Por Marco Antonio Villa é historiador
É uma enorme
hipocrisia dar ao grande capital, ao ‘mercado’, o protagonismo neste momento
tão crucial da vida brasileira
A Praça dos
Três Poderes conspiram abertamente contra a Lava-Jato.Teme que a República seja
abalada. Apurar até o fim as acusações de corrupção colocaria em risco a
estabilidade política. Sim, para os donos do poder — e não é uma simples imagem
linguística — a punição dos grandes empresários, de políticos e seus asseclas
não faz bem à democracia. Para eles, tudo tem de continuar como está. A
Lava-Jato teria ido longe demais.
No Congresso,
as principais lideranças preparam a aprovação de um projeto de lei anistiando o
caixa dois. Argumentam que todos os partidos políticos tiveram de se adequar à
realidade, a da violação da lei. Seria o único meio de fazer uma campanha
eleitoral. Não receberam o dinheiro para usufruto pessoal — o caixa três. Não.
Todos os recursos foram aplicados nas campanhas. Segundo eles, as contribuições
ilícitas seriam lícitas. Neste curioso jogo de palavras não há propina, desvio
de recursos públicos ou sobre preço no pagamento de obras ou mercadorias por
parte do poder público ou de suas empresas ou bancos. Mas, simplesmente, a
inexistência de registro contábil de recebimento de apoio financeiro.
Se for
aprovada a anistia do caixa dois, o Congresso vai concluir sua rec ente obra de
legalizar a ilegalidade, que inclui a Lei de Leniência e a da repatriação de
capitais. É o elogio ao crime, que, no Brasil, compensa. E, pior, com o
objetivo de salvar dezenas de políticos de processos-crimes, acabará
desmoralizando a ação da Justiça, impedindo o devido saneamento da vida
pública.
Nesta
conspiração antirrepublicana, que preserva o status quo, o grande capital especulativo
e espoliador joga importante papel. Foi parceiro durante 13 anos do PT. Nada
fez pelo impeachment. Silenciou quando das revelações dos escândalos.
Participou do saque. Obteve lucros fabulosos. Glorificou Lula durante anos. E,
agora, tenta esconder seus interesses — nada republicanos — sob a alcunha de
“mercado.” É uma enorme hipocrisia dar ao grande capital, ao “mercado”, o protagonismo
neste momento tão crucial da vida brasileira.
A elite
político-econômica tem nas cortes superiores de Brasília aliados poderosos. A
maioria dos ministros deseja limitar a ação da Lava-Jato. Creem que ela foi
longe demais. Invocam preceitos jurídicos como cortina de fumaça. São tão
farsantes como as lideranças políticas do Congresso. A única diferença é o uso
da toga. Desejam deixar tudo como está. Afinal, são partícipes entusiastas
desta República bufa.
Nos últimos
dias, o desespero da Praça dos Três Poderes aumentou de intensidade. A
proximidade da delação premiada de 75 diretores, altos funcionários e dos proprietários
da Odebrecht intensificou as articulações. Temem que seja m atingidos em larga
escala — como serão. Tudo indica que o Brasil não será o mesmo após as
homologações das delações. Devem atingir todo o espectro político de Brasília.
E com efeitos incalculáveis.
Daí a operação
para conter seus efeitos. Buscam edificar às pressas um arcabouço legal. É uma
luta de desesperados. A Lava-Jato não vai interromper sua ação. Necessitam
desmoralizá-la. Tentaram. Não conseguiram. Resta a chicana jurídica, o apoio
das Cortes nada superiores de Brasília e a busca de apoio na sociedade
apontando o perigo de colocar em risco a recuperação econômica.
É difícil
encontrar outro momento na história republicana brasileira tão propício co mo o
que vivemos para enfrentar — e vencer — a estrutura corrupta que tomou conta do
país. A Constituição de 1988 concedeu os instrumentos para o exercício da
cidadania. E que nestes últimos anos estão sendo exercidos. Quando os direitos
eram somente para inglês ver, não havia problema algum. Tudo mudou quando foram
exercidos na sua plenitude.
As grandes
mobilizações dos últimos dois anos, a presença ativa das redes sociais, a
auto-organização da sociedade civil e a vitoriosa luta pelo impeachment de
Dilma Rousseff deixaram os donos de poder em situação difícil. Não podem mais
decidir entre quatro paredes como gerir e dominar o nosso país, como fizeram
durante décadas.1
O novo Brasil
que está nascendo encontra na República carcomida o seu maior adversário. É
necessário destruí-la para poder edificar o pleno estado democrático de
direito. Esta é a contradição principal — e antagônica. Não há qualquer
possibilidade de encontrar uma conciliação entre democracia e corrupção. O
velho jeitinho congressual-jurídico não conta mais com a complacência popular.
A corrupção
está de tal forma entranhada na estrutura republicana que impossibilita o
sistema de se autorreformar. Afinal, a corrupção é um sistema que contempla
múltiplos interesses. Se fosse apenas um negócio entre corruptor e corrupto,
poderia ser de fácil solução. E aí mora o nó górdio a ser desatado. Ao
enfrentá-la, os moralizadores da República vão ter de travar combates com poderosos
inimigos s espalhados tanto na estrutura de Estado, como fora dela. A
socialização da corrupção deu a ela um enorme poder de resistência.
Coincidentemente,
o ápice da Lava-Jato deve ocorrer próximo à data magna da República, o 15 de
novembro. Nunca estivemos tão perto de proclamá-la. Afinal, o marechal Deodoro
da Fonseca simplesmente anunciou, naquela sexta-feira, logo pela manhã, a
mudança do regime. A hora é agora. E é possível. Se perdermos esta
oportunidade, dificilmente teremos outro momento tão propício para colocar em
prática o sonho dos republicanos históricos como Silva Jardim e Saldanha
Marinho.
Marco Antonio
Villa é historiador
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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