Por Antonio Corrêa Sobrinho
“Gazeta de Notícias” – R. Manso reproduz na sua crônica parte de uma narração de viagem pelo sertão da Paraíba, feita por um engenheiro das obras contra as secas:
“Em trabalhos contra a seca atravessava eu o sertão da Paraíba. Eu e o meu ajudante Neves, que se sentia doente, com o fígado já engorgitado, furúnculos rompendo a pele, falta de apetite, porque havia um mês, mais de um mês, que não brigava. Chegamos a Cabeceiras e fomos para o hotel. Estava o Neves a tomar um copo de cerveja, a um lado da mesa, quando entrou um sujeito e lhe esbarrou no ombro. A cerveja entornou-se. O Neves se ergueu e disse-lhe um desaforo. O homem, com boas maneiras, tirou o chapéu de couro e pediu humildemente perdão, que não fora por querer. O Neves não aceitou as desculpas e desafiou, provocou, pediu, suplicou, instou com o sertanejo para brigar com ele. Depois de muito rogado, o sujeito disse:
- Moço o senhor tem aí uma pratinha?
O Neves tirou uma moeda de 500 réis e deu-lhe. Ele tomou-a e dobrou-a com os dedos. Depois abaixou a cabeça e disse:
- Faça obséquio de olhar aqui.
O Neves olhou e viu mais de vinte riscas em todas as direções; não dessas riscas precárias, feitas a ponto e que se desmancham de um momento para outro, mas boas gilvazes definitivas, abertos a facão. Depois abriu a camisa, mostrou na cintura um arsenal e no peito a mais surtida coleção de cicatrizes que se pode encontrar reunida em espaço tão diminuto e acrescentou:
- Veja. Aqui o senhor encontra recibo de faca, foice, chuço, punhal, rifle, chumbo e bala. Eu tenho no corpo mais chumbo do que o preciso para fundir em peso de quilo. Dez homens como o senhor não são gente para mim sozinho. Meu nome é Antônio Silvino... O senhor ainda quer brigar?
O Neves ficou uns instantes mudo; mas não era de cólera, não. Pelo contrário. Ele é um rapaz de muito bom coração e aceitou, logo que lhe voltou a voz, as desculpas do Antônio Silvino. Fê-lo tomar um copo de cerveja, obrigou-o a jantar conosco e no dia seguinte, pediu licença e voltou para a capital.
Antônio Silvino chega nas coletorias, agências de correio e de telégrafos, arrecada todo o dinheiro que encontra e deixa recibo; mas sem estampilha. É uma questão de capricho. Ele diz que não sela os recibos porque não quer dar lucro de trezentos réis ao governo, que nada faz pelo sertão.
Ele não tem às suas ordens o número de cangaceiros que dizem. Efetivos só tem trinta e dois. Esses são os do quando, os vitalícios, os que têm direito ao montepio. Quando há necessidade para o serviço, ele nomeia cangaceiros em comissão, diárias, a 5$ por dia, com direito ao rifle. Ia fazer agora uma reforma, aumentar o pessoal, criar uma agência em Princesa, para tomar conta do João da Banda. Finalmente, este se uniu a ele e a reforma ficou adiada.
O Antônio Silvino você vendo-o, não imagina de que ele é capaz. É um sertanejo de boas maneiras, muito respeitador (et por cause...) e tem fama de ser homem de uma só palavra.
Quando me retirei de Cabaceiras corria entre os admiradores de Antônio Silvino uma subscrição (na qual assinei vinte mil réis) para adquirirem e lhe oferecerem um cemitério.
13.12.1911
A Política de Pernambuco e as Proezas do Cangaceiro Antônio Silvino – RIO, 22 – A propósito do cangaceiro Antônio Silvino, chefe de uma quadrilha de facínoras que opera no sertão de Pernambuco, onde saqueou várias localidades, o Sr. Ulisses Costa, chefe de polícia daquele Estado, durante as administrações dos senhores Herculano Bandeira e Estácio Coimbra, interrogado, disse que a afirmação de que Antônio Silvino está aliado aos partidários do senhor Rosa e Silva não passa de um recurso de politicagem muito usual.
A verdade é que o estado de Pernambuco está anarquizado, barbarizado. O entrevistado salientou o fato de terem os telegramas registrado os ataques, e os tiroteios e os saques, não fazendo a menor referência à ação policial, quando as localidades atacadas distam apenas um dia de viagem da última estrada de ferro.
Esses movimentos sediciosos do sertão, essas depredações que se notam pelo interior do Estado, são, na sua opinião, os primeiros frutos que o governo atual colhe da anarquia que ali implantou, tendo em vista a agitação política turbulenta travada em fins do ano passado, quando da propaganda eleitoral.
Os partidários do senhor Dantas Barreto, nos municípios do Brejo e Madre de Deus, contrataram os serviços de Antônio Silvino e do ladrão Antônio Godê, chamado especialmente dos sertões paraibanos, para tomar parte na campanha eleitoral.
Em tais condições, Antônio Silvino se julga senhor do terreno para agir desembaraçadamente.
Não quer dizer que o governo de Pernambuco pactue com o banditismo, isto porque faz justiça ao atual chefe de polícia do Estado. É certo, porém, que o governo não contará com os seus amigos, nos municípios flagelados, para reprimir o banditismo. Assim, a situação da falta de segurança em Pernambuco aumentará, dadas as perseguições políticas, as deposições dos governos municipais, como sucedeu em Jaboatão.
Os pernambucanos que se acham fora de Pernambuco e que não são solidários com a situação política do Estado estão impossibilitados de voltar ao seio de suas famílias e cuidar de seus interesses abandonados.
No seu tempo, a polícia de Pernambuco tiroteou com a gente de Antônio Silvino, no território paraibano, onde se faz sentir a ação conjunta das polícias pernambucanos e paraibana. Com o advento do dr. Dantas Barreto, este chamou a si as atribuições de todas as autoridades, daí resultando a anarquia.
Depois da autoridade do Sr. Dantas só existe ali a autoridade do tenente Melo, comandante da polícia. Em tais condições, o banditismo, atentando contra as vidas e as propriedades, alastra-se pelo Estado, correndo parelhas com as anarquias administrativas e política.
A falta de garantias individuais é um dos traços mais característicos da atual situação pernambucana.
23.07.1912
OS CANGACEIROS – Partida de força para Campina – RECIFE, 8 (A) – Sob o comando do tenente Francisco Pinheiro partiu para Campina um contingente de sessenta praças do Exército, da terceira companhia isolada. Essa força vai garantir aquela localidade contra possíveis ataques do bando de cangaceiros.
Os habitantes do município de Pesqueira estão ameaçados de ataque por parte dos homens de Antônio Silvino, sob a chefia do chamado Quinta-Feira e de Vicente, o preto. A população está firmemente decidida a não entregar mais dinheiro aos cangaceiros que já levaram dali importantes somas e espancaram vários negociantes e fazendeiros, inclusive os senhores Claudino da Silva e senhora; Manuel Corrêa, Manuel Barbosa e Antônio Moreira.
Este último foi obrigado a entregar aos assaltantes 2:500$000.
Os cangaceiros, no que parece, são instigados pelos inimigos da atual situação.
09.08.1912
ANTONIO SILVINO
Façanhas do bandido Antônio Silvino – RIO, 12 – Telegramas particulares aqui recebidos dizem que é alarmante a situação de vários municípios do Rio Grande do Norte, onde o bandido Antônio Silvino exige tributos fabulosos das pessoas abastadas.
13.10.1912
O BANDIDO ANTONIO SILVINO – NATAL, 6 (A) – Chegam a esta capital notícias do bandido Antônio Silvino, que, acossado pelas forças de polícia, está atualmente acoitado no lugar denominado S. Bento do Brejo, no estado da Paraíba.
As forças rio-grandenses do norte continuam a persegui-lo tenazmente, estando bastante esperançosas de poder capturá-lo.
O coronel Franco Rabelo, governador do estado do Ceará, telegrafou ao Dr. Alberto Maranhão, presidente deste Estado, dando autorização para que as forças do Rio Grande do Norte penetrem no estado do Ceará a fim de efetuarem a captura do bandido.
07.11.1912
PERNAMBUCO
As Famosas Proezas do Bandido Antônio Silvino – o Terror do Norte Brasileiro –
Lemos no “Pernambuco”:
“Recebemos uma carta de um nosso amigo particular, residente em Caicó, que, por ser enviada por um negociante criterioso e probo que nos merece inteira confiança, damos dela alguns tópicos:
As famílias moradoras em Caicó estão aflitíssimas com a ameaça que fez Antônio Silvino de em breve invadir a referida localidade.
Há poucos dias mandou ele participar a todos os políticos, autoridades e comerciantes dali, que ia fazer na fazenda do coronel Joel Macena uma conferência pública.
A ela compareceram pessoas de todas as classes que queriam saber o fim da conferência pública.
Antônio Silvino discorreu calmamente sobre os pontos seguintes:
1. Exigia dos chefes políticos e autoridades locais permissão sob juramento – para descansar e permanecer provisoriamente no Estado;
2. Entenderem-se os chefes políticos com o Governo, a fim de que este não consinta entrada em Caicó dos trapos “estranhos” que o perseguem;
3. Que todo aquele que não o avisasse de qualquer movimento federal ficaria sujeito às penas do calibre 44;
4. Que o delegado de polícia que não o auxiliasse na cobrança do dízimo costumeiro não lhe mereceria a confiança;
5. Que o “candidato” futuro ao Governo seria o deputado Lamartine e que contava com o apoio de todos e, em caso de oposição “queimaria o último cartucho”, e que todo aquele que votasse no capitão José da Penha ficaria sujeito à morte.
Alguns delegados de polícia estão espantados e pensando na tal incumbência de cobrança; porém o de Serra Negra, o senhor Francisco Luiz de Medeiros, de muito bom grado aceitou a missão e já efetuou a primeira cobrança.
Estreou com a família Marcelino da qual extorquiu a quantia de 500$000.
Um outro delegado vizinho sacou por ordem do famigerado bandido 2:500$000 para Laranjeiras.
Tudo isto foi feito sob a ameaça de morte, a fim de evitar delongas e protestos.
Os habitantes de Caipó já fizeram uma quotização que monta a mais de 5:000$000, e, não obstante ter sido Antônio Silvino bem recebido pela população daquela localidade e pelas autoridades e comerciantes dali, fez a arrecadação de todo dinheiro existente e embolsou-o.
As famílias estão assustadas e receiam a entrada do bandido em Caicó.
A segunda conferência que ele, Silvino, teve com o major Seabra, comandante do destacamento, foi muito cordial e demorada, nada, porém, transpirou a respeito do assunto da falada conferência.
Em Conceição do Azevedo foi recebido, há poucos dias, hospedando-se em casa do “mandão local”, onde houve banquete e música por ocasião de sua chegada.
O que é mais importante, entretanto, é que o senhor Promotor de Serra Negra, encarregou-se da montagem de uma casa de jogo e de um bilhar, para ser agradável a Silvino, quando ele chegasse.
Na alfaiataria do dito promotor tem o assassino uns uniformes caquis, que pelo mesmo foi mandado fazer.
Agora mesmo acabo de saber que o bandido em questão, acompanhado do seu grupo, que é composto de 20 homens, saiu na madrugada de ontem com destino à Serra Negra e Paulista; o comércio está enfraquecendo muito e as feiras são desertas.
Espera-se a todo o momento a entrada do famoso cangaceiro, e o Sr. Major Seabra, comandante do destacamento, diz ser estranho e indiferente a todo o movimento.
O governador Maranhão conserva-se calado e jaz em completa imobilidade, diante de fatos tão graves.
As autoridades ou mandões aconselham ao povo apavorado que cotizem, a fim de receberem-no bem, pois é o único meio de salvação possível.
Anteontem soube que João da Banda, em companhia de dois fugitivos da cadeia de Nazaré, passou no lugar Várzea da Serra, em direção ao Caicó.
Consta que chegou a Flores o conhecido assassino e ladrão José Mole, que fugira de Aracati, e está refugiado em uma fazenda, a duas léguas de Flores, com quatro companheiros já “encangaçados”.
Ali termina a carta em que o nosso amigo nos revela tão transcendentes acontecimentos.
O público admiro e considero as proezas de Antônio Silvino, o terror dos nossos sertões, e a apática e criminosa atitude das autoridades locais.
05.12.1912
Fonte: facebook
Página: Antônio Corrêa Sobrinho
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