17 de fev. de 2016

EM MEMÓRIA DE UM CANGACEIRO

Acervo do pesquisador Antonio Corrêa Sobrinho

Por Sodré Viana

Aqui estou hoje para tirar o meu chapéu de couro, o meu chapéu de jagunço, em reverência à memória do cangaceiro Antonio Silvino, morto de morte natural em Campina Grande, na Paraíba.

Ele foi o último legítimo cavaleiro andante do sertão. Erra – e erra iniquamente – quem o inclui no rol dos bandidos. Não se pode julgar um homem senão em função do meio em que lhe coube viver. Antonio Silvino, qualquer que tenham sido os seus atos, foi apenas uma expressão do grupo humano a que pertenceu. O Nordeste do seu tempo estagnara-se em plena Idade Média. A vontade onipotente dos coronéis correspondia, em essência e de fato, à onipotente vontade de um senhor feudal da era dos Mendes e Moniz portugueses. O povo, desamparado, devia escolher entre a submissão total ou a revolta declarada. Escolhia a primeira – porque não é impunemente que se traz no costado quatro séculos de servidão. Mas, nas escuras, fétidas palhoças de vaqueiros, de tropeiros, de trabalhadores dos eitos, nunca deixou de lavrar, surda e tenaz, a amargura em face de tanto arbítrio.

Dos lenhos que se consomem nas fogueiras costumam saltar fagulhas. Também saltam fagulhas das comunidades opressas. Algumas se perdem, apagam-se na trajetória. Outras, no entanto, ateiam incêndios.
Antonio Silvino foi uma destas. Ergueu-se do seio torturado da sua gente, vagalumeou pelo escuro da noite social sertaneja, a princípio indecisamente, depois mais forte e mais forte, até se converter num foco tão ardente e tão rubro que se diria uma estrela de sangue no céu impassível da caatinga.

Matou, sim. Pilhou. E qual o guerrilheiro que jamais se viu na contingência de pilhar para prosseguir na luta?

Mas nunca se soube que ele houvesse cometido uma atrocidade deliberada contra os humildes e fracos. Tomem os folhetos em que os cantadores narram a sua vida: a aura de simpatia que unge esses versos rudes e belos é um testemunho expressivo.

O mesmo não se pode dizer quanto à altitude dos vates caboclos em face das volantes policiais que o perseguiam. Eis como um deles narra o desfecho de combate de Santa Luzia, travado a 19 de fevereiro de 1901:
“No mesmo dia prenderam

Dois que vinham desarmados,
Que eram dos cangaceiros
Os dois mais desanimados.
Não fizeram resistência
Rendendo obediência
Aos perigosos soldados.
Aqui estiveram calados
Sem falar mal de ninguém,
Até que foram levados
Por ordem não sei de quem.
Foram entregues ao Talentino
E no outro dia o sino
Rezou por eles também...”

Não me parece preciso pôr mais na carta. Para a massa – os soldados é que eram perigosos...

Bandidos foram os “Cacundos”, foi Lucas da feira, foi Zé Baiano – monstros ávidos de dinheiro e de carnagem. Antonio Silvino, como Jesuíno Brilhante, com tantos outros, encarnou uma daquelas “forças desvairadas” que, de volta de Canudos, Euclides denunciou inultimente à atenção, ao estudo e à boa vontade dos idólatras da civilização litorânea, idólatra que agora, felizmente, sofreu alguns golpes mortais.


São esclarecimentos necessários. Porque a maioria dos homens do Sul ainda é capaz de supor que “entende de Nordeste” – porque ouve as emboladas do Sr. Manezinho Araújo...

Fonte: facebook

http://blogdomendesemendes.blogspot.com
http://josemendespereirapotiguar.blogspot.com.br

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