da utilizada pelo sertanejo em geral. Nas
comunidades mais atrasadas, mesmo após o advento da indústria farmacêutica, que
no Brasil só aconteceu no início do século XX, o alívio das dores era procurado
nas qualidades terapêuticas de algumas plantas ditas medicinais. Até hoje o
socorro médico está ligada a praticas rústicas aprendidas com negros,
portugueses e índios.
Para Mario
Souto Maior a medicina popular constitui consequência de uma preocupação
humanista de aliviar o sofrimento humano. Atividade do curandeiro e de seus
usuários decorre de uma vocação médica, de uma constante observação da
fármaco-dinâmica de plantas, aliados a um conhecimento precioso a respeito de
vegetais de efeitos medicinais maravilhosos, mas que mal utilizados podem
trazer resultados danosos ao usuário.
Tal
conhecimento é fruto de séculos de experimentações e ainda que permeados por
erros e riscos se mostrassem muito útil ao tabaréu, visto que no sertão era
rara a presença de um médico. Para se ter uma ideia, os cangaceiros só
conheceram as propriedades do ácido acetila - salicílico em 1929, através do
Capitão-Médico do exército Eronildes de Carvalho que ofereceu um comprimido do
analgésico para um bandoleiro com dor de dente (Araújo e Fernandes: 2005, 131).
Não é incomum observamos uma estranha junção entre chás, lambedores, efusões,
emplastos, defumadores; mas também benzeduras, simpatias e orações que os
cangaceiros utilizavam para cura das suas doenças.
A
farinha, além de alimento indispensável, era utilizada como emplastro, no
tratamento dos abscessos. Os matutos acreditavam que o emplastro quente
com farinha, sobre regiões inflamadas evitava que a lesão “viesse a furo”. Para
Araújo e Fernandes a melhora do quadro se devia à vasodilatação decorrente do
calor local e consequente chegada de um maior número de leucócitos, o que em
última instância abreviava o processo inflamatório. Já o fumo em pó era
utilizado sobre feridas abertas, com objetivo de evitar infecções secundárias,
ovo posição de moscas varejeiras e miasse. (Araújo e Fernandes: 2005 92-93).
“Segundo o ex
- cangaceiro e escritor Joaquim Góis, Lampião e seus “cabras” traziam como
parte integrante do seu “ carrego” uma botica improvisada com tintura de iodo,
pó de Joanes, água forte, pomada de São Lázaro, linha e agulha, algodão, um
estojo de perfumes com brilhantina, óleo extratos e essências baratas. (Góis:
1966, 37-40).Em depoimentos fornecidos por Dadá, a cangaceira relatou que ao
abraçar a profissão ,os homens levavam “mezinhas”, plantas, misturas e alguns
produtos como cachaça ,álcool e água oxigenada.
Para
Araújo e Fernandes embora esses produtos não tenham eficácia comprovada, é
notável a ação antimicrobiana do álcool e peróxido de hidrogênio,
Principalmente contra o Clostridium tétano, causador do tétano. (Araújo e
Fernandes: 2005,92). O Juá e a arnica são elementos fundamentais para o
sertanejo no tratamento de grandes traumatismos decorrentes de quedas,
acidentes, esmagamentos, facadas ou tiros.
As
empregadas colocavam cascas de jenipapo nas luxações, fraturas e contusões era
uma prática comum. Em traumatismo ocasionado por coice de burro usavam um
emplasto de mastruço, carvão moído e esterco de animal. O chá de quixabeira
também era recomendado para cicatrização(Seraine:1983, 142-145). A raspa do pau
de quixabeira era misturada com álcool ou cachaça e ingerida ou colocada sobre
o ferimento; segundo os cangaceiros a ingestão dessa mistura reanimava e dava
uma sensação de força ao doente. (Araújo e Fernandes: 2005,93).No ferimento à
bala, aguardente, água oxigenada e pimenta malagueta seca eram introduzidos
através do orifício de entrada. Segundo alguns sobreviventes, o tratamento era
muito doloroso e mais angustiante do que a própria lesão. (Ibid: 92).
Na vida
errante do cangaço a quantidade e qualidade da alimentação dependiam da
situação: Quando perseguidos, se alimentavam às pressas, as colheres eram
substituídas pelas mãos sujas em forma de concha, sem nenhuma higiene. Panelas
de barro, latas e batatas de umbu eram utilizadas para cozinhar os alimentos;
na maioria das vezes constituídos de carne seca de bode ou boi, rapadura e
farinha. “Quando nos “coitos” livres dos “macacos”, os cangaceiros se
alimentavam fartamente, após as refeições descansavam, contavam os “ causos” e
gargalhavam. (Oliveira: 1970, 139-145). Mezinhas, amuletos e rezas eram
utilizados para “fechar o corpo” contra os inimigos ou para espantar cobras e
animais peçonhentos, além de recomendações no mínimo estranhas: dessa forma,
mulher menstruada era impedida de entrar nos quartos dos feridos de guerra,”
para não arruinar a ferida”.
O tratamento
de doenças venéreas era feito com sumo de 12 limões bebido em jejum logo após o
sol nascer. Não podia olhar para mato verde e nem para mulher; banho de rio
nesses casos era proibido porque “ficava cego”, quando atingia os testículos ou
em casos de “mula” (linfogranulomatose) o doente acocorava-se sobre o fogo. Se
a afecção fosse o tétano, o tabaréu se vestia de preto, ficava em um cômodo
escuro e incomunicável. Em lesões graves, dentre outros cuidados o doente devia
evitar “pisar em rastro de corno”. (Ibidem: 131-139). No livro “Lampião,
Cangaço e Nordeste”, a escritora Aglaê de Oliveira cita outros exemplos da
farmacopeia cangaceira utilizada para o tratamento de enfermidades comuns nos
bandos: Cefaleia: Folhas de algodão aquecidas e mascar o gengibre. Faringite:
Chá de formiga e gargarejo com sal .
Doenças
reumáticas: Banha de capivara, chá de osso de jumento, carne de cascavel.
Otites com leu correia: Banha de traíra. Asma: Banha de ema. Constipação:
Alecrim caseiro. Sinusite: Alecrim salobro. Diabetes: Jucá. Epistaxe: Cheirar
algodão queimado. Otalgia: Tampões de folhas de algodão.
Entorses e
luxação: Emplastro de clara de ovo batida com breu e untar o local atingido,
com banha de ema. Mordedura de cobra: Queimava o local da picada imediatamente
ou realizavam um corte com faca afiada para escorrer o veneno. Halitose:
Mastigar folhas da goiabeira branca. Hemorragia: Suco de arnica. Cardiopatias e lipotimia: Chá de quiabo. Epilepsia: Chá de perna de garça. Ascaridíase: Erva
de cruz. Difteria: Banhos de sândalo e alcaçuz. Hidrocele e hérnia: Banha de
baiacu. Enterites: Chá de erva cidreira, Sapiranga. Escabiose: Raspa de coco misturada mistura com enxofre, passando 8 dias sem molhar.: Chá de velame, chá
de cabeça de negro em jejum e água de arroz. À pimenta e ao caminho em jejum
chamavam “mingau levanta homem”.
Para suspender
a menstruação: Semente de mangiroba em infusão. Infusão de grão e café na
aguardente, durante 9 dias. Febre alta: Suador de semente de melancia e a casca
de angico em água serenada. “Fraqueza dos pulmões”: Leite de jumento pela
manhã. Prisão de ventre: Chá de raiz da jitirana, retirada do nascente.
As marcas que
lampião deixou na vida e na memória das pessoas tornando-se assim mito e
herói onde a população o denominaram de rei do sertão.
As histórias
do cangaço ainda permanecem vivas nas cidades do Nordeste. Relatos tristes e
alegres são contados pela lira dos repentistas, imortalizados por livros,
filmes e melodias como “mulher rendeira”, enquanto as crianças romantizam a
vida errante, o heroísmo das batalhas e as “brabezas” de Lampião por esses
sertões. Mas a vida de quem escolhia o banditismo não era fácil, as fugas dos
volantes, as refeições improvisadas, as enumeras noites insones em condições
insalubres, as batalhas sangrentas, tornavam cada dia uma aventura árdua na
luta pela sobrevivência. Lampião viveu 23 anos em guerra e passou por mais de
400 tiroteios, não é de admirar que tenha sofrido muitos ferimentos ao longo de
sua vida de “fora da lei” (Araújo e Fernandes: 2005,167).
Em entrevista
fornecida ao médico, Dr. Octacílio Macedo, durante sua visita a Juazeiro do
Norte quando foi convidado pelo padre Cícero Romão para integrar o Batalhão
Patriótico contra a coluna prestes, Lampião informou já ter recebido quatro
ferimentos importantes, dos quais, um na cabeça foi considerado por ele o mais
grave, referiu ainda sofrer de “ligeiros ataques reumáticos” (Observatório da
imprensa: 1998).
A primeira
lesão grave de Lampião se deu quando ainda fazia parte do grupo do Sinhô
Pereira, em 1922. Na ocasião foi atingido na região inguinal, no braço direito
e recebeu um tiro de raspão na cabeça. Foi atendido e medicado pelo Dr. Mota,
médico de Vila Bella-PE, recuperando-se sem nenhuma sequela( Fernandes e
Araújo: 2005, 167-172). Em Março de 1924, nas proximidades da lagoa do
Vieira (divisa de Pernambuco e Paraíba), foi ferido no tornozelo direito, ao
mesmo tempo em que o jegue no qual estava montado fora mortalmente atingido,
prendendo-lhe ao cair, o membro machucado (Melo: 1993, 151). O tiro deixou-lhe
uma sequela cicatricial devido a lesão importante no tendão de Aquiles, e, ou
nos músculos flexores do pé direito.
A partir de
então passou a utilizar calçados de rabichos, com reforço na parte do
calcanhar. Dessa forma o seu rastro tornou-se inconfundível, sendo fácil para
os rastejadores identificaram o Grupo de Lampião pela pisada (Araújo e
Fernandes: 2005, 19-21).Em “Lampião o último Cangaceiro”, o escritor e
ex-volante Joaquim Góis (Araújo:1969), refere que na Chacina em Angico, para
certificar-se que um dos corpos de capitados pertencia ao cadáver de Lampião,
valeu-se da cicatriz atrófica no pé direito de um dos mortos.
Esse fato deve
ter dado origem à crença de que o grupo de Lampião usava as alpercatas de forma
contrária com o objetivo de confundir a polícia. Na verdade o reforço na parte
do calcanhar impedia que o calçado saísse do pé lesionado, durante a
deambulação. Dr. José Cordeiro de Lima, foi quem tratou do cangaceiro; a
quem o médico se referia sempre como “capitão” devido à bravura e resistência
demonstradas durante os procedimentos cruentos, nos quais Virgulino não esboçou
se quer um gemido.
A figura do
“monarca das caatingas”, com o olho direito esbranquiçado, usando seus óculos
redondos, levanta uma polêmica há muito tempo discutida entre os estudiosos e
amantes do cangaço: Seria lampião realmente cego do olho direito? Qual a
patologia responsável pela lesão ocular? Em Maria Isaura Pereira de Queiroz é
relatado a frequência que os jornais referíamos óculos de Lampião. Para alguns
autores tratava-se de uma coqueteira utilizada para esconder o olho cego
e de “vidro”. Para outros, os óculos era uma necessidade, devido à fotofobia.
Em “O Povo”,
de Fortaleza, é descrito na edição de 5 de agosto de 1928, os óculos de lentes
escuras, usados para esconder uma doença que atingiu a córnea do olho direito.
Em “Lampião”, o escritor Ranolfo Prata faz referência a o olho direito cego,
por um garrancho de jurema, que lacrimejava constantemente. Leonardo Motta,
célebre folclorista cearense, assim o descreve: “(...) o olho direito branco e
cego, escondido pelos óculos pardacentos, de arcos dourados...” (in: Araújo:
1982, p.76).
A análise do
laudo médico da cabeça de Lampião, feito em Maceió - Al, pelo médico-Legista da
Polícia Militar, Dr. Lajes Filho, nos leva a concluir que Lampião era
funcionalmente cego do olho direito: “(...) O olho direito apresenta um
leucoma, atingindo toda a córnea...” (Rocha, 1998) Segundo o relato do
oftalmologista alagoano Dr. Neves Pinto, na edição de 5 de agosto de 1938, a
lesão era irreversível: “(...) leucoma adberente central, na maioria das vezes
consequente de úlceras perfuradas de córnea, e em vista da extensão das lesões,
poderia assegurar que o caso era incurável.”
Refere ainda
um cristalino luxado no olho esquerdo, devido provavelmente aos violentos
traumatismos sofridos pela cabeça de lampião.
Segundo Dona
Mocinha, Virgulino já possuía baixa da acuidade visual, mesmo antes de entrar
no Cangaço; assim como outros membros da família. Sendo as afecções da
córnea endêmicas no nordeste brasileiro não se pode afastar a possibilidade de
uma etiologia infecciosa como sarampo, tracoma como causa do leucoma, fotofobia
e lacrimejamento. (Araújo e Fernandes: 2005).
Para a neta do
cangaceiro, a historiadora Vera Ferreira, em entrevista exclusiva a Agência
Nordeste; a lesão se deu em um combate, quando um tiro atingiu uma planta e o
espinho respingou no olho, já acometido pelo glaucoma (Diário do Nordeste:
1998). O glaucoma é uma patologia, na qual a pressão intraocular está em níveis
tão elevados que pode resultar em dano do nervo óptico e perda do campo visual,
sendo o seu diagnóstico um grande problema de saúde pública (Langston: 2001
301). È lamentável que mesmo nos dias de hoje, as populações nordestina percam
a acuidade visual por causas que poderiam ser evitadas desde que medidas de
diagnóstico e tratamento fossem implantadas pelas autoridades responsáveis.
Depois de sua
morte segundo relata o autor aqui vai explicar o que fizeram com os restos
mortais ou seja com a cabeça nessa instituição de medicina
legal. Na ocasião, Lampião foi tratado pelo médico José Cordeiro de Lima
(destaque pela atuação na luta contra o tracoma no Cariri cearense), que
retirou o corpo estranho do seu olho e como não se dispunha de antibióticos na
época, provavelmente só foi realizada profilaxia de lesões secundárias e
antissepsia, concorrendo para uma cicatrização descomplicada. (Araújo e
Fernandes: 2005,43).
Diante dos
depoimentos apresentados é bem possível que lampião não tenha nascido cego, mas
teve problemas com seu olho direito: Traumático, infeccioso ou até carência
(falta de vitamina A) na infância ou adolescência que mais tarde; precisamente
em 21 de agosto de 1925, próximo à baixa do Juá, Pernambuco (Ibidem: 39-44), foram
agravados pelo espinho certeiro que lhe atingiu o olho já doente. “(...) O olho
cego do Capitão Virgulino Ferreira não o impediu de torna-se uma figura
polêmica, escrevendo com sangue e coragem a sua saga na memória histórica do
Nordeste brasileiro, e de maneira muito singular no contexto sociológico do
banditismo mundial.” (Ibidem: 44-45).
Sofreu ainda
duas lesões leves: um ferimento a abala em 1926, em região escapular e outro no
quadril em 1930, no município de Itabaiana - SE. (O girassol, 11 de fevereiro
de 2006). Nas margens sergipanas do São Francisco; Angico-SE, 28 de julho de
1938 Lampião recebeu um tiro na região do tórax, outro no baixo ventre, e um
terceiro a queima-roupa na cabeça (Araújo e Fernandes: 2005,171). O projétil de
arma de fogo que atingiu o crânio fraturou o mandibular o frontal, o temporal e
parietal direitos, levando-lhe a morte (Rocha: 1942 48-49). Para Aglaê oliveira
os cangaceiros foram abatidos como bois.
A matança dos
onze bandidos mostrava como era primitiva a vingança das autoridades contra as
atrocidades cometidas pelos cangaceiros. As cabeças decepadas e insepultas
passariam por um dos “espetáculos” mais tenebrosos vivenciado pela população
brasileira. Acrescenta a autora: “(...) É inacreditável que, à semelhança de
modernos giros, o Brasil ostente mais essa singularidade. País exibidor de
crânios humanos, aos quais os filhos dos exibidos assistem como expectadores.”
(Oliveira: 1970 377).para entendermos melhor aqui esta alguns aspectos médico
legal do cangaço. Pois a existência de uma personalidade criminosa sempre foi
uma polêmica para psiquiatras, antropólogos e sociólogos.
A discussão
que sempre existiu sobre a conduta humana se dá entre dois argumentos causais:
Existiria um determinismo criminoso, galgado na constituição biológica, social
e vivencial que levaria a pessoa a agir dessa ou daquela forma, ou haveria o
livre arbítrio, o qual implica na consequência e punibilidade dos atos? Em 28
de julho de 1938, quinta-feira, no Angico, Lampião e mais 10 bandidos foram mortos
e degolados. Suas cabeças não só foram exibidas em público para assombramento
da população sertaneja, como também as fizeram de bola de futebol. (Araújo e
Fernandes: 2005 171-172).
Maria Bonita
foi ferida com dois tiros; o primeiro nas costas e o segundo no abdome, por
José Panta de Godoy (Araújo: 1982 99-110). Para o médico Arnaldo Silveira, em
entrevista concedida ao jornalista Cláudio Bojunga, a cangaceira foi degolada
com vida (Jornal de Alagoas: 4 de agosto de 1938). Segundo os escritores
Antônio Amaury e Fernandes é possível que Maria além de viva estivesse
consciente, já que testemunhas do massacre relataram uma conversa entre a
vitima já baleada e o cangaceiro Luis Pedro (Amaury e Fernandes:
2005,173-174). A iniciativa de degolar os cangaceiros partiu do aspirante
Ferreira de Melo. As cabeças foram salgadas e postas em latas de querosene, com
aguardente e cal. Nos degraus capela nomeada “O monumento” de Santana do
Ipanema foram exibidas pela primeira vez, como troféus, enfeitadas com
belos adornos, cartucheiras e punhais. Em seguida seguiram para Maceió, sendo
expostas na Praça Velha da Cadeia, onde verdadeira multidão disputava o melhor
lugar para assistir a cena.
Esse
fato atesta que soldados e cangaceiros eram figuras praticamente indissociáveis,
no que diz respeito às barbaridades praticadas no sertão nordestino. (Oliveira:
1970, 370). Após o acontecimento esdrúxulo foi enviada então a um cientista
para ser analisada: era preciso descobrir o que havia ali, que teoria
explicaria o comportamento muitas vezes bárbaro do rei das caatingas e de seus
seguidores. Caberia a ciência dizer a última palavra. Em 1838 para designar
certas formas de loucura Esquirol propôs o termo “Monomania Homicida”, uma
desordem ética e moral que levava a prática de crimes. (Ballone revisto em
2002). A teoria da monomania homicida, apesar de não mais aceita influenciou no
surgimento da Teoria da Degenerescência, desenvolvida por Morel em 1857 através
da qual se desenvolveram as mais variadas teorias biológicas, psicológicas,
sociológicas e antropológicas sobre o crime, criminalidade e criminoso que hoje
conhecemos. Onde a degenerescência se definia como desvio de um tipo primitivo
perfeito e transmitido hereditariamente.
Em 1870, V.
Magnan (1835-1916) retomou Morel, Tentou reinterpretar a degenerescência à luz
do evolucionismo, considerando-a um estado patológico, em que os desequilíbrios
físico e mental do indivíduo degenerado interromperiam a evolução natural da
espécie; (Ackerknecht, 1964; Bercherie, 1989; Serpa Jr., 1998). Os termos
preconceituosos usados em relação aos sertanejos, fruto da miscigenação de
índios, negros e brancos agora pretendiam ter fundamento científico. Partiam da
degenerescência para explicar que à medida que se sucedessem as gerações
nervosas gerariam neuróticos, que produziriam psicótico, que gerariam idiotas
ou imbecis, até a extinção da linhagem defeituosa.
Nesse contexto
surge o escritor italiano César Lombroso (1836-1909) criador de uma
antropologia criminal, que relacionava crime e degeneração. Lombroso acreditava
no criminoso nato, cujas características manifestar-se-iam no fenótipo do
indivíduo. Essa teoria ganhou espaço entre legistas e psiquiatras, que tentavam
identificar marcas somáticas para o crime, dentre elas citamos a fronte fugidia,
proeminências ósseas, assimetria de face, caninos exagerados, mandíbulas
possantes, proeminência occipital, orelhas em “abano”, o tubérculo darwiano de
regressão ao macaco.
Medir e
estudar crânio eram uma obsessão da época, vários cangaceiros tiveram suas cabeças
decepadas e enviadas a médico-legistas da polícia militar alagoana em Maceió e
à Faculdade de Medicina da Bahia para serem submetidas à cefalometria e à
análise destas características (Lima: 1965 27-52). No Brasil, o médico
maranhense Raimundo Nina Rodrigues (1862-1906), deu enormes contribuições à
psiquiatria, medicina legal e antropologia estudavam as composições genéticas e
comportamentais dos afrodescendentes e defendia que a loucura era um produto
estrutural das raças e classes inferiores.
Instituindo um
pensamento etnocêntrico como modelo de normalidade social. Contribui para a
classificação das sociedades em normais e anormais (Revista Canudos: 2000,50).
Nina Rodrigues, buscou cientificamente criar regras que avaliariam indivíduos
cujo comportamento fosse doentio, além decidir quanto à sua imputabilidade
penal e principalmente, sugerir meios preventivos para evitar a loucura e o
crime. A ideia da degenerescência Lombrosiana como causa da doença mental,
passou a ser vista pelos estudiosos modernos como retrógrada e ultrapassada;
era preciso abandoná-la. Surgiam assim, os deterministas sociais: para os quais
o meio, com seus fatores sociais e geográficos, seria suficiente para explicar
a criminalidade.
Mais uma vez o
livre arbítrio, a personalidade e os motivos do criminoso eram desprezados.
Nesse sentido afirmava o professor Arthur Ramos: “No caso do cangaceiro ou do
jagunço nordestino as coisas sociais predominam de muito sobre as coisas
biológicas, orgânicas. O bandoleiro nordestino é um produto do seu meio social”
(Jornal de alagoas: 1938). Para Euclides da Cunha o homem dos sertões está em
função imediata da terra, sendo a perfeita tradução moral dos agentes físicos
da natureza que o rodeia. Ela talhou-o a sua imagem: bárbaro, impetuoso e abrupto.
É um retrógrado e não, um degenerado ( Cunha: S/d, 79-83). Por mais de um
século houve apenas uma substituição de uma ideia determinista por outra.
Inicialmente as constituições genéticas e hereditárias eram determinantes
absolutas.
Posteriormente
foi a vez do determinismo moral, onde o indivíduo podia já nascer degenerado.
Em seguida, o determinismo psicológico pregava que as maneira da pessoa reagir
era imutável e, finalmente, o determinismo social, onde as circunstâncias
sociais empurravam invariavelmente a pessoa para o crime. (Ballone, 2002). O
pensamento determinista só foi atenuado com a teoria fenomenológica de De
Greeff,em meados do século XX.
De Greef leva
em conta a necessidade de se conhecer profundamente a personalidade específica
do criminoso; seus motivos, caráter, instinto, antecedentes sociais e não mais
uma personalidade geral e própria dos Homens Criminosos. Debuyst trouxe o
conceito de periculosidade; o qual incluía três elementos: a situação perigosa,
a importância sociocultural do ato cometido e de volta, a personalidade
Criminosa.
Mais tarde,
Digneffe propôs que o indivíduo é plenamente responsável pelos seus atos.
Hoje as principais teorias psicológicas da criminalidade poderão ser agrupadas
em dois grupos: Um deles centrado nas diferenças que caracterizam a
Personalidade Criminosa, específica do criminoso e determinador do ato
delinquente (Pinatel, Le Blanc), e outro, o da análise do percurso do indivíduo
na sociedade, sob o ponto de vista fenomenológico (Debuyst).
A criminologia
moderna acredita que não exista diferença entre personalidade de delinquentes e
não delinquentes; dessa forma, a “personalidade criminosa” seria uma interação
de fatores genético, neuropsicológico, afetivo, cognitivo, político e
vivencial. (Ballone revisto em 2002). O professor Estácio de Lima, em seu livro
“O Estranho Mundo dos Cangaceiros” nos traz observações do biótipo, segundo a
classificação de Kretschmer, além do perfil psíquico dos cangaceiros com quem
conviveu e análises detalhadas das cabeças decepadas. Segundo o
pesquisador , o homem pícnico, gordo, alegre, falador, calvo, expansivo e
bonachão é incompatível com a profissão de bandoleiro das caatingas.
Quanto aos
leptossômicos, a este cabe a frieza, a introspecção, irritabilidade, a
agilidade, guardando com mais facilidade as ofensas. Neste último, se tem
delineado um possível cangaceiro (Lima: 1965 27-52).
No exame
médico-legal da cabeça de Lampião, Dr. José Lages Filho conclui que embora
presente alguns estigmas físicos na cabeça de Lampião, não há uma relação
absoluta entre os caracteres somáticos encontrados e a figura moral do
cangaceiro. Acrescenta o perito: “Faltam às deformidades cranianas, o prognatismo
das maxilas e outros sinais aos quais Lombroso tanta importância emprestava
para a caracterização do criminoso nato”(Rocha:1942, 48-49). Para Lages na
busca da constituição delinquencial de Maria Bonita, seria importante um estudo
psicológico da sua personalidade: “Não denunciam eles a existência de quaisquer
estigmas de generescênça ou signas atávicos (....). Em verdade uma conclusão
definitiva poderia ser tirada da apreciação physiopsichyca e biográphica da
victima, único meio de revelar suas tendências criminosas mesmo se despertadas
estas pela paixão e pelo amor”. (Jornal de Alagoas: 1938).
Ao contrário
do que afirmava sombroso, os cangaceiros também não apresentavam duas das
características esperadas em um criminoso nato: a covardia e a indiferença
amorosa. A sua fisionomia é a do sertanejo comum, sem quaisquer diferenças ou
anomalias (Lima: 1965, 27-52).
Para Oliveira
(1970: 374), somos resultantes de uma complexa mistura entre negros, índios e
brancos. Se Lucas Ferreira era um negro desalmado e Zé Baiano um cruel ferrador
de suas vítimas, Corisco era louro, de olhos azuis, cabelos finos e um demônio,
não menos perverso. Acrescenta a autora que os jovens sertanejos cheio de
ilusões e ímpetos, testemunhas de bandos armados bem vestidos e alimentados,
ingressavam nos bandos, independentemente de sangue de “valentão”, de ser
negro, índio ou vesgo. Sua presença era um protesto contra a parcialidade
existente na justiça.
A análise da
gênese do cangaceiro é polêmica e complexa. Para alguns autores eles foram vítimas
de um meio hostil, suas atitudes constituíam uma resposta a profunda crise pela
qual a população sertaneja passava, como também um protesto contra a sociedade
que os esquecia de e marginalizava. Para outros, entretanto, o cangaço era uma
atividade extremamente lucrativa e Virgulino um perverso que alimentava sua
megalomania de imperador do sertão, sendo temido tanto por coronéis como pelas
classes mais miseráveis.
Não podemos,
entretanto negar a força do mito do herói-bandido que ao mesmo tempo fascina e
assusta os estudiosos do seu universo peculiar. A peculiaridade social e
econômica do sertão nordestino possibilitou uma sociedade bastante criativa,
onde se gerou uma cultura popular de muita riqueza temática e histórica. 129
Sua medicina singular é naturalmente fruto de uma religiosidade extrema;
superstições, folclore e conhecimento empírico que conjugados formam uma
fascinante mistura. Os exemplos citados demonstram que os sertanejos na
ausência de socorro médico, usavam os elementos que estavam ao seu dispor. Na
enfermaria improvisada das caatingas, colhiam seus remédios, tratavam seus
doentes e quando a morte não podia ser evitada, restava-lhes enterrar os seus
companheiros, embalados por rezas, cantigas e cachaça.
É fato o
assombramento e despojamento que a caatinga nordestina nos provoca que nela
habitam. Qualquer julgamento dos cangaceiros necessita de uma interpretação do
seu universo singular e extraordinário; dos seus costumes, código de honra, sem
desprezar as influências do meio hostil que endurece o homem. Embora a vida
errante do cangaço muitas vezes era a única opção de subsistência para o
sertanejo, cairíamos no reducionismo se afirmássemos que as condições sociais
foram às únicas responsáveis por atos muitas vezes cruéis dos bandoleiros.
A chacina de
Canudos, assim como a dos cangaceiros, reflete uma mancha na nossa história,
uma página sem brilho da qual não podemos nos orgulhar; parafraseando o
escritor Euclides da Cunha ( S/d, 352): “É que ainda não existe um Maudsley
para as loucuras e crimes da nacionalidade.”
FONTE:
http://www.webartigos.com/artigos/o-cangaco-no-brasil/135711/
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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