*Rangel Alves da Costa
Pra quem não sabe o que seja, vou logo dizendo o que é estripulia. Nada mais que travessura, desordem, traquinagem, peraltice. Daí que o presente escrito também poderia se chamar de livro das peraltices ou das traquinagens. Ou ainda: as travessuras atravessadas num mundo pelo avesso.
E livro porque relatos contidos nas páginas do dia a dia, nos cotidianos e aventuras de crianças e adultos. Não há uma só pessoa que algum dia não tenha praticado uma estripulia, feito uma traquinagem, enveredado em travessuras. Mais presentes nas fases das criancices e adolescências, mas também constantes até em pessoas já envelhecidas.
Cheio de estripulia assim como um primo meu. Caçador de passarinhos, eis que recebeu uma encomenda de um azulão bonito, cantador, com penas bem azuladas, e para ser entregue dentro de uma semana. Dizendo que seria fácil demais, combinou o dia e hora da entrega. Só que a coisa não foi ficando fácil como lhe parecia.
Já próximo a chegar o dia do repasse do azulão bem azulado e cantador, e nada de encontrar o passarinho na medida. Sequer um azulão desazulado conseguia encontrar. Virava de canto a outro com arapuca na mão e nada de tocaiagem. Quase não dormiu na noite anterior ao compromisso. Revirou e desvirou, até que se viu com uma solução na cabeça. Ao levantar cedinho, logo começou a colocar o plano em ação.
Conseguiu tudo fazer conforme o planejado, e de repente já estava com o azulão bem azulado na gaiola. Ao meio-dia fez a entrega e recebeu o dinheiro. Mas como ele conseguiu? Agora conto. Sem ter conseguido o pássaro original, catou um pardal e tacou-lhe tinta azul de caneta. O bichinho ficou num azulado tão grande que chegava a brilhar, e sem que a tinta se desprendesse das penas. Mas uma semana depois foi desagradavelmente surpreendido.
Com efeito, o comprador tapeado bateu à sua porta com um pássaro à mão e perguntando o porquê de o azulão bem azulado ter se transformado em pardal pardacento. Assustado com a descoberta e principalmente com a batida do enganado à sua porta, o espertalhão só encontrou essa para se sair: Mas você está é brincando comigo. Leva um azulão azulado e me chega reclamando com outro passarinho na mão. E você sabe que passarinho é esse aí? Um curió, dos bons.
Ao ouvir a palavra curió, um pássaro famoso e desejado pelo canto maravilhoso que possui e, por isso mesmo, sempre muito caro, o enganado se enganou ainda mais. E logo se imaginou com uma verdadeira fortuna. Então não quis nem mais falar no azulão desazulado, arrumando desculpa para ir embora, de modo que o espertalhão não desejasse o passarinho de volta. E saiu numa correria só. Olhava para o bichinho e pedia que cantasse. Mas pardal não canta.
Outro cabra cheio de estripulia foi o coiteiro Torquato. Toda vez que a volante chegava à sua procura pra forçá-lo a dizer onde estava escondido o bando de Lampião, era melhor nem ter ido. A força policial sempre saía no prejuízo, senão corrida com rabo entre as pernas, como se dizia por lá. Certa feita, o coiteiro estava sentado na malhada quando mais de vinte policiais surgiram repentinamente de dentro da mata. Estava pinicando fumo para um cigarro de palha e assim continuou, sem ao menos se incomodar com a presença de tantas armas em sua direção.
Assim que o chefe da guarnição fez menção em falar, o coiteiro rapidamente levou o dedo à boca, como se pedisse silêncio, e com um dedo da outra mão apontando numa direção. Então, ciente de sinal, a volante saiu em disparada para o local indicado, entrando na caatinga e sumindo. Logicamente sem saber que havia sido enganada. E como enganada foi quando o coiteiro espalhou na região que o bando de Lampião ao invés de se esconder agora estava caçando a volante, com a cangaceirada doida pra comer no dente cada samango que encontrasse. E mais de cem homens caçando a polícia por todo lugar. Ao saber dessa história, e sabendo que os seus vinte e poucos homens não dariam cobro à cangaceirada, o comandante abriu a porteira e deu o salve-se quem puder. E foi uma correria de soldado que chega a poeira subia.
Menino dá nó em cadarço de sapato de quem adormece pelas calçadas e depois, de longe, joga pedra para acordar, todo mundo sabe disso. Quando acorda assustado e logo vai levantar para saber do acontecido, o cabra tropeça nas próprias pernas e se estrebucha no chão. E lá longe o menino se acaba de tanto rir. Mas depois silencia e vai em busca do quintal mais próximo. Depois de pular a cerca, cuidadosamente começa a subir em goiabeira, em mamoeiro, em jabuticabeira. Certa feita, estando lá em cima, de repente avistou embaixo a dona do quintal já de vassoura à mão. Bastava descer e tomar umas vassouradas. Então escolheu o mamão mais maduro e arremessou lá de cima.
Depois desceu e saiu avoando. Enquanto pulava de canto a outro, a velha senhora tentava se limpar da papa de mamão por cima de tudo.
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