Por Selson Garutti UEPG
RESUMO
Os estudos
sobre cultura popular, sobre as tradições, costumes, crenças, várias formas de
artes, entre outras, permitem compreender a formação de um povo, sua história,
suas raízes, o comportamento desses e sua identidade. No entanto, para
compreender este universo é necessário resgatar o passado que, na maioria das
vezes, muitos não dão a devida importância. Tratam, muitas vezes, com
menosprezo ou simplesmente acreditam que o que importa mesmo é o futuro. E,
consequentemente, esse desaprecio para com fatos memoriais faz com que não se
reconheça a identidade de um povo. A história da origem do nome da cidade de
Maringá é um exemplo disso. Muitos maringaenses natos não conhecem a história
da origem do nome da cidade onde nasceram. No entanto, existem muitas versões,
seja na visão dos pioneiros, autores, historiadores ou pessoas comuns. Esse
desencontro acontece porque tudo se origina de uma lenda paraibana onde uma
jovem cabocla muito bonita, “Maria do Ingá”, retirante da seca do nordeste,
deixou saudoso um caboclo apaixonado. Mais tarde a lenda foi contada nos versos
da canção “Maringá” do compositor e médico mineiro Joubert de Carvalho. O
objetivo deste trabalho foi investigar esta lenda como objeto folkcomunicativo,
ou seja, em nível popular, e como ela faz parte da história da cidade como
memória no imaginário do maringaense.
Palavras-
chave: folclore, Folkcomunicação, lenda Maria do Ingá.
ABSTRACT
Studies of
popular culture, about the traditions, customs, beliefs, various forms of arts,
among others, can help understand the formation of a people, its history, its
roots, and the behavior of their identity. However, to understand this universe
is necessary to redeem the past, which most often many do not give enough
importance. Dealing often with disdain or simply believe that what matters is
the future. And, therefore, that desaprecio with facts to do with
memorials that do not recognize the identity of a people. The story of the
origin of the name of the city of Maringá is an example. Many native Maringá
not know the story of the origin of the name of the city where they were born. However,
there are many versions, is the vision of the pioneers, authors, historians and
ordinary people. This mismatch happens because everything comes from a legend
where a young Indian woman paraibana very beautiful, "Mary of Inga",
migrant northeastern drought, has left a fellow passionate longing. Later
legend was told in the verses of the song "Maringa" the composer and
doctor miner Joubert de Carvalho. The aim of this study was to investigate
how this legend folkcomunicativo object, ie at grassroots level, and how it
works in the imagination of maringaensis.
Key-words: folklore,
Folkcomunicação, legend Mary of Ingá.
Os estudos que
abordam temas da cultura popular, folclore e Folkcomunicação estão cada vez
mais em evidência nos debates de Comunicação Social, porque permitem
ultrapassar as fronteiras de observação jornalística e mergulhar em universos
onde são, muitas vezes, tratados como marginalizados. No entanto, assuntos
desta natureza revelam os costumes, tradições, educação, religião, valores e,
principalmente, a identidade de um povo que marcarão a trajetória em sociedade
deste. A riqueza cultural que estas características proporcionam varia de
região para região, onde cada povo tem a sua. Desta forma, a personalidade de
cada indivíduo é moldada pela cultura local presente, por meio dos costumes,
lendas, festas populares, músicas, comidas, crendices próprias entre outros.
O presente
texto trata especificamente, sobre a lenda paraibana Maria do Ingá, na qual se
tornou a base de uma música de bastante sucesso, do compositor e médico mineiro
Joubert de Carvalho, “Maringá”, entre as décadas de 1930 e 1940. Mais tarde, o
nome desta música virou também o nome da cidade de Maringá. No entanto, se faz
necessário clarificar que a música de Joubert de Carvalho baseada na lenda
paraibana não foi composta para dar nome à cidade. Esta lenda foi usada como
artifício tanto da parte do compositor, como da parte da Companhia
Melhoramentos do Norte do Paraná, na qual se utilizaram deste objeto folclórico
para atender seus próprios interesses.
Este tema foi
escolhido porque, além de ainda não ter sido estudado no mesmo ponto de vista
que esta pesquisa propõe que é entender o que é e como se constitui uma lenda
na perspectiva da Folkcomunicação, é um assunto que poucos maringaenses
conhecem de fato. A cidade de Maringá foi fundada oficialmente no dia 10 de
maio de 1947, tem 64 anos. Esta é uma idade considerada jovem, se for comparar
com outras cidades que tem quase a mesma idade do no Brasil, isto é, cidades
centenárias. Talvez isso influencie o pouco conhecimento da comunidade
maringaense sobre a história da sua cidade.
Existem poucos
documentos ou livros que narram a origem do nome de Maringá. O que se encontra
bastante são bibliografias contando sobre o desbravamento da cidade, a chegada
dos pioneiros, sobre a economia do café, entre outros assuntos. No entanto,
existe uma carência significativa de materiais que revelam a origem do nome da
cidade de Maringá.
Isso acontece
porque a base do nome da cidade é uma lenda, da cabocla paraibana Maria do
Ingá, retirante da seca nordestina que deixou em sua terra um caboclo
apaixonado. E lendas são frutos do imaginário das pessoas, que passa de pessoa
para pessoa, de geração em geração. E esta característica da oralidade
coletiva, de acordo com Benjamin (2010) faz com que ocorram aumentos,
deformações, interpretações e reinterpretações.
Neste contexto,
a questão que norteia esta pesquisa é como a lenda Maria do Ingá faz parte da
história da cidade como memória no imaginário do maringaense. Esta abordagem é
fundamental para compreender os principais aspectos da lenda Maria do Ingá, que
é o objeto dessa pesquisa.
A história da
origem do nome da cidade de Maringá é um tanto curiosa e se diferencia bastante
do comum. Geralmente, os nomes das cidades brasileiras se derivam de
denominações indígenas, santos católicos, do nome do fundador, entre outros. No
caso da cidade de Maringá, existem algumas versões sobre a origem do seu nome.
A versão mais popular, segundo Hilário (1997), dá conta que a origem do nome
“Maringá” vem de uma lenda paraibana, da cabocla Maria do Ingá, uma moça muito
bonita, retirante da seca nordestina que deixou saudoso um jovem apaixonado e
despertava muitas paixões por onde passava. De acordo com Sanches (2002) mais
tarde a lenda foi inspiração para a música “Maringá”, que fez bastante sucesso
a partir do ano de 1932, do médico e compositor mineiro Joubert de Carvalho.
No entanto,
existem pelo menos mais outras duas possibilidades sobre a origem do nome de
Maringá. Uma delas, de acordo com algumas pessoas da comunidade maringaense que
não estão envolvidas diretamente com esta pesquisa, parte dos pioneiros
chamados “colonizadores”, aqueles mais antigos que chegaram por aqui no final
da década de 1930. Dão conta estes, que antes da cidade ter este nome já havia
este nome para o Ribeirão Maringá, a água Maringá. Então, este nome antecederia
o nome da cidade. Ainda este ribeirão também teria este nome em função da
canção Maringá de Joubert de Carvalho.
Outra versão
sobre a origem do nome de Maringá, segundo Luz (1997), é quando a Companhia
Melhoramentos Norte do Paraná estabelece um ponto no mapa criado por ela em
1938 com o nome “Maringá”. De acordo com a autora, é nesta época que a
Companhia começa as primeiras vendas de porções de terras na região onde é hoje
a cidade de Maringá.
Para apurar a
história exata da origem do nome da cidade é difícil porque existem poucos
documentos ou livros que contam isso. As versões contadas se veiculam na
maioria por meio da oralidade. A letra da música de Joubert de Carvalho,
“Maringá”, é considerada o documento oficial sobre isso e mais alguns livros de
pioneiros da cidade.
As versões que
se baseiam na lenda paraibana da cabocla Maria do Ingá, também se diferenciam
uma da outra, mas a maioria testifica que o nome veio da lenda de uma moça
muito bonita. Isso caracteriza a história como objeto folclórico, pois no que
se refere às lendas não se pode afirmar a origem e a veracidade. De acordo com
Cascudo (1978), a lenda é objeto do folclore, uma narrativa popular fruto da
imaginação de quem a criou e que passa de geração para geração, onde um povo,
por meio de suas lendas, conta a sua história. O autor afirma que o folclore
afasta da contemporaneidade; falta-lhe tempo, ou seja, vem sendo contado ou
vivido através dos tempos. Para Brandão (2006), o folclore é sempre uma fala, é
uma linguagem que o uso torna coletiva, não existe autor porque é uma
construção social. Todas essas características cabem na definição do que é uma
lenda.
A data oficial
de fundação da cidade de Maringá é o dia 10 de maio de 1947, mas essa idade
comemorativa partiu da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná que loteou
várias cidades da região norte do estado. De acordo com Luz (1997), começaram
as vendas de lotes que corresponde hoje ao que é Maringá, no ano de 1938. O
nome da cidade foi escolhido em 1941 e somente seis anos depois, em 1947, é que
a Companhia funda oficialmente a nova cidade.
Reza a lenda,
segundo Arruda e Bertola (1998), Guercio (1972), Hilário (1995, 1997) e Sanches
(2002), que o nome da cidade foi inspirado em uma lenda nordestina na qual uma
cabocla paraibana, retirante da seca, mas dotada de muita beleza, que era
natural de uma região no agreste paraibano e despertava muitas paixões por onde
passava. Ela é conhecida por Maria do Ingá, que vem da sua cidade natal.
De acordo com
Cardoso, a lenda conta que:
Após uma seca
que antecedeu a de 1877-79, provavelmente a de 1848, a formosa cabocla migrou
para a cidade de Pombal, situada além do planalto da Borborema, na confluência
dos rios Piranhas e Piancó. A beleza da jovem despertou paixões desenfreadas em
um caboclo, do qual a tradição oral não ousou declinar o nome para que a bela
Maria do Ingá protagonizasse carinhosamente a mais comovente estória sertaneja.
Na malfadada seca de 1877, ela toma novos caminhos pelas veredas do sertão e
procura novas paragens a fim de continuar o desfile de sua beleza através das
trilhas adustas das caatingas ressequidas, mas felizes por poderem contemplar o
semblante magistral da cabocla (CARDOSO, 2010).
O médico
mineiro Joubert de Carvalho foi o grande responsável por tornar a lenda Maria
do Ingá conhecida nacionalmente, quando, no ano de 1931 escreveu a música
“Maringá”. O compositor tornou possível transformar uma cidade em canção (Ingá
– PB) para uma canção em cidade (Maringá - PR). Este trocadilho faz sentido
porque é comum cidades emprestarem seus nomes a canções. No entanto, um pouco
mais complicado uma canção inspirar o nome de uma cidade (ACERVO DA DIVISÃO DO
PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MARINGÁ, 2009).
A revista
Tradição (1989, p. 10) relata que, certo dia, Joubert de Carvalho se encontrou
com o secretário de José Américo de Almeida, Ministro da Viação e Obras
Públicas do governo provisório de Getúlio Vargas (1930 - 1934), Jaime Távora,
que o convidou para ir à casa de uma amiga, pois lá estariam o Ministro e
alguns amigos, fazendo-o entender que José Almeida gostaria de conhecê-lo, pois
gostava das suas músicas, quando, na época, já fazia muito sucesso. Joubert de
Carvalho não aceitou o convite, dizendo, em tom de brincadeira, que se o
Ministro gostava tanto assim da sua música que fosse ele mesmo à sua casa.
Naquela mesma noite Jaime Távora surpreendeu Joubert de Carvalho com um
telefonema perguntando se o Ministro poderia ir à sua casa. E o ministro foi
mesmo, levando consigo alguns amigos, entre eles, o seu oficial de gabinete Rui
Carneiro.
A revista
Tradição (1989) relata ainda que Joubert de Carvalho tornou-se freqüentador do
gabinete de José Almeida e isso fez com que tivesse vontade de conquistar um
emprego como médico no Instituto dos Marítimos. No entanto, estava inseguro e
comentou com Rui Carneiro que lhe sugeriu fazer uma música falando da seca no
nordeste, terra do Ministro, que era da Paraíba. Joubert de Carvalho aceitou a
sugestão e, segundo Cardoso (2009), Rui Carneiro lhe descreveu a lenda que o
povo da sua terra contava por todos os lados desde o marcante final da década
de 1970 do século XIX. Arruda e Bertola (1998) acrescentam que o assunto era
manchete em todos os jornais da época. Conforme a revista Tradição (1989,
p.10), Joubert de Carvalho ia buscando inspiração para sua nova composição,
como se percebe nos relatos a seguir:
Enquanto Rui
falava, Joubert ia se inspirando em imagens da seca:
- Vi
perfeitamente o drama da cabocla saindo naquela leva, deixando o caboclo. Era
uma Maria. Falei com Rui:
- Diga-me
uma coisa: onde é que nasceu o ministro José Américo?
- Nasceu
em Areias.
Joubert achou
que Areias não dava boa rima. Voltou-se para Rui:
- E
você, onde nasceu?
- Nasci
em Pombal.
- E
onde a seca foi mais rigorosa?
Rui citou
vários lugares, entre eles o município de Ingá. Joubert disse:
- Então
é a Maria do Ingá.
Em seguida,
ali mesmo, na presença de Rui Carneiro, a música foi feita(ACERVO DA DIVISÃO DO
PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MARINGÁ, 2009).
A partir deste
relato, percebe-se que, na lenda, originalmente, a personagem principal não tem
nome, ela era apenas tratada como uma cabocla, e também a sua cidade natal não
é revelada, apenas a região, no agreste paraibano. Quem lhe deu o nome de
“Maria” foi Joubert de Carvalho, o termo “do Ingá” vem da cidade na qual o
compositor, no momento da criação da música, achou que caía bem para a
história. Arruda e Bertola (1998) afirmam que, de início, Maria do Ingá não
soava bem musicalmente, e se surpreendeu quando notou que a contração 'Maringá'
era mais adequada para a música. Guercio (1972) explica que a modificação do
título proporcionou melodia mais suave para a “menina Maringá”. A letra da
música é bem característica, com versos poéticos e nostálgicos, a música tem
melodia suave e isso é marca de Joubert de Carvalho que fez sucesso entre os
imigrantes nordestinos que colonizavam a nova cidade. A composição da letra,
que tem no título o nome da cidade de “Maringá”, é a seguinte:
Foi numa leva/
que a cabocla Maringá/ ficou sendo a retirante/ que mais dava o que falar/. E
junto dela/ veio alguém que suplicou/ pra que nunca se esquecesse/ de um
caboclo que ficou/. Maringá, Maringá,/ depois que tu partiste/ tudo aqui ficou
tão triste/ que eu garrei a imaginar/. Maringá, Maringá,/ para haver
felicidade/ é preciso que a saudade/ vá bater noutro lugar./ Maringá, Maringá,/
volta aqui pro meu sertão/ pra de novo o coração/ de um caboclo assossegar./
Antigamente uma alegria sem igual/ dominava aquela gente/ da cidade de Pombal./
Mas veio a seca,/ toda chuva foi-se embora/ só restando então as água/ dos meus
olhos quando choro// (SANCHES, 2002, p. 18).
De acordo com
a revista Tradição (1989), a música foi gravada no ano de 1932 por Gastão
Formenti e logo se tornou um grande sucesso. A intenção de Joubert de Carvalho
de compor a música era para agradar o Ministro, pois tinha em vista um emprego
como médico no Instituto dos Marítimos. E deu certo, no ano seguinte, 1933, ele
foi nomeado médico do Instituto dos Marítimos, onde fez sua carreira na área da
medicina. A revista Tradição (1989, p. 10) relata que “foi chefe de clínica
médica, chefe dos ambulatórios, chefe das relações públicas, até chegar diretor
do hospital. Depois se aposentou pelo Instituto”.
A canção
marcou época no Brasil e também na carreira de Joubert de Carvalho. No
entanto,vale ressaltar que a música não foi composta, especialmente, para dar o
nome à cidade. Joubert de Carvalho a compôs no ano de 1931, e segundo Sanches
(2002) somente no ano de 1947 que nasceu, oficialmente, o nome da cidade.
De acordo com
Guercio (1972), a canção “Maringá” era cantada em todos os pontos do território
nacional, principalmente pelos caboclos nordestinos enquanto derrubavam as
matas que dariam lugar à nova cidade que ainda não tinha nome. Guercio (1972)
afirma ainda que os imigrantes nordestinos eram fascinados pela música e pelos
encantamentos da nova terra e, desta forma, elegeram o nome da cidade que
nascia. No Acervo do Patrimônio Histórico e Artístico e Maringá, consta:
Homens
vestidos de fibra de modernos bandeirantes penetravam o sertão
norte-paranaense, derrubando matas, afastando troncos e planejando cidades.
Corria a década de 1940/50. Descortinava-se uma nova civilização no miôlo da
selva bruta. Caboclos em sua maioria vindos do Norte e Nordeste, enquanto
derrubavam as perobeiras e arrastavam cadáveres de árvores seculares, cantavam,
com a saudade sintonizada em sua terra longínqua e seca, os versos de Joubert
(ACERVO DA DIVISÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO DE MARINGÁ, 2010).
Diante disso,
a revista Tradição (1989, p. 29) destaca como aconteceu a escolha do nome da
cidade “na época em que a Cia Melhoramentos abriam a floresta aqui para a
fundação de uma nova cidade, os peões cantavam muito a canção de Joubert. A
esposa de um dos diretores da Companhia fascinou-se com a música e propôs que a
cidade recebesse o nome de 'Maringá', isto no início dos anos 40”.
Neste sentido,
Sanches (2002) completa, com mais detalhes, o que ocorreu no momento da escolha
do nome da cidade:
Foi nesta
época que se reuniram os diretores da Companhia de Terras Norte do Paraná, hoje
Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, numa barraca coberta de lona, para
escolher o nome que seria dado à nova cidade. Elizabeth Thomas, esposa do Presidente
da Companhia, Henry Thomas, lembrou: ‘porque não damos o nome da mais bela
canção brasileira, Maringá?’ A sugestão foi acolhida com palmas. E em 10 de
maio de 1947 nasceu oficialmente Maringá (SANCHES, 2002, p.16).
Neste mesmo
sentido, Hilário (1995) também afirma que o crédito à escolha do nome Maringá é
de D. Elisabeth Thomas. O autor relata que “consta que Elisabeth, ouvindo os
peões nordestinos cantarem a referida melodia, sugeriu a denominação em
homenagem àqueles desbravadores. A sugestão teria aprovação da diretoria da
colonizadora e assim, com o nome Maringá, foi batizada a cidade” (HILÁRIO,
1995, p.307 e 308).
Por outro
lado, Luz (1997) observa que quase uma década antes do ocorrido citado no
parágrafo anterior, no ano de 1938 já existia a gleba Patrimônio Maringá onde a
Companhia Melhoramentos Norte do Paraná, já vendia lotes, ou seja, nas palavras
da autora antes dos diretores da Companhia definir oficialmente qual o nome da
cidade já existia um ponto que levava o nome de Maringá no mapa da Companhia
Quanto à gleba
Patrimônio Maringá, que circunda o núcleo urbano principal, teve suas vendas
iniciadas ainda em 1938; contudo, somente no ano do lançamento da pedra
fundamental da cidade de Maringá, em 1947, e no seguinte, as vendas se avolumaram,
perfazendo nesses dois anos um total de 357 lotes vendidos [...]. Desde 1938 a
colonizadora vendia lotes nas glebas que circundariam Maringá. Conforme os
livros de registros de vendas, até 1942 a Companhia já efetuara 496 transações
imobiliárias, representando 12,2% das propriedades rurais da área que
posteriormente corresponderia ao Município de Maringá (LUZ, 1997, p. 57 e 60).
A partir deste
relato, percebe-se que existe um conflito de informações quanto à origem do
nome da cidade, talvez isso aconteça porque muitos autores não se preocupam em
realizar uma pesquisa mais profunda, analisando documentos para escrever os
livros que contam a história da cidade. No entanto, como a música foi composta
no ano de 1931 e mais tarde, 1938, há indícios a partir do trecho citado no
parágrafo anterior, que já existia o nome de Maringá para a região que é hoje a
cidade, isso indica que o nome já definido pode ser também em virtude da música
de Joubert de Carvalho.
Guercio (1972,
p. 16) explica que a personagem “Maria do Ingá”, na qual aparece na música de
Joubert de Carvalho virou Maringá, é um “símbolo para homenagear todas as
retirantes nordestinas que partiram para bem longe, deixando inconsolável o
coração de seus amados que a dor imensa da saudade não deixava sossegar”.
A letra da
música, na época, fazia sentido com a história que os caboclos pioneiros
estavam construindo e com a história que tinham deixado para trás. Guercio
(1972, p. 16) explica que no primeiro trecho da música “foi numa leva que
a cabocla...” a frase tinha a ver com o modo de se referir aos nordestinos
retirantes. “Era comum dizer-se – e isso ainda é usado até hoje – que as
caravanas dos nossos infelizes e desiludidos irmãos do nordeste brasileiro
compunham ‘levas de retirantes’ que demandavam os rumos do sul, fugindo à
inclemência das secas terríveis”.
Levando em
conta que não foram só homens retirantes da seca nordestina, mas, igualmente
mulheres, no último trecho “(...) mas veio a seca, toda chuva foi-se
embora só restando então as água dos meus olhos quando chora (...)”, de acordo
com Guercio (1972, p. 16), faz alusão às caboclas catingueiras representadas
por Maria do Ingá. “Partiram [de suas terras nordestinas] sem olhar para trás
[...] calafetaram os ouvidos para não escutar o cântico das sereias e não
saltarem dos ‘paus-de-arara’, voltando a correr para sossegar o coração do
caboclo que ficou [...]”.
Vale destacar
que, em Maringá, existe uma rua importante na cidade que leva o nome de Joubert
de Carvalho. De acordo com a revista Tradição (1989, p. 28), a rua ganhou este
nome há mais de 50 anos, exatamente no dia 21 de abril de 1959, onde era a
antiga Rua Bandeirantes. Segundo a revista, a ideia de dar o nome do compositor
a uma rua partiu do jornalista Antônio Augusto de Assis, mais conhecido como A.
A. de Assis, num artigo publicado pela revista “NP” [Norte do Paraná], em
setembro de 1958. A idéia ganhou apoio de outros jornalistas, como Manuel
Tavares de “A tribuna do Paraná” e Ivens Lagoano Pacheco de “O jornal de
Maringá”. Alceu Haure, que era vereador na época, fez o projeto que foi
aprovado por unanimidade pela Câmara Municipal e sancionado pelo prefeito da
época Américo Dias Ferraz.
Está descrito
ainda na revista Tradição (1989) como foi a chegada de Joubert de Carvalho para
a inauguração da rua que leva o seu nome:
No dia 20 de
abril de 1959 Joubert de Carvalho desembarcou em Maringá, juntamente com
familiares e um grupo de amigos que lotaram um avião da Vasp. Entre os amigos,
o escritor R. Magalhães Júnior e o poeta Jansen Filho. Todas as autoridades
locais e o grande público estavam no aeroporto, acompanhando o compositor até o
Grande Hotel (hoje Hotel Bandeirantes) (TRADIÇÃO, 1989, p. 28).
Tradição
(1989) destaca ainda que o compositor veio outras vezes à Maringá e por aqui
fez amigos em especial o jornalista A. A. de Assis e Aristeu Brandespin, dono
da revista NP, na qual A. A. Assis trabalhava. E se percebe no trecho a seguir,
a intimidade desta amizade:
No início de
1972, A. A. Assis e Aristeu Brandespin visitaram Joubert em seu apartamento em
Copacabana e viram na estante do compositor um busto dele, esculpido por um
artista amigo com intenção de que o busto fosse instalado em Uberaba, terra
natal do grande mestre. (…) A muito custo Assis e Brandespin convenceram-no a
permitir a vinda do busto para Maringá, alegando que aqui a homenagem seria
mais significativa, uma vez que a cidade estava ligada a ele, espiritualmente.
O prefeito da época, Adriano Valente, entusiasmou-se coma idéia e tomou todas
as providências necessárias. E em setembro de 1972 Joubert veio mais uma vez a
Maringá para a inauguração do busto na rua que tem o seu nome, no trecho em que
atravessa a Praça Raposo Tavares (TRADIÇÃO, 1989, p. 28 - 29).
O busto de
Joubert de Carvalho ainda está no mesmo lugar aonde foi inaugurado, na Praça
Raposo Tavares, onde hoje é bastante movimentada por pessoas comuns. No
entanto, poucas sabem sequer quem é o homenageado e qual a sua importância na
história da cidade. Isso, talvez, prova a falta de informação e de interesse da
comunidade em saber a história da cidade em que vivem.
Neste momento,
o que se pretende é contextualizar a lenda Maria do Ingá no contexto da
Folkcomunicação. Para tanto, é necessário compreender primeiramente o que é uma
lenda e como ela se constitui. De acordo com Cascudo (1978), a lenda é objeto
do folclore, uma narrativa popular, fruto da imaginação de quem a criou e que
passa de geração para geração, onde um povo, por meio das suas lendas, conta a
sua história. O autor afirma que o folclore afasta da contemporaneidade;
falta-lhe tempo, ou seja, vem sendo contado ou vivido por meio dos tempos. Para
Brandão (2006), o folclore é sempre uma fala, uma linguagem que o uso torna
coletiva.
Em lendas, seu
personagem principal pode ser uma pessoa, seres sobrenaturais, e outros
elementos, pois para a imaginação não há limites, e como todo tipo de folclore
é pessoal. Isso significa, que o criador é anônimo, não existe registro do
autor e data, também não pode ser comprovada cientificamente, no entanto, “a
sua reprodução ao longo do tempo tende a ser coletivizada, e a autoria cai no
chamado ‘domínio público’” (BRANDÃO, 2006, p. 34).
No caso
específico da lenda Maria do Ingá, a personagem é uma pessoa, uma moça muito
bonita, de acordo com Arruda e Bertola (1998), Guercio (1972), Hilário (1995,
1997) e Sanches (2002). Não há registro do autor da lenda, como é
característico dos elementos folclóricos. Existe apenas a identificação da
cidade de onde a cabocla saiu, Ingá, no estado da Paraíba. Já no caso da música
“Maringá”, de Joubert de Carvalho, existe o registro do compositor, data e até
na letra informações como a contextualização da época, condições climáticas da
região especificada, o Nordeste. Brandão (2006, p. 34), explica que as músicas
eruditas e populares “eternizam o nome de seus autores e o que ‘todo mundo
canta’ é de alguém que ‘todo mundo sabe’”. O autor explica que, “[...] ainda
que durante algum tempo os autores possam ser conhecidos [...] como o tempo e a
memória oral, que é o caminho por onde flui o saber do folclore, esqueceu
teorias modificou elementos de origens e retraduziu tudo com um conhecimento
coletivo popular” (BRANDÃO, 2006, p. 34).
Um fato
interessante na lenda Maria do Ingá é que a sua origem é de muito longe da
cidade de Maringá. Vem do nordeste brasileiro onde aqui ganhou popularidade por
meio de seus imigrantes que ajudaram a construir a nova cidade que surgia na
época, e até a inspiração para o nome da mesma. Isso aconteceu devido ao fato
da música ter se destacado em território nacional, além de já ter virado um
produto comercial. De acordo com Guercio (1972), na época em que os imigrantes
nordestinos derrubavam as matas para construir a nova cidade, a música
“Maringá” já era cantada em todo território nacional. Brandão (2006, p. 45, 46)
explica que um objeto folclórico passa de “boca em boca, de mão em mão” por
ser, consensualmente, aceito pela coletividade, e determinados tipos de produto
cultural interessa a indústria por seu valor comercial.
A lenda Maria
do Ingá se relaciona com a Folkcomunicação, especialmente, por ser um objeto do
folclore e, por isso, também da própria teoria. Por meio desta lenda, que teve
sua origem numa classe popular, entre os sertanejos nordestinos, houve uma
interação com a classe média, pois Joubert de Carvalho foi um letrado médico, e
com a comunicação de massa, quando a lenda foi contada nos versos da música
“Maringá”, sendo gravada e ganhando espaço em várias mídias como rádio,
televisão, jornais e revistas.
A lenda serve
de veículo informativo da classe popular, para a classe erudita e, finalmente,
para os meios de comunicação de massa. Por meio da lenda e de versos da música
é possível saber como viviam os sertanejos castigados pela seca “(...) mas
veio a seca, toda chuva foi-se embora (...)”. Esta é uma característica
dinâmica à qual Megale (2003) afirma que por meio da oralidade é possível
saber, entre outras coisas, como viviam os antepassados.
Outro fato
interessante da lenda é como a cabocla Maria do Ingá deixa a música e começa a
fazer parte do imaginário de muitas pessoas da comunidade que acreditam que a figura
fictícia da música e da lenda realmente existiu. Lopes (1990, p. 55) afirma que
as manifestações da cultura popular e do folclore, são determinadas não pela
sua origem, e sim, por suas práticas.
Teoricamente é
difícil afirmar quando a intersecção do imaginário com o real acontece, em que
momento da história a personagem adquire ares de realidade dentro da cabeça das
pessoas que acreditam que Maria do Ingá de fato existiu. Talvez a parte poética
e lírica da lenda e da música seja a fronteira do imaginário com o real. Isso
porque é difícil de as pessoas aceitarem que alguém, Joubert de Carvalho,
criasse uma música baseada numa lenda. Quando existe a interpenetração do
imaginário com o real, as ações dos indivíduos acabam se pautando em cima da
crença que as cercam.
A personagem
da lenda, a cabocla Maria do Ingá, de fato não existiu. Mas existiu e existe
dentro da cabeça de muitas pessoas, é uma existência imaginária. E este tipo de
existência é a parte mais importante da epopéia que envolve a história da origem
do nome da cidade.
Assim, pode-se
entender como a lenda Maria do Ingá funciona como parte do folclore e
Folkcomunicação. Desta forma foi possível entender que qualquer manifestação da
cultura popular não serve apenas para contar histórias, seu sentido é mais
amplo e profundo, pois abrange a cultura e identidade de um povo, formas e
veículos de comunicação destes, e como tudo isso pode influenciar a vida e a
história de quem está direta ou indiretamente ligada a tudo isso. A lenda Maria
do Ingá está inserida indiretamente na história e no nome da cidade de Maringá.
Pesquisar a origem da lenda e da música permitiu entender que, por meio deste
intercâmbio de informações existe a própria história de um povo e não apenas a
sobrevivência do passado.
O objetivo
deste estudo foi descrever como a lenda Maria do Ingá faz parte da história da
cidade de Maringá como memória no imaginário do maringaense, uma vez que a
lenda se caracteriza como objeto do folclore, em consequência disso, torna-se
um meio folkcomunicativo.
A pesquisa
deste tema permitiu aprofundar o conhecimento em Folkcomunicação e folclore,
áreas que são, muitas vezes, consideradas marginalizadas. Isso porque, além de
tudo se originar de uma lenda que não faz parte do contexto local, o fato de se
basear num objeto folclórico, muitos consideram que por esta razão não tem
importância nas suas vidas.
De fato,
conhecer a origem do nome da cidade em que se vive, pode não mudar a vida de
ninguém, mas levar uma questão como esta em consideração, permite que um povo
crie identidade ou um vínculo com o lugar onde se vive.
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Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com