Material do acervo do pesquisador Antonio Corrêa Sobrinho
Imagem de Silvino Jacques, utilizada pelo Jornal para ilustrar a matéria
TROUXE ao
grupo, poucos dias atrás, esta matéria de “O GLOBO”, a respeito do famoso
bandoleiro sulista, que terrorizou as populações pantaneiras do Mato Grosso,
nos anos inciais do século passado, JACQUES SILVINO, propositadamente sem
nenhuma observação ou esclarecimento de minha parte, para sentir, pela
indiferença ou não ao referido texto por parte dos amigos, o quanto ou nada
sabemos deste facínora gaúcha, militar de carreira que se transformou num
bandido de marca maior, que, segundo consta, construiu uma história de crimes
tal qual a de Virgulino Ferreira (Lampião), Antônio Silvino, Lucas da Feira,
Jesuíno Brilhante e outros famosos bandoleiros nordestinos.
O que faltou
em SILVINO JACQUES que sobrou em Lampião?
Intérpretes,
tradutores, biógrafos?
Ou um Nordeste
pródigo de talentos, na arte de escrever e contar suas histórias, de dizer das
angústias e sofrimentos do seu povo? Porque não é todo mundo que tem um José
Lins do Rego, uma Raquel de Queiroz, um Graciliano Ramos, um Ariano Suassuana;
pesquisadores profundos e persistentes como um Frederico Maciel, um Antonio
Amaury Corrêa, um Frederico Pernambucano, um Juarez Conrado; da nova geração,
um João de Souza Lima, um Sérgio Dantas, dentre outros notáveis, sem mencionar
os grandes cantadores, como um Luiz Gonzaga, um Alceu Valença, além de um monte
de artistas, poetas populares, repentistas, cordelistas, a exemplo de um Manuel
d’ Almeida Filho, um João Firmino Cabral, um João Melchiades Ferreira, um
Patativa do Assaré.
Ou, quem sabe, um interesse dos sulistas, pelas vias de sua poderosa imprensa,
de, veladamente, discriminar o povo nordestino, especialmente os das zonas
sertanejas, estigmatizando-o como uma gente violenta, criminosa, portanto, um
tipo menor, inferior?
Ou mesmo uma certa necessidade do nordestino de fazer a sua violência e de seus
extremismos (cangaço, messianismo) como resposta às injustiças sociais
secularmente sofridas, ou seja, a violência como inescapável de justiça do
pobre e do oprimido?
É um caso pra
estudo, não?
SILVINO
JACQUES, O ÚLTIMO DOS GRANDES BANDOLEIROS.
TOMBA O TERROR
DOS SERTÕES DE MATO GROSSO!
ENCONTRADO O
CADÁVER DE SILVINO JACQUES, ESTENDIDO NUMA REDE E COM O TÓRAX ATRAVESSADO POR
TRÊS BALAS
Uma
metralhadora entre as armas do facínora – Tentam internar-se no Paraguai os
remanescentes do bando terrível.
CUIABÁ 26 (M)
– O pelotão de cavalaria da Força Pública do Estado, organizado para dar
combate ao bandoleiro Silvino Jacques, travou combate no dia 19 do corrente com
os bandidos, na região de Triunfo, entre os municípios de Murtinho e Bela
Vista. Do combate, resultou saírem feridos vários elementos do bando, inclusive
Silvino Jacques. Agora, procedendo a reconhecimento no local do combate, a
polícia encontrou morto o próprio Silvino. O cadáver do conhecido facínora
estava estendido em uma rede, coberto com um puitã. O delegado especial do Sul,
encarregado da campanha contra o banditismo na fronteira, mandou reconhecer o
cadáver e lavrar o competente auto, tendo constatado que Silvino recebeu três
tiros mortais na região do tórax. A polícia apreendeu uma metralhadora
piripipi, vários mosquetões e (...)
ATÉ BALAS
DUNDUM USAVA SILVINO JACQUES
O FAMOSO
BANDOLEIRO PREPARAVA SEUS ASSECLAS PARA VERDADEIRAS BATALHAS
Reação organizada
pelo Exército – A tática do general José Pessoa vitoriosa com a morte da fera
humana – O GLOBO ouve o ilustre militar – Prisão do pai e da esposa do “rei do
cangaço” no Oeste
Filho de um açougueiro radicado em Aquidauana, Silvino Jacques conseguiu celebrizar-se
por uma macabra campanha de crime, rapina e degradação, depois de lhe terem
sido oferecidos os meios de se tornar útil à humanidade, de se mirar no espelho
da bravura e dos grandes exemplos de que o Exército do Brasil é fértil, fazendo
um curso na Escola de Sargentos, nesta capital. Seria tarefa das mais difíceis
conseguir explicar, à luz da psicologia, a transformação sofrida pelo espírito
desse homem, que teve um são princípio e se transformou em poucos anos no alvo
de populações inermes, no salteador covarde que atacava à noite as fazendas sem
defesa, no bandido que atassalhava a honra das famílias, como um vulgaríssimo
ladrão de mulheres, na personalidade, enfim, do criminoso completo, que não via
obstáculos à consecução dos seus macabros desígnios.
Durante mais de uma década, o sertão de Mato Grosso viveu em estado de
permanente alarme, de receio continuado, dessa personagem sem entranhas, desse
homem sem o menor sentimento de humanidade. Regiões inteiras, no raio de muitas
léguas, viveram dias e noites de permanente pânico, à espera do ataque noturno
do bandido.
Silvino Jacques está morto. Foi, finalmente, vencido no seu próprio reduto,
depois de mais de dez anos de luta permanente, de fugas, pontilhando de sangue
rubro os caminhos da sua passagem.
A CAMPANHA DA
DERROTA
Silvino
Jacques teve duas grandes campanhas, em toda a sua longa vida de bandoleiro:
uma de vitórias e outra de derrotas. Agora, acaba de sucumbir à segunda,
iniciada há apenas, alguns meses. Foi, porém, vencido pelo inimigo que sempre
temeu e de que fugiu durante toda a vida: o Exército.
Acuado no pantanal, já reduzido o afetivo dos seus sequazes a dezesseis homens,
não teve como resistir à patrulha que o perseguia e esperava na serra, como a
retirada fechada pela enchente do rio Paraguai, a impedir-lhe a passagem para a
fronteira e a liberdade em país estrangeiro.
O INÍCIO DA
CAMPANHA
A campanha
contra Silvino Jacques iniciou-se, virtualmente, com a nomeação do general José
Pessoa para o comando da 9ª Região Militar. Conhecedor profundo da situação de
pânico da população do Estado, com as populações permanentemente ameaçadas pelo
flagelo, os lares atacados, as famílias inseguras, o comandante da região,
estabeleceu um programa de ação. E o Exército sob o seu comando entraria, na paz,
num serviço de guerra sem tréguas aos perturbadores da segurança pública.
QUEM FOI SILVINO JACQUES
O público ainda deve estar lembrando das primeiras notícias aparecidas na
imprensa sobre Silvino Jacques. Àquela época, seguido de numeroso séquito de bandidos
ele desafiava as autoridades de Mato Grosso, semeando o pânico em quase todo o
Estado, principalmente na zona sul, onde tiveram início as suas tropelias.
Fizeram-se, então, paralelos entre ele e Lampião, que continuava no Nordeste o
seu reinado de terror. Silvino resultara pior e mais brutal nesse cotejo. Não
havia a seu favor nem a simpática explicação dada aos cangaceiros do Nordeste –
de Cabeleiro lino – de serem vítimas de uma injustiça obrigados, pela
perseguição da politicagem, à vida errante e criminosa. Enquanto no Nordeste o
cancioneiro popular revelando virtudes que descobriam nos “fora da lei”, os
celebrava, Silvino que se fizera bandido simplesmente pela maldade de suas
ambições sanguinárias ficava desconhecido e ignorado a esta simpática mestiça.
Os cantadores não o celebraram nunca, apesar de ele mesmo, admirador de todos
os versos caboclos em que “Lampião” era exaltado nas suas façanhas tremendas,
ter procurado a lira sertaneja para celebrar as suas proezas. Era repelido de
todos. O seu nome só infundia pavor. Fazendas, sítios e cidades, à proporção
que aumentava a sua malta e maior se fazia o seu atrevimento, sofreram os
saques covardes e desalmados do bando que dirigia e para o qual propriedade,
honra e velhice nada valiam. Para “Lampião” havia a hipótese de que fazia a
justiça dos fracos. A favor de Silvino Jacques nunca se levantou uma palavra de
defesa. Ele era simplesmente bandido, matando, saqueando, destruindo. Atrás de
seus passos ficavam os gritos de suas vítimas apelando para o Governo no
sentido de que fosse perseguido o bandido. A campanha começa, depois de alguns
meses de suas razias. Silvino Jacques já estava, então, suficientemente armado
e audacioso, não rareando, assim, enfrentar as forças policiais. Estas pareciam
impotentes contra ele. O Exército, porém, foi chamado para destroçar o grupo
sinistro. Tropas federais caíram-lhe no encalço. Algum tempo depois Silvino
Jacques se viu atirado nos pântanos de Mato Grosso. Dia a dia apertava-se o
cerco. Já faltavam armas e munições, além de víveres, ao grupo de bandoleiros,
reduzido, também, em número. Praticamente se de desfizera, restando-lhe,
apenas, a fuga para o Paraguai. O Exército a esta altura retirou-se deixando às
forças do estado o fim da campanha. O telegrama que acabamos de receber de
Cuiabá nos diz da atividade da polícia mato-grossense. Na última luta travada
com os bandidos Silvino Jacques foi ferido e morto. Desaparecera, assim, odiado
por todos, o bandido. Ao contrário do que ele quis, não há versos que lembrem a
brutalidade dos seus instintos selvagens, os seus grosseiros desejos de fera.
DESARMAMENTO
GERAL
De início, o
comandante da 9ª Região Militar estabeleceu um programa; era necessário
desarmar completamente as populações civis, que, desde 1922, eram servidas de
armas do próprio exército. Nas fazendas e residências particulares existiam
armamentos para várias divisões de infantaria. E o pior é que esse mesmo
armamento servia como garantia dos coiteiros do grande bandido, políticos que
dele se utilizavam para as suas negregadas campanhas de morticínios.
A princípio, foram desarmadas as populações urbanas. Depois, uma proclamação
feita em termos os mais veementes, assinada pelo general Pessoa, foi
distribuída por todo o território do Estado. Houve, como era de se esperar, as
primeiras relutâncias. A ordem, porém, partiu fulminante. “Se necessário fosse,
seria empregada a força em apoio do direito”. E os oficiais, sob o comando do
general, em pouco regressavam à sede da Região com os caminhões carregados de
armas de todos os tipos; munição a mais variada, pois até balas dum-dum foram
apreendidas nas casas dos coiteiros do bandoleiro. E centenas de metralhadoras,
fuzis-metralhadoras, fuzis, pistolas, revolveres, tudo aos milhares, não sendo
recambiado de Mato Grosso para esta capital, numa demonstração viva da seção
vigilante do Exército no grande Estado.
DESMORALIZAÇÃO
DO BANDIDO
Iniciava-se,
assim, a campanha contra o bandido. Os seus amigos, todos influentes, iam sendo
desmoralizados, porque a força, mantida durante anos inteiros à custa de um
armamento eficiente, lhe desaparecia das mãos.
Silvino não encontrava mais, nas fazendas dos seus coiteiros, as armas e os
homens de que carecia para as suas campanhas de destruição. Nos seus avanços
contra os povoados, já não contava mais com o apoio eficiente que sempre lhe
facilitava a organização das batalhas que travava com as populações indefesas.
O seu quartel Federal em Bonito, no sul do Estado, ia-se esvaziando.
Desmoralizava-se aos olhos do povo, que sempre o temeu.
PRESO ATÉ O
PAI
Num dos
últimos embates, as forças comandadas em pessoa pelo general que dirigia a
campanha conseguiam uma das mais expressivas vitórias. Foram presos mais de
trinta bandoleiros e, entre eles, o próprio pai do salteador. Nessa ocasião,
foram presas as duas mulheres que acompanhava o bando: as esposas de Silvino e
do seu ajudante de campo, um antigo oficial paraguaio, expulso do Exército
daquele país, que se filiara ao bando. Com elas, mais três jovens, sequestradas
pelos bandoleiros em ataques a localidades do sul. (...) Ficou reduzido a
apenas dezessete acompanhantes, número irrisório a que se limitava o seu
séquito de criminosos.
A DERROCADA
Ao mesmo tempo
que os combates se travavam e o bandido perdia terreno, uma nova obra
iniciava-se entre as populações até então descrestes e desesperançadas do
sucesso das armas federais.
Estavam habituados os civis a assistir cenas dolorosas de barbaria, ante a
impossibilidade em que se encontrava a polícia estadual de combater
eficientemente o banditismo. Viam os civis, todos os anos, chegar o bando nos
últimos meses e entrar a assaltar, trucidar, matar covardemente homens
indefesos, roubar o gado, o dinheiro, os cavalos e as mulheres, para
internar-se, depois, no Paraguai e na Bolívia, para gozar, o resto do ano, a impunidade
em que sempre viviam, acobertados pela falta de policiamento eficiente, dos
sertões do sul.
Agora, a situação transformava-se. O desafogo que a segurança permitia
apoderava-se de todos. Os povoados já sentiam os movimentos livres para o
trabalho útil e o reconhecimento à obra magnifica do general José Pessoa já se
fazia sentir.
Em Bonito, por assim dizer o quartel general do bandoleiro, a população
reconhecida junta-se ao contingente do Exército, no afã de auxiliar a tropa no
seu trabalho civilizador. À noite, o policiamento da vila era feito pelos
próprios moradores. No campo de aviação que o general ali resolvera estabelecer
já trabalhavam os civis, que desejavam demonstrar o seu reconhecimento pela
obra do comandante da Região. E ao inaugurar-se o campo, foi batizado com o seu
nome.
BANDIDO
ESTRATÉGICO...
Na figura
terrível desse malfeitor que tombou varado pelas balas da lei, há traços
singulares. Se uma comparação errada foi feita a seu respeito, esta será a de
“Lampião” do Mato Grosso. Silvino Jacques era outra espécie de homem, outra
espécie de bandido, outra espécie de aventureiro. Só havia um ponto de contato
entre ele e aquele que o antecedeu ao túmulo: - a perversidade. Aí, o páreo
realmente seria difícil. No mais pareciam-se tanto como a água e o azeite.
Enquanto o bandoleiro das caatingas do Nordeste se protegia pelas defesas
naturais da região em que vivia, onde o ataque se tornava quase impossível,
Silvino Jacques se revelou, durante os anos trágicos em que escreveu sua página
de sangue nos sertões de Mato Grosso, um estratégico. Pode-se lhe negar tudo,
menos essa qualidade. Sargento do Exército, aprendera a arte das guerrilhas e
de pouco em pouco, de aldeia em aldeia, pulando daqui para ali, sabia como se
livrar do cerco.
LEGIÕES DE
GADO
Seus ataques
às fazendas e aos povoados não era obra improvisada em minutos. Estudava os
detalhes, distribuía os seus homens, avaliava os riscos e as probabilidades de
fracasso. Só então se lançava como uma onça sobre os infelizes habitantes.
Nesses momentos, mudava completamente. Seus olhos, que em outras ocasiões eram
olhos ternos como de um carneiro, segundo relatam aqueles que com ele
conviveram, se transformavam em olhos ferozes.
Era um homem sedento de sangue, uma besta humana. Nem “Lampião” talvez o
ultrapasse na explosão desses instintos horrorosos.
Acabada a luta, terminadas as execuções, voltava a ser o sujeito prático, que
matava por prazer e ambições. E atrás dele, na retirada, seguiam legiões de
gado.
SENHOR DE TODA
UMA CIDADE
O apogeu da
fama, Silvino Jacques reconheceu na cidade do Peixe, em Mato Grosso. Invadindo
essa localidade, o bandido dominou-a inteiramente durante dois meses, só
abandonando pelo seu espírito de itinerante, para ir buscar novos gados. Tinha
Silvino Jaques muito do famoso corsário Morgan, apenas sem a figura legendária
do pirata inglês. Não conseguiu a popularidade de “Lampião”, e este devia ser
seu maior tormento. Dizem que lia avidamente, desde a sua infância no Rio
Grande do Sul, onde nasceu, até sua estada na Escola de Sargentos desta
capital, todos os livros de modinha sobre o rei do cangaço nordestino, pondo em
prática as suas barbaridades.
A estas horas, os dois devem estar comentando, no fogo eterno, as suas tétricas
façanhas...
Esperava o general a aproximação dos primeiros dias de maio para conseguir a
derrocada completa do bandido. As suas tropas já haviam conseguido, nos embates
anteriores, levar o inimigo de vencida até o Pantanal, onde o sitiavam.
Acompanhava a tropa um contingente da Polícia do Estado, já agora adestrada no
combate ao bandido.
Esperava-se o fenômeno climatérico das enchentes do rio Paraguai, que forçariam
a retirada do bandido. Restava a expectativa paciente e vigilante, para não
permitir uma retirada hábil de Silvino Jacques.
Essa expectativa coroou-se de êxito no dia 19, dentro das previsões do general,
que já se retirara para esta capital, mas que acompanhava, com o coração, o
movimento do contingente policial, que lá ficara, substituindo o grupo de
soldados do Exército, cujo desengajamento estaria próximo.
SATISFEITO
PELO POVO
Hoje, o
general José Pessoa recebeu, por intermédio do GLOBO, a informação que os
telegramas de Mato Grosso nos transmitiram. Silvino estava morto. Fora colhido
na armadilha que preparara cuidadosamente.
Sua Excelência com o olhar longe, pensando certamente no povo a que se habituou
a querer bem, teve uma expressão admirável:
- Sinto-me satisfeito, não pela morte desse bandido, mas pela liberdade que
afinal pode usufruir o povo de Mato Grosso. Desapareceu, a meu ver, o maior
flagelo daquela terra.
JORNAL “O
GLOBO” – 26.05.1939
Fonte:
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