Antonio Corrêa Sobrinho
NOS idos de 1937, Lampião ainda perambulava, segundo consta, e sem carreiras, diga-se de passagem, pelo sertão e agreste sergipanos, para não dizer por todas as partes do pequeno torrão brasileiro, região onde ele, ainda hoje, certamente por razões consideráveis, e que não entro no mérito, é mais atestado do que detestado; nestes idos, o Estado sob a batuta política do psiquiatra e capitão do Exército, doutor Eronides de Carvalho, filho do popular Antônio Caixeiro, este tido já à época como protetor de Lampião.
Lampião que morreria um ano depois, em 28.07.1938, como todos sabem.
Pois bem, este governador, por razões que não me pareceram justas, extinguiu a volante que ele próprio criara e patrocinara para fins de proteção a Antonio de Chiquinho, ou de Chiquinha, não sei, logo após este, auxiliado por amigos, um ano atrás, ter assassinado com tintas heroicas o temível cangaceiro José Baiano e três cabras que com ele estavam; criada esta volante civil, com o fito de também combater o banditismo na região.
Organizar, fardar, municiar e remunerar o homem que matou um dos mais perigosos cangaceiros das hostes de Virgulino Lampião, ou seja, protegê-lo dando-lhe poderes de polícia, penso eu, algo proposto pelo próprio Antonio de Chiquinho, era o mínimo que o Governo tinha que fazer e fez, em favor de quem tomou para si uma atribuição do Estado, e não do cidadão.
Daí para, estando Lampião e seus ferozes comparsas ainda vivos, vivíssimos à espreita de Antônio de Chiquinho, esperando tão somente uma oportunidade para vingar a morte do companheiro, rico cangaceiro, agiota e ferrador, o governo simplesmente desfazer o grupo de defesa, é muita irresponsabilidade, ainda que sob alegação de que os volantes de Chiquinho e ele inclusive andavam bêbados e causando problemas, o que foi por este veementemente contestado, mas, ainda que tenha isto sido fato, ao governo não foi dado desconhecer que viver às voltas com a bebida e praticar certas ilicitudes era muito próprio dos grupos volantes, e dos cangaceiros.
Realmente, o governo de Eronides, ao extinguir a volante de Alagadiço, não só deixou quem deu cabo de um dos principais lugares-tenentes de Lampião, à mercê da avidez deste implacável bandoleiro, como deu aos opositores do seu governo motivos de sobra para insinuações de que a bandidagem em Sergipe imperava sem combate.
Penso que esta decisão de Eronides de Carvalho, tomada em meio a críticas já recorrentes da oposição, de que seu governo fazia vistas grossas ao cangaço, teve, no meu entendimento, a ver com o fato dele, Eronides de Carvalho, andar nas graças e gozar da confiança plena do detentor do poder político maior, de Getúlio Vargas, e que, naquele período, penso, o ditador já havia lhe confidenciado que logo, logo criaria um Estado Novo, e que ele, Eronides de Carvalho, seria o seu ditador na terra-berço deste que agora traça estas sofridas linhas.
Leiam a matéria sensacionalista do Correio de Aracaju, de 04 de agosto de 1937, sobre o desfazimento da volante do povoado Alagadiço, de Frei Paulo, naquele tempo, São Paulo, isto um ano antes de o tenente João Bezerra ter comandado a morte de Lampião, para surpresa deste interventor, que, na ocasião, se encontrava repousando na Capital Federal, Rio de Janeiro, hospedado em hotel. Ficou sabendo, portanto, pelos jornalistas de um jornal carioca que lhe procuravam à cata de informações sobre a morte do facínora na terra sergipana, pela polícia alagoana. Segundo consta, uma foto do rei do cangaço estampada na página da gazeta que os repórteres traziam, Eronides afirmou, sem nenhum constrangimento, disse ter sido ele o autor da imagem, tirada que fora anos passados numa das fazendas do seu pai Antonio Caixeiro.
A VOLANTE DO ALAGADIÇO FOI DISPENSADA
ANTONIO DE CHIQUINHA E SEUS HEROICOS COMPANHEIROS DE FAÇANHA CONTRA JOSÉ BAIANO FORAM DESARMADOS! ...
ANTONIO DE CHIQUINHA E SEUS HEROICOS COMPANHEIROS DE FAÇANHA CONTRA JOSÉ BAIANO FORAM DESARMADOS! ...
A iniquidade que se acaba de praticar com Antonio de Chiquinha e seus bravos companheiros de façanha contra José Baiano e seu perigoso grupo, brada aos céus! Antônio e seus companheiros residem no povoado alagadiço onde vivem ilhados pelo banditismo que infesta a zona paulistana do Estado.
A vida desses sertanejos que se constituíram inimigos de Lampião e seus comparsas corre grave risco nessa hora que o governo toma suas armas. O senhor governador não se inculpará do que vir a acontecer no Alagadiço ou nas pessoas desses rapazes destemidos que puseram termo à existência cheia de perversidade de José Baiano e seu famigerado grupo.
Chamamos à atenção do Eronides de Carvalho, pedindo a sua Excelência que reflita no seu gesto precipitado, tomando as armas desses humildes e ordeiros cidadãos visados pelos façanhudos bandoleiros que intranquilizam o nosso Estado.
Não compreendemos a atitude de Sua Excelência. Lemos todos os dias na imprensa paga que em Sergipe se combate o banditismo com interesse e sem desfalecimentos, mas na realidade não é isso que se vê. O caso da volante de Alagadiço bem define a nossa situação.
Entoa, onde o estímulo para outras façanhas como a de Antônio de Chiquinha, citado até na mensagem de 1936? Quem imitará o gesto do denodado sertanejo, vendo que ele e seus companheiros foram abandonados e desarmados pelo poder público? Cabe ao doutor governador ponderar no seu ato para que ninguém tenha o direito de dizer que em Sergipe não se quer combater o banditismo.
Imagem de Antonio de Chiquinho extraída do blog do mendes mendes
Fonte: facebook
Página: Antonio Corrêa Sobrinho
Grupo: Lampião, Cangaço e Nordeste
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