Por Raul Meneleu Mascarenhas
Francisco Meneleu dos Santos
Há algum tempo recebi a inesperada visita de um elegante senhor de 93 anos que veio deixar-me exemplares de seu livro “Coisa Julgada e Cartas de Amigos” [Editora Queima-Bucha, Mossoró, 2006], para enriquecimento das bibliotecas comunitárias que fundei ou ajudo a manter em alguns municípios do Rio Grande do Norte. Seu nome, Francisco Meneleu dos Santos, um dos outros nomes da elegância e da distinção.
Apoiava-se, o meu visitante, numa elegante bengala de castão de ouro, por sua raridade, um objeto de colecionador. Gráfico aposentado e anistiado político, chegou na companhia de Misherlany Gouthier, organizador do seu livro, aliás, muito bem editado, ressalte-se. Conversamos durante um bom quarto de hora sem desconfiarmos que essa seria sua última visita a Mossoró, terra a que se ligava por um sentimento profundo.
Em meio à paz do Boa Vista, bairro que me recebeu de braços abertos, Meneleu discorreu com bom humor e desenvoltura sobre a história política do Rio Grande do Norte, evocou com simpatia velhas figuras de Mossoró que lhe ficaram gravadas na memória alerta e hospitaleira. Surpreendeu-se com o fato de termos alguns amigos em comum, como a grande memorialista Zenaide Almeida Costa, entre outros, e concordou em conceder-me depoimento para o livro que estou escrevendo sobre a cidade de sua juventude laboriosa.
Francisco Meneleu dos Santos
Bem vestido, os sapatos engraxados com esmero, fazia-se acompanhar por seu motorista, que permaneceu calado e atento, ao seu lado, enquanto saboreávamos reminiscências e cafezinhos, num fim de tarde, em minha casa, sob a vigilância de Daiane, com quem, parece-me, simpatizou, pois em um dado momento pousou sua mão comprida e bem cuidada sobre a seda do seu pelo, fazendo-a ronronar de satisfação – logo ela que se mostra sempre tão inamistosa ou desconfiada com desconhecidos.
Sua confiante recepção logo me fez ver que o meu visitante era um cavalheiro de boa índole. Não me pareceu em nenhum momento esfalfado pela velhice, mas jovial e em boas relações com a vida. Não se mostrou mesquinho nem ranzinza, como habitualmente se mostram os velhos que odeiam nos outros a mocidade e as benesses que proporciona.
Sua morte inesperada, pelo menos para mim que lhe gabei a boa disposição, empobrece o gênero humano, especialmente porque homens como Meneleu – dói-me admiti-lo! – são cada vez mais raros. Tão mais raros do que cisnes negros.
A raridade que os faz, no entanto, tão especiais e dignos da nossa memória.
Franklin Jorge, escritor e jornalista, nasceu em Ceará-Mirim - Rio Grande do Norte, em 1952
MEMÓRIAS DE UM SOBREVIVENTE
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