25 de fev. de 2016

LUTO FECHADO

Por Rangel Alves da Costa*

Acerca do luto, as definições são muitas, dependendo da abordagem escolhida. Há o luto rotineiro, tradicional, aquele caracterizado pelo uso de roupa escura até certo tempo após a morte de alguém. Dependendo da sociedade, outras cores assumem a simbologia da perda e do pesar ainda presente. Há o luto festivo, onde contínuos rituais representam a entrega do falecido à outra vida e dizem de sua importância no mundo dos vivos.

No mesmo sentido, o período de consternação pela perda de alguém querido, que se diferencia entre os povos. Em termos psicanalíticos, o luto envolve a perda do elo entre uma pessoa e seu objeto, sendo a reação à perda sua característica maior. A tristeza profunda, melancolia e o distanciamento da realidade seus reflexos mais imediatos.

Na tradição cristã, o luto envolve desde a missa de corpo presente às demais liturgias em memória da pessoa falecida. Noutra esfera, há também o denominado luto oficial, geralmente de três dias, decretado pelos governos após o falecimento de figura proeminente. Diz-se ainda do luto interior ou da consternação pessoal com perdas outras que não de entes queridos. Assim, enlutece também quem de repente se vê alijado de amor, de amizade, de coisas importantes que façam parte de sua vida.

De qualquer modo, o luto é tradição expressada no sentimento de tristeza ou pesar pela morte de alguém. Enlutece aquele que após a partida de um ente querido se veste de negro por um determinado período de tempo, podendo ser um mês ou mais, chegando a ano ou mesmo mais. Pessoas existem que vão tingindo roupas após roupas, de modo que três ou quatro peças sirvam para todo o enlutamento.


Na tradição, também as variações no pesar, eis que alguns se vestem de negro dos pés à cabeça e após um ou três meses vai arrefecendo o luto com o uso de roupas de outras cores, desde que em tons sombrios ou escurecidos. Outros apenas se negam a vestir roupas coloridas por um período, tendo ainda outros que preferem o luto pelo resto da vida. E não só o luto na roupa, mas também na alma e na existência, pois passam a viver como sob um manto se fim de saudade, de pesar, de melancolia, de entristecimento.

Hoje é raro de acontecer, mas pelos lugarejos remotos ainda se encontra viúvas com luto completamente fechado. Além das vestes inteiramente negras, também levando consigo uma feição sombria, chorosa e inafastável do defunto desde muito sumido da terra. Seria apego em demasia ao ente querido, seria demonstração de amor extremado ao desaparecido, seria o exercício da morte em vida? Nunca se sabe, pois o verdadeiro luto está no silêncio doloroso da alma, do sentir, e jamais na cor da roupa que alguém possa vestir.

Mas conheço alguém, uma velha viúva, que tem na ponta da língua a resposta quando perguntada pelo luto fechado já desde mais de trinta anos: assim a minha vida desde a partida daquela vida, nessa cor da noite mais escurecida, nessa lágrima que eternamente chora por dentro. E acrescenta: não poderia viver na alegria ou no contentamento se a alma não clama por outra coisa senão por saudade, por lágrimas e desejos daquela presença.

O luto tantas vezes é tão fechado que a pessoa evita até sair à rua, a caminhar nos afazeres do dia a dia, a ter uma vida dentro da normalidade. Quando abre as portas de casa é para ir ao cemitério visitar o túmulo de seu defunto. Vai levando velas, buquê de flores, perfumes, retratos antigos e tudo o que houver que represente relação com o ausente. Com um véu negro sobre a cabeça, vestido negro comprido até os pés, certamente com os olhos encharcados de lágrimas, vai seguindo como uma figura aterradora em plena luz do dia. E também já nas horas escurecidas do dia, adentrando na noite.

E assim permanece até o dia em que também partirá. E nem sempre com nenhum luto de um parente que fica. Sequer a lembrança, a saudade, pois a morte também pode representar o fim absoluto de tudo.

Poeta e cronista
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