20 de mar. de 2016

A VILA DOS CLEMENTES


A liberdade é conquistada através de sangue, suor e lágrima e nunca através de simulação legal.

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR

Preliminarmente é importante mencionar de que o termo quilombola é uma designação geral de todos os escravos refugiados e agregados em quilombos e ou lugar habitado e ou esconderijo dos descendentes de escravos de pele negra, valendo salientar de que seus antepassados na época histórica da escravidão brasileira fugiram sem destino, a procura de liberdade, dos engenhos de cana de açúcar, fazendas, sítios e ou pequenas propriedades onde viviam trabalhando e ou executando serviços diversificados braçais, motivo pelo qual resolveram fugir e formar e ou construir pequenos vilarejos denominados assim de quilombos. Em tese o lugar chamado de quilombo é lugar de se viver e pensar livre, sem amordaças de quaisquer espécies por parte dos capitães do mato em nome do patronato e ou proprietários de escravos, pois, os escravos eram marcados e ou ferrados como se ferram atualmente animais diversos, como por exemplo, gabo bovino, cavalos, burros, etc. O certo é que os escravos tinham donos e mercado negreiro certo, era mercadoria, algo parecido com o comércio de compra e venda de animais nas pequenas e grandes feiras pelo Brasil afora. O termo “cañybó”, do tupi-guarani, quer dizer ao pé da letra aquele que foge muito, o que é assim aplicado  ao escravo que fugia em busca da liberdade para viver com ou sem sua prole nas matas, virando selvagem¹.  
                   
Com o advento da Constituição Federal de 05 de outubro de 1988, os quilombolas, descendentes de escravos negros,  tem direito a propriedade de suas terras, assim sendo, poucos mais de dois mil quilombolas estão espalhados por todo o país. Muitos deles já não existem mais, é o caso da Comunidade Quilombola dos Clementes, gente descendente de escravos negros e residentes em grande parte em Santa Rita, em vila de igual nome, em terra que pertencia a Usina Santa Rita S/A., extinta nas duas últimas décadas do século XX. Essa gente não recebeu o direito de ficar na terra onde seus antepassados aqui chegaram há mais de duzentos anos. Praticamente a unidade grupal já não existe mais, apenas o sangue correndo nas veias de seus descendentes. Tal dissolução grupal foi iniciada quando o referido grupo foi transferido possivelmente da localidade de Socorro, onde viviam e inclusive existia um cemitério negreiro em vala comum, segundo depoimento informal da senhora Elza Clemente Rocha, “in memorian”, pois, seus pais eram descendentes de escravos e que assim como seus avós e bisavós, etc., ali residiram antes de serem transferidos para a Vila dos Clementes, na década de 30 do século XX. Na realidade os ascendentes e descendentes dos “Clementes”, nunca lutaram contra o patronato rural, sempre foram gente pacifica, honesta e trabalhadora. É o que a historicidade popular nos ensina, corroborando com igual pensamento o ex-vereador, ex-deputado estadual e ex-prefeito Heraldo da Costa Gadelha. A vila dos Clementes representa o passado histórico de seus antepassados, lugar de livre convivência humana e de liberdade sem ideologia e ou interesse de tornar-se dono da propriedade e ou feudo rural.
                   
As comunidades quilombolas estão dispersas pelos estados da Amapá, Espírito Santo, Goiás, Rio de Janeiro, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo, ex-vi as visões e definições conceituais quilombolas na atualidade².  Em tais unidades da federação nacional, tendo com documento básico a constituição cidadã de 1988, as comunidades quilombolas remanescentes, em parceria com os movimentos sociais, a exemplo do MST – Movimento dos Sem Terras e outros tipos de camponeses que já viviam na terra e não tinham o título de propriedade da mesma, conquistaram o direito à Educação Básica no campo, em seus assentamentos, além de outras conquistas essenciais para sua fixação no meio rural, como por exemplo, eletrificação rural, postos médicos e odontológicos, meios de comunicação, estradas e transportes, etc. Ainda tem muitos outros direitos a serem conquistados por essa gente brava. A libertação dos escravos através da lei áurea, assinada em 13 de maio de 1888, foi uma forma legal que a Princesa Isabel, em nome de seu pai, o Imperador Pedro II, arranjou para presentear os senhores de engenhos com a liberdade de seus escravos, em sua maioria, velhos, sem profissão, analfabetos, verdadeiros filhos de Eva, que foram jogados nas grandes e pequenas cidades, dando origem as primeiras favelas no Brasil. Assim sendo, o patronato rural se livrou do compromisso de manter casas, senzalas, remédio e comida todos os dias para tais escravos. E até porque os principais interessados na liberdade de si e de sua prole não se fizeram presentes, não houve lutas, guerras e batalhas de quaisquer espécies. A libertação dos escravos de 13 de maio de 1888, foi um presente de grego para todos os escravos e escravos deste país. Saíram pelas estradas sem lenço e sem documentos a procura de pão e água para beber. Esse foi o quadro da verdadeira libertação dos escravos antes do nascimento do regime republicano.
              
Em lendo o cordel quilombola³ a nossa população nacional, descendente de negros e índios, todos livres em suas origens e escravizados pela oficialidade até o 13 de maio de 1888, ainda convivem em pleno século XXI, a procura de sua real libertação, tendo em vista que dentre as comunidades mencionadas, ainda faltam aquelas que perderam sua própria identidade no referido período, haja vista que nada ficou escrito a respeito de sua historicidade para as novas gerações, um exemplo disso é o caso dos descendentes dos “Clementes” em Santa Rita. A liberdade é conquistada através de sangue, suor e lágrima e nunca através de tapas nas costas, apertos de mãos e ou de simulação legal, isso é a alienação grupal para a implantação de ditadura fascista com simulação de estado soberano de direito democrático.

¹ Cf.: FFLCH — USP (2005). "Glossário Sertanejo" (PDF). Cursos de tupi antigo e língua geral (Nheengatu).In.: <http://tupi.fflch.usp.br/sites/tupi.fflch.usp.br/files/Gloss%C3%A1rio%20Sertanejo.pdf >.
Visitado em, 19/03/2016.
² Cf.: Administração do Sítio: koinonia.org.br -  Visões Quilombolas. (2008). In.:< http://www.koinonia.org.br/visoes_quilombolas/>. Visitado em, 19/03/2016.


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